Passos N.213, Maio 2019

Raízes e presente

No início era um ideal. Depois, uma espécie de milagre. Agora parece apenas um problema. A União Europeia – esse impensável quebra-cabeças de línguas e culturas que foi juntando um pedaço após outro, presenteando com expectativas e esperanças 500 milhões de pessoas – aos olhos de muitos tornou-se algo cada vez mais distante, abstrato, até mesmo hostil. Ainda mais às vésperas de um voto confuso como aquele a ser realizado de 23 a 26 de maio para escolher o próximo Parlamento Europeu, cujo resultado também poderá causar impacto nas agendas políticas e econômicas do governo brasileiro. Os motivos são diversos. Muitos reais, ligados aos limites e aos erros de uma realidade que perdeu, pelo caminho, uma boa fatia da inspiração original (a começar pela solidariedade recíproca). Mas outros dependem sobretudo de nós, da nossa miopia, pois, ao observar a Europa, ainda é possível notar o valor atribuído às pessoas, o acolhimento, os intercâmbios entre culturas, as fronteiras abertas, um mercado comum...

A aventura da União é uma daquelas onde se entende melhor o que é a chamada queda das evidências, que erroneamente dávamos por adquiridas e compartilhadas para sempre. E na qual se vê com mais clareza um fenômeno que diz respeito a todos: se nos afastamos da fonte que deu vida a certos valores de fundo – a pessoa, o trabalho, a liberdade, a própria democracia –, daquilo que os gerou e os tornou históricos, vividos, esses valores, cedo ou tarde, decaem.
Separados da origem, não resistem ao desgaste do tempo. Daí a pergunta: o que há na origem desses traços fundamentais da Europa? De onde vêm, como nascem – e como se pode retomá-los? E a fé tem algo a ver com isso, ou não? Atenção: não se trata de voltar a debater sobre as “raízes cristãs”, discussão infinita e hoje já um pouco estéreis. Rejeitá-las, por parte das instituições europeias, foi um erro histórico e um pecado de arrogância, sem dúvida. Mas é um erro também fixar-se aí. O problema não é a relação com o passado: é o agora. Quais raízes ainda estão vivas, hoje? E como, onde?

Não é uma pergunta à qual o debate pode oferecer respostas. Só se pode encontrá-las saindo a procurá-las, buscando histórias, fatos que mostrem essa vida. É a estrada que percorremos com este número, na trilha da reportagem publicada no número de abril, dedicado à política: indicar, junto com a reflexão, testemunhos. Sinais vivos de uma presença cristã que tem contribuído para criar a Europa, fazê-la nascer séculos atrás dos escombros do império devastado pelos bárbaros e para fazê-la ressurgir, em forma nova, dos horrores da última guerra mundial. E que oferece a sua contribuição hoje, para ajudar a tirá-la da crise e restituir-lhe o rosto que teve nos últimos sessenta anos: o de um espaço de liberdade para todos. Um lugar “onde cada um pode estar imune à coerção, trilhar o próprio caminho humano e compartilhá-lo com quem encontrar pela estrada”, como dizia, há algum tempo, Julián Carrón, guia de CL, num discurso incluído, depois, no seu livro A beleza desarmada. Eram palavras de 2014, véspera das últimas eleições europeias. São ainda mais urgentes agora.