Carta ao Santo Padre

Os 25 anos de pontificado de João Paulo II. De «Panorama» (2003), n. 44, pp. 39-40
Luigi Giussani

João Paulo II demonstra uma estima pelo humano como raramente se encontra em outros personagens destes tempos, que têm poder em suas mãos e mesmo assim não estão satisfeitos com aquilo que têm; de fato, o poder corrompe no humano a inteligência e a vontade, cuja busca parece preencher e satisfazer. Em João Paulo II não é assim: na sua figura, o cristianismo define a condição humana, é o caminho para a realização da felicidade do homem e exprime o senhorio do homem sobre as coisas.
Acompanhando a história destes 25 anos de pontificado, o que mais percebemos é que o cristianismo tende a ser verdadeiramente a realização do humano. Todas as viagens do Papa, como longa marcha rumo à morte, tiveram como razão a evidente unidade que corresponde ao gênio do cristianismo: Gloria Dei vivens homo. A glória de Deus é o homem que vive... na verdade da luz: Deus presente na história da humanidade. O homem que vive, como nos testemunha o Papa, encontra sua racionalidade na identificação do cristianismo com o humano: é o homem realizado! Nossa Senhora é o arquétipo dessa humanidade realizada, e essa é a razão do afeto que João Paulo II nutre por Maria de Nazaré.
A importância deste Papa está no fato de ter falado de cristianismo durante um quarto de século e, por isso mesmo, ter entrado em polêmica com toda a cultura pós-século XVIII, especialmente com a que se apóia na Revolução Francesa. Numa época de derrotas, falou do cristianismo como vitória: sobre a morte, sobre o mal, sobre a infelicidade, sobre o nada que ameaça cada sussurro humano. E o fez mostrando como sua fé cristã força a uma racionalidade bem motivada; diante do mundo arruinado pela ideologia, explicou a fé de um modo carregado de evidências racionalmente persuasivas. Sua fé foi demonstrada com razões límpidas, de forma que o entusiasmo de milhões de pessoas que o ouviram não encontra, em questões sobre as quais se possa discordar, o pretexto para diminuir a admiração por ele.
Assim, sua humanidade ferida fisicamente triunfou sempre em suas afirmações positivas e em sua força de admoestação.
Santidade, faço votos de que sua vida seja a mais longa possível, para que Vossa Santidade continue a ser testemunha coerente desta forma suprema de desafio que, por amor de Cristo, representa para o mundo inteiro. Quanto mais esta palavra, Cristo, for ouvida ou ouvida novamente, mais e mais demonstrará sua capacidade persuasiva.
O cristianismo de João Paulo II reflete toda a essência “secular” da mensagem cristã, ou seja, uma identidade entre humanidade e fé cristã. “Cada um do sumo bem a idéia apreende,/ que lhe suaviza a rude inquietação/ e às exigências de sua alma atende” (Purgatório, XVII). Dante Alighieri é a definição perfeita de uma existência racional. E o maior sinal dessa humanidade, dessa identidade entre humanidade e fé cristã, o sinal que nem todas as distorções e esquecimentos apagaram do coração do homem, o sinal mais completo e conhecido por todos é o matrimônio.
De fato, no pensamento do Papa, a mulher para o homem e o homem para a mulher são o aspecto que se vê, o aspecto visível do triunfo, da flor que “germinou”, como diz Dante em seu Hino à Virgem: a identidade entre humanidade e fé. A beleza e a capacidade de bondade dessa unidade se revelam no gesto sacramental que mais valoriza o humano, o matrimônio, e são documentadas nos discursos de João Paulo II.
O amor é o maior valor do homem: portanto, o paradigma do homem e da mulher é a fórmula que representa o ideal. O Papa carrega esse ideal, pelo qual o homem só vive no amor, num amor verdadeiro. O humano se torna verdadeiro no amor, e por isso fica difícil concordar, por exemplo, com o poeta espanhol Juan Ramón Jiménez, quando escreve: “Agora é verdade. Mas foi tanto uma mentira que continua a ser impossível”.
No pensamento de João Paulo II, a humanidade se realiza num amor real, que não teme o desespero, esse desespero cantado por Dante em sua Vita Nova: “...O amor, quando tão junto de vós me acha,/ toma tantos cuidados e garantias,/ [...] que em figura alheia me transformo”. É interessante observar que, como em Dante, o olhar que o Papa dirige ao amor humano é consciente dessa aproximação do Ideal que se dá em qualquer momento da vida do homem. Por isso o homem, em sua vida terrena, tem uma parte de si mesmo à espera, mas isso nunca o impede de reconhecer, até apaixonadamente, que a natureza (ou o Criador?) vive para o acordo ideal, como se vê mais uma vez nos versos da Vita Nova: “Um espírito suave cheio de amor,/ [...] vai dizendo à alma: Suspira”.
Obrigado, Santidade
Luigi Giussani

Milão, outubro de 2003