Passos N. 231, Dezembro 2020

O sopro de Deus

Há uma frase de Dom Giussani, o fundador de Comunhão e Libertação (CL), que tem surgido com frequência nas conversas e no trabalho comum do Movimento nestas últimas semanas: “O Senhor também age à base de sopros”. É um sinal do quanto impressionou a quem a ouviu no encontro realizado em setembro e que relatamos na edição passada (“Vê-se só o que se admira”). Mas também foi repetida pelo fato de a reconhecermos familiar, a vermos acontecer em nossas vidas. O Senhor não se impõe com gestos espetaculares: sugere, convida, solicita. Ele se propõe à nossa disponibilidade em acolher os fatos que Ele opera; se propõe à nossa liberdade. Neste ano, em que tivemos tantos desafios por causa da pandemia da Covid, quem manteve os olhos abertos pôde perceber essa Presença, muitas vezes silenciosa, fazendo companhia.
Se pensarmos bem, o Natal também é assim. Uma criança indefesa que veio ao mundo em um canto remoto desse mundo, numa província marginal e desconhecida do Império. Menos que um sopro na história. E, no entanto, foi isso que a mudou para sempre. Porque possibilita vivê-la.

Sem a Encarnação, se Deus não estivesse presente na realidade, a vida seria simplesmente impossível. Talvez desse para aguentar alguns golpes – por algum tempo, e só para os temperamentos mais fortes –; mas o fôlego da nossa liberdade nunca conseguiria expandir-se sob esses golpes, a plenitude da nossa humanidade nunca conseguiria florescer até o fundo. Porque seria impossível viver até o fundo aquilo de que somos feitos: o relacionamento com o Mistério, com o Pai. Sem o Filho – que vive disso, que veio para encarnar, e assim mostrar a todos aquele vínculo decisivo com o Pai – nós nunca poderemos conceber-nos como filhos. Ou melhor, talvez possamos reconhecê-lo teoricamente, em algum raro sobressalto de uma razão que parece cada vez mais enfraquecida – é uma evidência que eu não faço a mim mesmo, que neste instante sou gerado por alguém que me quer –; mas não bastaria para vivê-lo, para enfrentar a realidade a partir dessa evidência, mantendo-a no canto do olho e do olhar.

Caro cardo salutis”, a salvação da nossa própria carne está na Encarnação, diz outra expressão, mais antiga, frequentemente ouvida nos últimos tempos. Mas precisamos de uma Encarnação presente, que chegue até nós agora. Fatos e testemunhos que nos impelem hoje à mesma disponibilidade dócil e admirada dos primeiros, daqueles pastores que deram crédito àquele misteriosíssimo “sopro de Deus”. A vida está cheia de testemunhas assim. Alguns pequenos exemplos também podem ser encontrados nas páginas a seguir. São a carne d’Ele, Deus conosco. Feliz Natal!