Unidade, liberdade e caridade

Editorial
Luigi Giussani

Propomos como editorial a carta que monsenhor Giussani enviou aos sacerdotes da Fraternidade Sacerdotal dos Missionários de São Carlos Borromeu, por ocasião do seu reconhecimento pontifício

Caros amigos, é grande a nossa certeza, e portanto alegria, neste dia em que Sua Santidade reconhece uma vez mais a autenticidade eclesial do carisma de Comunhão e Libertação , metodologicamente fundamento e finalidade da sua Fraternidade Sacerdotal.
A nossa época é a mais semelhante aos primeiros tempos da Igreja, quando a dilatação da fé pelo mundo marcava o seu contexto por meio de três fatores: unidade, liberdade e caridade, ou seja, uma humanidade diferente e uma sociedade diferente.
Vivem-se ainda hoje no Ocidente alguns frutos temporais - isto é, que podem ser constatados na história - desta caridade, mas poucos sabem de onde ela flui, pois isto não lhes é proposto. Ela flui de fato do Acontecimento maior do mundo: Deus se fez homem e, no reino do homem , que se baseia sempre na posse e portanto na violência, fez entrar o rio do amor, ou seja, da possibilidade da unidade ou do Reino de Deus.

No nosso carisma, uma unidade humana é percebida e vivida no seu conteúdo ontológico, do qual tudo deriva, que é dado pelo Batismo , sacramento no qual Cristo se dá a cada um assumindo cada eleito como parte do Seu Corpo visível na história.
O proveito humano que deriva dessa unidade tem como fonte aquilo pelo qual Cristo morre, quer dizer, o relacionamento vivo do eu criatura com o Deus criador, ou seja, a nossa liberdade . Neste sentido, a nossa unidade pode ter formas diferentes, pois nasce do mesmo carisma, que é dom do Espírito de Cristo.
Esta unidade vem da consciência de uma realidade nova, toda ela voltada a uma moral que nasce em primeiro lugar como experiência de gratuidade; a gratuidade é o ponto máximo da humanidade na história, pelo qual o homem imita a Deus, que é caridade.

Uma vez que todo o valor do homem existe por graça, o processo de realização do humano só pode acontecer pela presença de Cristo.
Amigos, éramos estranhos uns aos outros e na caridade de Cristo nos unimos, da mesma forma como hoje permanecemos na unidade na qual Cristo nos envolveu juntos.
A concretização do carisma que nos foi dado na liberdade, na Igreja que se torna como que uma “sala de aula para os filhos de Deus”, incidindo na modalidade de concepção das relações com todo o mundo e com toda a história, não pode deixar de criar obras e, portanto, mudanças consistentes no itinerário do homem ; em particular, a passagem de uma época de barbárie - depois do pecado original, o homem não pode viver os relacionamentos a não ser como pretensão de violência - para uma época de civilidade, onde a pessoa é o centro do cosmo e de todas as relações com este, que o Mistério torna existenciais.

A única civilização que, na memória da nossa história, quase chegou a penetrar todo o mundo, ainda hoje documentável nos pontos em que ela começou este processo, é a cristã.
O apego ao que é mundano - ou seja, o poder -, que se opõe ao que é são, e que sempre se desenvolve arruinando tudo, condenando a todos e deixando a cada um sem possibilidades de defesa, representa o inimigo deste Acontecimento divino . Por isto, o cristão educado no nosso carisma sente seriamente toda a angústia e a provisoriedade até da melhor resposta a este apego e ao olhar desta multidão humana, e assim oferece a sua própria existência como serviço a todos os homens e torna-se fonte de uma trama de relacionamentos na qual a fraternidade de Cristo é toda a lei.

Amigos queridos, digo-lhes tudo isto porque a paixão inteligente que a vida em Cristo faz nascer pede a disponibilização de todas as forças que Deus despertou em Cristo para combater a trágica vitória, historicamente falando, do Mal sobre o Bem e para viver o sacrifício, até mortal, que pode acompanhar a vitória da Igreja sobre o Mal.
Que eu os tenha a todos como presenças colaboradoras na minha fraqueza e na minha boa vontade, e Deus possa manter a nossa vida na estupefata evidência de que o que o carisma começou em mim seja potencializado em vocês pela misericórdia , que é o nome mais apropriado à natureza do Mistério e que, portanto forma o coração da missão na qual a vida esgota o seu sentido.
É por esta misericórdia que eu sinto como sinal da nossa eleição sacerdotal missionária a amadíssima figura de monsenhor Massimo Camisasca, com o qual é grande esta unidade que mendigo do Espírito para a glória de Cristo no tempo, como grande é a segurança diante de tudo o que a vontade do Mistério fizer no futuro.

monsenhor Luigi Giussani
Milão, 19 de março de 1999

(Litterae n. 68, março/abril 1998)