Passos N.51, Junho 2004

Cristo ressuscitou! Eu não fiz nada...

Recentemente, o cardeal Ratzinger e o presidente do Senado italiano, Marcello Pera, expressaram – cada um partindo do próprio ponto de vista (um, crente; o outro, um leigo liberal) – a preocupação com o grave momento que estamos vivendo. Em jogo – concordaram ambos – está o destino de uma civilização que foi construída sobre o reconhecimento do valor infinito da pessoa. Apesar das muitas traições, a civilização européia e ocidental sempre manteve firme a fé nesse ideal através dos séculos, o que lhe possibilitou dar grandes passos em termos de desenvolvimento, de liberdade e de tolerância.
Agora, tudo isso está em crise, devido a fatores internos e externos.

A dignidade da pessoa é o primeiro fruto da ação de Cristo. Foi Ele o primeiro a atribuir o mesmo valor ao leproso e ao rei, ao escravo e ao livre, ao homem e à mulher. Foi Ele quem reconheceu o significado positivo da história, sendo Ele próprio o seu início.
Por isso, a crise que estamos vivendo chama de modo especial os cristãos a tomarem consciência da missão que lhes está reservada neste período.

Numa carta que publicamos neste número de Passos, o major do Exército americano David Jones – responsável pelo treinamento dos recrutas – pergunta-se como é possível ser cristão dentro do “inferno” da guerra; e escreve: “Cristo não nos prometeu que seria fácil, sem dor ou sem grandes sacrifícios”. E um pouco antes: “Cristo ressuscitou! Eu não fiz nada... Essa nova civilização do Amor acontece quando vivemos esse carisma em meio ao caos, à confusão e ao massacre deste mundo, aqui e agora”.
Nestas semanas, graças ao grande poder da mídia e ao uso das imagens, todos nós, de certa forma, fomos transportados para a frente de batalha, vendo de perto o horror e nos perguntando: “Por quê?”. “Justo nesta semana” – escreve ainda Jones – “me foi comunicada a morte de um dos meus recrutas. Tive que organizar todo o procedimento para que uma delegação levasse a notícia do falecimento à família dele e, depois, eu mesmo tive que enfrentar a mãe em desespero. É tão fácil cair no niilismo...”.

Plantada como um acontecimento descartável em meio a um mundo em chamas – hoje como há dois mil anos –, a Ressurreição continua a proclamar: “É a vitória da Páscoa e da imortalidade. Sendo assim, o povo cristão é vitória da Páscoa. Essa é a vitória de Cristo contra a ‘vitória’ do nada”, lembrou o padre Giussani durante os últimos Exercícios espirituais da Fraternidade de CL.
O major Jones escreve que mantinha essas palavras no coração e vivia o seu sentido no “aqui e agora” da sua vocação cristã dentro do Exército. Porque a esperança não se nutre de grandes palavras, nem de utopias, mas de sinais novos de um mundo diferente, onde tudo é abraçado e tudo é para o bem. Essa não é uma vitória possível aos homens. Foi Deus, como escreve Péguy, quem assumiu esse “incômodo” por nós.