A razão, o sofá e a aliança

A crise do mundo nascido do Iluminismo. A educação, a liberdade. E a importância de "falar com aqueles que são diferentes de nós". Crônica do diálogo entre Luciano Violante e Julián Carrón a partir da entrevista para a revista "Jotdown"
Alessandra Stoppa

“O que o senhor tem a ver com Violante?”; “E o que o senhor tem a ver com padre Carrón?”. Os dois convidados da noite de 8 de maio, no Teatro Dal Verme, de Milão – lotado –, ouvem a mesma pergunta da jornalista da RAI, que os entrevista antes do encontro. O que aproxima o Presidente Emérito da Câmara dos Deputados e o dirigente de CL? A resposta é explicitada por Julián Carrón num determinado momento: “O que nos aproxima é a nossa experiência. Estamos juntos para entender o que está acontecendo. E, assim, tentar oferecer uma resposta”. A seriedade desta tentativa dará intensidade a toda a noite, muito densa de argumentos e perspectivas, falando-se das novas tecnologias à política, e ao relacionamento entre as gerações.

Foi o próprio Luciano Violante que sugeriu que a entrevista concedida por Carrón à revista espanhola Jotdown fosse objeto de um diálogo público, para não perder o alcance que teve. Foi um dos primeiros a aceitar a provocação da interpretação sobre a mudança de época, que “também suscitou debates em algumas escolas e na universidade. Alunos e professores se encontraram para lê-la juntos”, explica o astrofísico Marco Bersanelli, moderador, que conta como nasceu o encontro do Centro Cultural: “A partir desse trabalho, emergiram tantas perguntas entre os jovens, que quisemos selecionar algumas delas”. São as perguntas que permeiam a noite, feitas por estudantes do segundo grau e universitários, um professor e um pai. A primeira é de Bersanelli, que pergunta a Violante o que o tocou da reflexão de Carrón.



Na mesma manhã em que a entrevista foi publicada, Violante tinha enviado ao Osservatore Romano uma reflexão paralela, exatamente sobre o mundo que nasceu com o Iluminismo (“Como gatinhos cegos”). “Tocou-me”, diz, “o fato de termos tido a mesma impressão a partir de posições diferentes”. Resume-a assim: “Trata-se de repensar o peso que a razão tem. O que prevalece hoje é a emoção. Estamos diante de uma reedição do Romantismo”. E de seus temas típicos: a Pátria contraposta ao Universo, o povo como detentor da verdade, o herói solitário... “E o outro aspecto que me tocou muito”, continua, “foi a novidade de leitura em relação ao outro: não cria os nossos problemas, mas revela os problemas que temos. Ele nos questiona”. Um exemplo cotidiano: “Quando estou diante de um deficiente, ou de um imigrante, me vejo em dificuldades. O problema é meu, não dele. O problema é como entendo – ou não – o verdadeiro valor da pessoa, se reconheço ou não que o outro me permite descobrir a mim mesmo”.

Carrón diz que, por temperamento, gosta de olhar as coisas de frente: “Procurei entender mais os desafios que estamos enfrentando. Se não os compreendemos, não podemos enfrentá-los. Mas é preciso tempo para entender”. Para ele, a chave, que “não resolve tudo, mas é iluminadora”, foi a reflexão de Bento XVI sobre o Iluminismo, um olhar cheio de positividade que viu naqueles homens “a tentativa de salvar os valores fundamentais da vida, depois das guerras religiosas”. O problema foi “ter pensado que aqueles valores fossem uma evidência que duraria no tempo. Porém, faliu. E isso também explica a desorientação atual”. Divisões sobre questões que algumas décadas atrás não eram sequer colocadas em discussão: os grandes valores que plasmaram os direitos, as legislações das nações, e que não resistem mais. “Se não entendemos verdadeiramente o que está acontecendo, vamos propor respostas que já se revelaram fadadas ao fracasso”.



O programa é transmitido ao vivo. Michele (estudante do oitavo ano do ensino fundamental) pergunta se, ao buscar bases sólidas sobre as quais fundar a sociedade, estamos destinados a girar em círculo: “A chegar no topo para cair novamente e recomeçar do zero”. “Acho que não somos destinados a isso”, responde Violante: “Somos destinados a refletir sobre como usamos a razão. Tenho a impressão de que nos sentamos sobre a razão, como se fosse um confortável sofá, não a utilizamos como um instrumento de construção, mas como instrumento de identidade própria”. Reflete sobre todos os problemas que afastamos porque os achávamos incômodos – o conjunto de comportamentos que são “politicamente corretos” – e sobre os “esquecidos pela razão”: se não uso bem a razão, inevitavelmente esqueço um pedaço da sociedade, porque não enfrento os problemas em toda a sua amplitude, mas tento apenas fazer uma boa figura. E isto leva ao conflito social. Faz referência à campanha eleitoral americana e ao ancião que o parou na rua, em uma cidadezinha da Calábria, e lhe pediu para explicar por que os imigrantes recebem dois euros por dia e seu filho desempregado, não.

“A razão é um instrumento difícil, até doloroso”, aprofunda Violante: “Revela os nossos limites, a falácia das nossas interpretações. Deitamo-nos sobre a razão ao invés de usá-la como um instrumento de luta, de empenho, de interpretação, de transformação”. Deitar-se sobre a razão quer dizer abandonar-se à ideia de que “de qualquer modo tínhamos razão, nós éramos os que tinham interpretado bem a realidade”. É um tema retomado com frequência no decorrer da noite: a dificuldade de colocar em discussão a si mesmo. “Por isso, evitamos o relacionamento com o outro, refugiando-nos no celular, no sms e em outras coisas. Evitamo-lo porque solicita um empenho nosso”.

Para ele, a vida pessoal, assim como a vida democrática, seguem o mesmo fio: “Acabamos por relegar a inteligência ao artificial e a emoção ao humano, enquanto a razão deve ser inerente às nossas vidas. A emoção é má conselheira. As dificuldades em que as democracias se encontram são fruto desse não enfrentamento dos problemas de modo razoável”.

Carrón toma a palavra e continua, chegando ao ponto mais sensível, para onde o resto converge: a liberdade. “Estamos habituados ao progresso material, tecnológico, que se desenvolve cada vez mais rapidamente e nunca regride. Pensamos que isso também vale no campo da vida humana, ou em tudo aquilo em que a liberdade entra em jogo. Então, ficamos desconcertados: como é possível que certas coisas, reconhecidas pela razão como tão evidentes em um determinado momento, possam, depois, não ser mais evidentes? Porque a liberdade do homem é sempre nova! É como em uma família: os pais podem fazer todo o possível para transmitir uma concepção das coisas, mas o filho não é um prolongamento deles. A mesma coisa acontece com os valores fundamentais, com o modo como me relaciono com o estrangeiro que chega em casa, com quem está no fim da vida... Temos um tesouro diante de nós, podemos acolhê-lo ou rejeitá-lo”. Quem promete um “mundo melhor” faz uma promessa falsa: “Falsa porque ignora a liberdade. Boas estruturas ajudam, mas não bastam”, continua Carrón, retomando Bento XVI, “porque o homem nunca pode ser redimido simplesmente por fora”. Essa é a sua grandeza, esse é o grande risco.



Um dos pontos de unidade mais evidente entre os dois convidados é ver, em tudo o que acontece, uma possibilidade de protagonismo absoluto para cada um de nós. “A luta entre o bem e o mal ainda não está resolvido. Por isso viver faz sentido”, desconcerta Violante respondendo à pergunta de um estudante sobre como restabelecer novos valores: “A vida nos solicita continuamente a encontrar um modo de afirmar os valores. Ou esperamos que alguém confeccione um mundo para nós, ou somos chamados a fazê-lo, nós mesmos. Vemos que a emoção não é um instrumento de ordem, mas a batalha da razão não está de forma alguma perdida. A vida perde o sentido para aqueles que deixam de se empenhar”. Depois, afirma: “Às vezes, a dor e a dificuldade são muito grandes e é preciso compreender quem vive isso, mas a vida, ou é um empenho, ou é deixar-se viver”.

E convida a conhecer, conhecer, conhecer: “2007 foi um ano de inovações que mudaram radicalmente a nossa vida”. Faz um elenco, do iPhone ao acesso ao Big data, da Airbnb à superação do silício nos microprocessadores. “E quando, em uma conferência, ouvimos dizer que uma poesia de Montale, na verdade, é produzida por um algoritmo, a primeira reação é: ‘Estas coisas me dão medo...’. Temos medo daquilo que não conhecemos”.



“Normalmente vemos que uma experiência de beleza, de atração não leva a um empenho ético duradouro. É possível educar a liberdade?”, pergunta Melissa, estudante de Medicina. “Se o homem aderisse ao bem automaticamente, pagaríamos um preço muito alto”, diz Carrón: “O preço da própria liberdade. Péguy diz: a quem interessaria uma salvação que não fosse livre? Um mundo mais humano é um mundo de homens livres. Mas sabemos que gerar homens livres significa criar espaço para a possibilidade do mal, que faz sofrer a nós e aos outros. Como educar a liberdade? Desafiando-a continuamente com algo atraente, testemunhando que a vida pode ser mais humana, mais acolhedora. Como uma mãe que, para fazer o filho sorrir, continua sorrindo para ele, não muda o método, mesmo que precise esperar”.

A pergunta de Bernardo, estudante de Letras, é exatamente sobre os laços: como é possível esperar quando os relacionamentos de base, como o relacionamento com os pais, são destinados a serem instáveis? Violante toma como base como a tecnologia, já tida como um fator existencial, inverteu os relacionamentos: “Os pais, os avós, os ‘adultos’ não são mais depositários de conhecimentos que os jovens não têm. É quase o contrário. Meu neto tem um conhecimento que eu não possuo. No entanto, eu devo educá-lo a usar aquilo que sabe. É preciso recriar a aliança. É fundamental a questão dos relacionamentos: ter laços é um ato de liberdade. O laço nos torna mais livres, porque nos muda, transforma nossa maneira de ver a realidade, nos corrige, nos faz descobrir coisas sobre nós, nos torna mais ricos”. Sublinha com paixão uma coisa: “A importância do diálogo com quem é diferente de nós e não pensa do mesmo modo”.



Dá o exemplo flagrante da degeneração da política, e fala do seu primeiro dia no Parlamento ao lado de um sindicalista que insultava os oponentes assim que intervinham e do Secretário da Casa, que se aproximou dele e disse: “Estamos aqui para falar com quem não pensa como nós”. Fala da Itália no início dos anos Noventa, quando, segundo ele, foi consumada uma ruptura: “O clima que se criou tirava o crédito de tudo o que existia, e o tesouro não foi passado de uma geração a outra”. Era um “relacionamento a ser sanado”, bem distante do atual “coloquemos um jovem”, embora justo, “mas o jovem não pode ser deixado por conta nem usado instrumentalmente”.

Carrón retoma uma publicação recente sobre o projeto da Silicon Valley contra as notícias falsas: “É preciso colocar a pessoa no centro”, lê no Corriere della Sera, “para treiná-la a olhar o mundo com os próprios olhos e pensar com a própria cabeça, desenvolvendo o espírito crítico que a tornará mais atriz e menos espectadora, mais líder e menos seguidora, mais cidadã e menos súdita”. Então, há algo que nenhum algoritmo pode substituir. “E não há desafio mais fascinante para nós do que este”, diz, respondendo a Gianni, professor, que pergunta como é possível despertar os jovens diante do vazio que vivem: “Fazer com que a pessoa volte a ser pessoa. E oferecer um real mais fascinante do que o virtual”.

A “humanização da vida”. Violante usa estas palavras para sintetizar a urgência que sente. Também diante do equívoco de “confundirmos o problema dos valores com o da identidade”, diz a Alberto, um pai que conta como, no relacionamento com o filho, os valores levam-no a se fechar ao invés de se abrir. “Achamos que temos que defender valores”, continua Violante, “mas o valor não existe solitariamente. O outro deve fazer parte do valor, senão não é valor!”. E acrescenta. “Precisamos decidir como queremos conduzir a vida. Se vamos ficar fechados no casulo das nossas convicções. Mas, esta, não é uma vida rica. É uma vida presunçosa, arrogante”. Pouco depois, diz: “Viver é difícil. É um contínuo colocar-se em discussão. Não é um passeio. E certamente há muitos momentos de queda. Mas isso não é um problema. O importante, sempre, é reconstruir a aliança, sempre reafirmar o bem que há no conflito. Sabendo que há uma meta”. Fica mais sério e comovido: “Não é fácil, mas isso permite viver verdadeiramente, permite dizer, no final: vivi. Combati, até o fundo, o combate. Depois, o Senhor decidirá o que fazer comigo”.

Um instante de silêncio e, depois, um longo aplauso. De gratidão, como diz Bersanelli: “Por esse testemunho. Por ter visto como a diferença de identidade não impede o diálogo”. Carrón completa: “Permite-o”.