Cara beleza

Da Luigi Giussani, As minhas leituras, Tenacitas, Coimbra 2010, pp. 32-37
Luigi Giussani


A uma certa altura da sua vida, num momento equilibrado e potente, (...) Leopardi estende o seu hino não a esta ou àquela mulher, não a uma entre tantas mulheres por quem se tinha apaixonado, mas à Mulher, com M maiúsculo, à Beleza, com B maiúsculo. É o hino àquela "amorosa ideia" que cada mulher despertava dentro de si: ideia amorosa que é intuída como uma presença real. Creio que basta lermos este canto para nos sentirmos conquistados. Está intitulado À sua Dama. (…)

Foi depois de reler esta passagem que, quando tinha quinze anos, de repente todo o Leopardi se me iluminou, porque esta é uma oração sublime. Disse comigo: o que é esta Beleza com B maiúsculo, a Mulher com M maiúsculo? É aquilo a que o cristianismo chama Verbo, isto é, Deus, Deus como expressão, Verbo, precisamente. A Beleza com B maiúsculo é Deus, a Justiça com J maiúsculo é Deus, a Bondade com B maiúsculo é Deus.
Então, não só esta Beleza não desdenhou revestir a "eterna sabedoria" de carne humana, não só não desdenhou provar "as angústias [...] da funérea vida", mas tornou-se Homem e foi morto pelo homem. Não o homem "ignoto amante" dela, mas ela: presente, ignota amante do homem.
O gênio, como disse, é profeta e, de facto, esta é uma profecia da Encarnação, no sentido literal da palavra.

De contemplar-te viva
nenhuma esperança me resta;
[...]
[...]. Já no começo
da minha incerta e escura jornada,
te imaginei percorrendo
este árido chão.


Esta também é a mensagem cristã: a Beleza tornou-se carne e experimentou "entre caducos despojos / as angústias [...] da funérea vida".
"Veio para o que era seu e os seus não O receberam" (cf. Jo 1, 1), diz o Evangelho de João: ignoto amante entre os seus, vem a sua casa e os seus não o reconheceram.

"Se das eternas ideias / uma tu és": é este o grito natural do homem, é o grito do homem que a natureza inspira, é o grito, a oração do homem para que Deus se torne seu companheiro e experiência, mil e oitocentos anos depois de isso ter acontecido.

Se das eternas ideias
uma tu és, a que de sensível forma
vestir não quis a sabedoria eterna,
nem entre caducos despojos
as angústias provou da funérea vida;
ou se outra terra nas celestes rotas,
entre mundos inumeráveis te acolhe,
e mais bela que o sol próxima estrela
te ilumina, e mais benigno ar respiras,
daqui, onde infaustos e breves são os anos,
de ignoto amante este hino recebe
.

Com efeito, a mensagem cristão está precisamente nesta estrofe de Leopardi.
A mensagem de Leopardi é, portanto, grandemente positiva, objectivamente, e não por uma convicção minha, forçada. É de facto entusiasmante, porque, como expressão do gênio, não pode ser senão profecia.

Cara beleza

Antologia
por Luigi Giussani

Le mie letture,

Bur, Milano 2002, pp. 26-31




Num certo ponto da sua vida, num momento equilibrado e poderosos, (...) Leopardi ergue o seu hino não a esta ou àquela mulher, não a uma das tantas mulheres pelas quais havia se apaixonado, mas à Mulher, com M maiúsculo, à Beleza, com B maiúsculo. É o hino àquela amorosa ideia que toda mulher lhe suscitava: a ideia amorosa intuída como uma presença real. Creio que seja suficiente ler este canto para se sentir conquistado por ele. É intitulado À sua Dama. (…)
Foi relendo este trecho que, aos quinze anos de idade, de repente, Leopardi se revelou inteiro para mim, porque este é uma oração sublime. Eu disse para mim mesmo: o que é esta Beleza com B maiúsculo, a Mulher com M maiúsculo? É aquilo que o cristianismo chama Verbo, ou seja, Deus como expressão, simplesmente Verbo. A Beleza com B maiúsculo, a Justiça com J maiúsculo, a Bondade com B maiúsculo, é Deus.
Então, não apenas esta Beleza não desdenhou revestir o "ânimo eterno" de carne humana, não só não desdenhou "provar as ânsias da funérea vida", mas se tornou Homem e morreu pelo homem. Não o homem "amante ignoto" dela, mas ela presente, amante ignota do homem.
O gênio, como eu disse, é profeta, e com efeito esta é uma profecia da Encarnação, no sentido literal da palavra.

De contemplar-te viva
Já não tenho esperança;
[...] Logo no princípio
De minha caminhada escura e avesa,
Julguei-te peregrina em meio ao pó.


Esta também é a mensagem cristã: a Beleza se tornou carne e experimentou "entre náuseos detritos / [...] as ânsias da funérea vida".
"Veio entre os Seus e os Seus não O acolheram" (cf. Jo 1, 1), diz o Evangelho de João: amante ignoto entre os Seus, vêm à Sua casa e os Seus não O reconheceram.
"Se das ideias puras / Uma és tu": este é o grito natural do homem, é o grito do homem inspirado pela natureza, é o grito, a oração do homem para que Deus Se torne seu companheiro e experiência, mil e oitocentos anos depois de ter acontecido.

Se das ideias puras
Uma és tu, que de forma tão sensível
Não quis do ânimo eterno estar vestida,
E entre náuseos detritos
Provar as ânsias da funérea vida,
Ou se outra terra em cíclicas espiras
Te acolhe entre universos infinitos,
E, mais bela que o sol, vizinha estrela
Te ilumina, e um benigno éter respiras,
Recebe, de onde o tempo é infausto e breve,
Deste amante ignoto o hino que ele escreve
.

Com efeito, a mensagem cristão se encontra exatamente nesta estrofe de Leopardi.
A mensagem de Leopardi é, portanto, poderosamente positiva, objetivamente e não porque eu, crente que sou, forço para que o seja. É, de fato, exaltante, porque, sendo expressão do gênio, só pode ser profecia.