Os big five na escola
Que mudanças devem ser implementadas no sistema escolar, no seu quadro político-institucional, de modo a adequar-se às necessidades do mundo em mudança? O que é que faz falta entre os bancos das escolas para crescer verdadeiramente?É o tema abordado por vários especialistas no livro da Fondazione per la Sussidiarietà acabado de sair na Itália (título, Far crescere la persona; 184 páginas; 14 euros), e do qual vou falar, em síntese, partindo de uma premissa. Não é supérfluo sublinhar o impacto que, por razão maior numa sociedade tecnologicamente avançada, a instrução tem no desenvolvimento económico e social de um país.
Este impacto é definido pelos economistas como “capital humano” e é dado como a quantidade global das capacidades inatas e adquiridas pelos trabalhadores (as chamadas cognitive skills). Como tem sido largamente verificado, quanto maiores são as cognitive skills, maior é a taxa de crescimento dos países.
Mas o que é que determina o incremento e a possibilidade de utilizar melhor as próprias capacidades? É uma das perguntas que esteve sempre no centro de muitos estudos, mas é ainda mais urgente enfrontá-la hoje, dada a “mudança de época” que vivemos.
Segundo o pensamento funcionalista que se inspira em John Dewey, filósofo e pedagogo americano da primeira metade do séc. XX, a escola devia maximizar a sua eficiência imitando a organização do trabalho das fábricas tayloristas, de modo a “produzir” trabalhadores dotados do máximo possível de conhecimento e competências.
Como documenta no nosso volume Onorato Grassi, professor de história da filosofia, esta visão “mecanicista” do desenvolvimento do capital humano, com o tempo, ficou de pés atados, roubando espaço a uma tipologia de escola mais atenta à valorização do nexo entre personalidade do estudante e crescimento da sua capacidade.
Todavia, os estudos de James Heckman, prémio Nobel da Economia em 2000, puseram em destaque os limites desta concepção, baseada num tipo de conhecimento imaginário, e mostraram que «reduzir a capacidade de um indivíduo às habilidades cognitivas mensuráveis com um teste de aprendizagem de resposta fechada, e tornar a escola nisto, tem pesadas consequências negativas na educação dos jovens».
Os traços da personalidade. Numa palavra, Heckman e os estudiosos da sua equipa de investigação, demonstraram que o capital humano não pode ser reduzido às cognitive skills, mas deve compreender também as soft skills (ou non cognitive skills), isto é as linhas que constituem a personalidade humana, entre aqueles aspectos ligados ao desejo e às dimensões socio-emocionais. A American Society of Psychology codificou-as em cinco grandes dimensões (Big Five): garra, amabilidade, consciência, estabilidade emocional, abertura à experiência.
Através de numerosos estudos econométricos realizados no campo, Heckman demonstrou que a paridade das cognitive skills, o conhecimento que se adquire seja no percurso escolar seja no âmbito laboral, cresce notavelmente com o aumento das non cognitive skills. Não somente: a presença de non cognitive skills está associada a um menor impacto de certos factores, tais como criminalidade juvenil, toxicodependência, obesidade, comportamentos violentos, depressões e infelicidade, envolvimento em actividades ilegais, menor longevidade (tudo isto está muito bem descrito num outro escrito de Heckman e T. Kautz, Formação e avaliação do capital humano). Segundo Heckman, os Big Five não são um elenco de qualidade sem nexo entre si. São acima de tudo manifestações articuladas de um aspecto complexo e fundamental do homem, ou do seu character, da sua personalidade. Heckman e os seus investigadores, sempre através de estudos empíricos, verificaram que o character é aperfeiçoável já nos primeiros anos de vida e pode continuar a aperfeiçoar-se durante todo o ciclo vital.
Dotes transversais. A alternativa que se apresenta aos sistemas escolares é, então, radical: ou são pensados sobre padronização e homologação do saber ou então – se Heckman tem razão – devem repor no centro uma ideia mais ampla de pessoa, compreensiva das dimensões da personalidade, não somente aquelas que dizem respeito às suas prestações cognoscitivas.
É interessante notar que isto vem ao encontro das novas exigências do mundo produtivo, onde a obsolescência dos meios de produção tornou-se sempre mais rápida, descendo até mesmo, em alguns sectores, para os cinco anos. Hoje os trabalhadores não devem simplesmente possuir as noções, mas competências transversais, tais como a flexibilidade, capacidade de adaptar-se à mudança, criatividade que permitem aprender continuamente: as qualidades património da personalidade, do character.
Naturalmente isto não significa que as capacidades cognitivas fruto dos percursos escolares percam valor, mas são tidas em conta como elementos indissoluvelmente ligados às character skills.
Aqui volta-se à pergunta inicial sobre a escola. Porque se tudo isto é verdadeiro, há que perguntar-se que políticas escolares podem favorecer o aperfeiçoamento quer das cognitive skills, quer do character.
Em primeiro lugar foi demonstrado que nos países desenvolvidos a qualidade da aprendizagem não cresce com base nos investimentos económicos. Acima de um certo limiar (40 mil dólares por estudante ao ano), a despesa não comporta aperfeiçoamentos na aprendizagem dos estudantes. Regista-se, em vez disso, um aumento liquido na aquisição de conhecimentos quando as escolas são autónomas na determinação do orçamento, na escolha dos professores e na formulação dos programas.
Encontra assim resposta ao que afirma neste volume o antigo Ministro da Educação Luigi Berlinger, pai da lei sobre autonomia e paridade escolar: «A escola para todos tem necessidade de experiências de comunidades educativas que registem as diferenças de velocidade na aprendizagem, que sustentem os diversos momentos de força e de debilidade da aprendizagem, que utilizem também com os pais todas as outras formas de envolvimento educativo». A consequência é que «já não é automático o pressuposto lógico de que caiba ao Estado providenciar os recursos para que haja ensino e portanto, que o próprio Estado tenha de ser o gestor. É preciso informar os italianos sobre as orientações europeias e sobre a realidade hodierna da escola paritária». E ainda: «Apesar dos obstáculos, a autonomia já conseguiu dar espaço a várias medidas que solicitam a criatividade curricular e educativa de muitas escolas, mesmo se ainda não se chegou a consolidar várias e verdadeiras comunidades educativas».
Educar uma personalidade não é uma técnica, um método padronizado e indiferenciado, ditado de cima e para fazer aplicar nas escolas. Como argumenta também Grassi, a educação e a instrução têm muito para contar «no âmbito das actividades humanas, que são imprevisíveis – ausência de necessidade entre as causas conhecidas a priori e os efeitos – e torna-as, em última análise, num acontecimento».
A primeira mudança necessária é, então, a da prassi pedagogica. De agora em diante, seja qual for a estrutura do sistema escolar ou a escola, qualquer um pode fazer esta experiência. A este respeito, o volume documenta que não estamos no ponto zero: existem no nosso país pequenas mas significativas experiências de mérito. Entre os exemplos citados no volume, encontram-se as creches e as escolas de infância do município de Reggio Emilia, as Botteghe do ensino, a Fundação Sacro Cuore, Portofranco.
Todavia é indubitável que somente escolas públicas estatais autónomas e escolas públicas livres, em regime de real paridade, podem favorecer experiências educativas que têm na base da formação um verdadeiro character. E a escola deve levá-lo em conta, para acompanhar o passo dos tempos.