Da esquerda: Aisha, Hanifa e Sara.

Traces e a minha felicidade

Entrevista a três vozes: Aisha, Hanifa e Sara. Ou melhor, as mulheres muçulmanas do Meeting Point de Kampala que todos os meses vendem a revista de CL. “Faz-me amar o catolicismo”. Eis o porquê (de Passos maio/2018)
Andrea Nembrini e Rose Busingye

O Meeting Point de Kampala é, desde a sua origem, international. As mulheres repetem continuamente que “é o coração que é internacional” e, por essa razão, sempre acolheram com sua amizade todos os que a desejavam, sem fazer distinção de tribo, religião ou língua. É o primeiro grande milagre deste lugar, se pensarmos na rígida concepção de pertença tribal que ainda domina os relacionamentos na África. Quando se reúnem, todas as mulheres vestem a camiseta amarela do Meeting Point International (MPI) e, enquanto gritam “One heart!” (coração único), é impossível fazer distinções.
Há cerca de um ano, ao amarelo juntaram-se outras cores vibrantes: são os véus de Sara, Aisha e Hanifa. Sara é uma enfermeira que colabora com Rose Busingye, que dirige o local, e que convidou para o MPI duas vizinhas, muçulmanas como ela. O entusiasmo desse encontro as torna, hoje, uma das presenças mais significativas do MPI e – como descobrimos recentemente – são fervorosas protagonistas da venda pública de Traces, a edição em inglês de Passos, que acontece uma vez por mês. Perguntamos a elas qual a origem dessa paixão.

Por que vocês vendem Traces? Por que gostam da revista?
Sara. Sou profundamente muçulmana desde que nasci. Cheguei ao Meeting Point International em 2011. Não sabia o que era Traces, mas comecei a comprá-la, a lê-la e a amá-la. Há muitas coisas bonitas nessa revista, há muito para aprender. Em particular, há experiências de outras pessoas e quando você lê uma experiência que é diferente da sua, descobre algo a mais sobre si mesmo, sobre aquilo que realmente deseja para a sua vida. Por isso, agora estou fazendo o catecismo e frequento a Escola de Comunidade, porque quero me aprofundar.

Hanifa. Mesmo sendo muçulmana, frequento o Meeting Point International. O motivo é que havia muitas pessoas em minha volta, mas ninguém nunca me acolheu como neste lugar. Fiquei realmente surpresa pelo modo como me acolheram e me trataram. Carregava muitas dores, meu coração era pesado, mas desde o dia em que cheguei neste lugar, minha vida mudou. Agora sou feliz e, comigo, também minha família.
Então, em relação a Traces: eu não sei muito bem o inglês e mal consigo ler a revista, mas a vendo por causa da amizade que encontrei aqui, e fico feliz em fazer isso. Esta amizade levou-me a vender Traces, mas também a amar esta religião. Às vezes, acho que acredito nessa religião mesmo prosseguindo meu caminho no islamismo. Continuo sendo muçulmana, mas amo o catolicismo.

Aisha. Comecei a frequentar o Meeting Point International porque queria ser feliz como aquelas mulheres. Um dia, uma mulher perto de mim estava com um número de Traces e, observando as páginas da revista, meu olhar pousou em uma palavra: felicidade. Mas a mulher estava indo embora e eu não sabia como encontrar a revista, então pedi para me deixar dar uma olhada. Vi muitas imagens e, em todas elas, as pessoas estavam felizes. Perguntei quanto custava e comprei o meu primeiro número por 3.000 xelins ugandeses (cerca de 1 dólar). Lendo-a, fiquei surpresa porque tudo, naquelas páginas, falava de felicidade, da possibilidade de ser feliz mesmo estando cheio de problemas. E quando você lê sobre as experiências de pessoas felizes, também se torna feliz. Não havia uma história na revista que não me deixasse feliz. Ainda hoje é assim: todas as vezes que a compro – e a compro sempre – fico feliz. Traces também me fez entender que as religiões são diferentes, mas normalmente o que nos divide é apenas a maneira de vestir; mas estamos juntos, porque Deus é único. Foi isto o que aprendi com Traces.

Poderiam explicar o amor que sentem por essa experiência católica, pela revista Traces, apesar do fato de serem mulheres de fé muçulmana? Como essas duas coisas podem estar juntas?
Sara. Rose falou-me do meu valor, uma coisa que nunca tinha sido dita a mim antes. Então entendi que a religião católica não divide, mas acolhe todas as religiões. Esta é a razão pela qual Rose me disse: você precisa descobrir a si mesma. Quer dizer que ninguém pode lhe dizer: “Venha aqui e torne-se católica!”. Você é a única que pode chegar a isto, sozinha, mas só pode fazê-lo depois de descobrir a si mesma. E, no que me diz respeito, depois que descobri a mim mesma, decidi ficar com esses católicos.

Hanifa. Quando estava num período de grande sofrimento, ninguém se comoveu com a minha situação, ninguém me ajudou. Mas aqui, encontrei ajuda... Alguém me amou, alguém me ofereceu a sua amizade. Não sei como explicar: já fazia um dia que estava chorando e, comigo, meus filhos. Eles frequentavam uma escola realmente ruim, não recebiam nem os boletins... Agora estou feliz, minha casa mudou completamente, as crianças vão à escola, estudam em paz, são felizes. Como poderia não amar este lugar que me trouxe toda essa alegria? Como poderia não amar essa revista, que fala deste lugar?

Aisha. Normalmente compro os exemplares que sobram (porque não quero que sejam jogados fora) para distribuí-los aos meus amigos e familiares. No início, meu pai, que é muçulmano, perguntava-me onde as pegava; mas, agora, gosta da revista. Disse a ele que me perguntasse se não entendesse alguma coisa. Normalmente, Traces é tão bonita que compro mais de um exemplar, porque sei que quem recebê-la certamente ficará feliz.

Quando vocês vendem Traces, o que dizem às pessoas?
Aisha. Em primeiro lugar, a leio inteira e me concentro nas coisas mais bonitas, que me deixam feliz, que me ajudam. Desejo que as outras pessoas sejam felizes como eu. E as pessoas percebem se está vendendo algo que é importante para você. O que conto às pessoas que encontro é o que leio em Traces, às vezes mostro a elas a página à qual me refiro. E as pessoas nos fazem muitas perguntas.

Hanifa. Não posso ler Traces porque não falo inglês, mas meus filhos a leem em casa. Mostram-me em que página está o artigo que me interessa e, assim, quando a vendo, posso dizer às pessoas: “Olhe, está aqui!”.

Sara. Antes de vendê-la, leia-a, para aprender o significado daquilo que está dizendo quando está fora da igreja anunciando: “Traces! Traces!”. E precisa explicar, senão, para as pessoas, se tornam apenas palavras, não entendem. Mas se conta a elas a sua experiência, dizem: “Ok, confio em você, vou comprá-la”.

Qual a experiência mais bonita que você fez vendendo Traces?
Aisha. A coisa mais bonita para mim é que, quando a vendemos, muitas pessoas se aproximam, porque somos muçulmanas, e nos perguntam por que estamos vendendo uma revista católica. E nós podemos responder: “Porque amamos fazer isso, porque recebemos um grande bem dessa revista e desejamos que você também possa recebê-lo”.

Sara. Um dia estava vendendo Traces e um senhor importante, católico, veio até mim e me fez um monte de perguntas para me colocar em dificuldades. Disse-me: “Mas o que vocês estão fazendo? Isso é algo que vem de Uganda? De onde vem? O Papa sabe disso?”. Bem, eu soube responder muito bem a todas as suas perguntas, falei sobre Comunhão e Libertação, sobre a Itália e lhe disse que os padres tinham dado o aviso sobre a venda durante a missa. E, no fim, ele disse: “Vocês, mulheres muçulmanas, me desafiaram”, e começou a procurar dinheiro nos bolsos para comprar um exemplar. Quando a vendo sinto-me como se estivesse vendendo ouro, uma coisa realmente preciosa!

Hanifa. Algumas vezes, outras pessoas que vendem revistas no mesmo lugar onde estamos nos dizem que a nossa é muito cara porque é uma coisa muzungu (de homens brancos). E também perguntam: “Como fazem para estar com esses brancos e abraçá-los como amigos? Eu também gostaria de ser abraçado assim”. E nós podemos responder: “Sim, a revista é cara porque vem de longe, mas nós também somos “caros”, temos um valor, graças à amizade que vivemos”.