Da utopia à Presença

Palavra entre nós
Luigi Giussani

Notas de um diálogo de Luigi Giussani com um grupo de universitários. Riccione, outubro de 1976

Em um momento de forte pressão cultural, social e política em relação à natureza do cristianismo, propomos novamente este texto pela atualidade e clareza de juízo sobre as razões de uma presença cristã, que não se qualifica pela reação, mas por uma originalidade de proposta

O problema que devemos enfrentar este ano pode ser formulado da seguinte maneira: é preciso que consigamos compreender a oposição existente entre duas palavras - “presença” e “utopia” - e a escolha que fizemos da primeira. O destino da nossa comunidade, como eficácia dentro da universidade e da sociedade, depende do privilégio da presença contra a tentação da utopia.

I - Presença é realizar a comunhão.
Antes de mais nada, a nossa presença na universidade não pode ser uma presença reativa. Reativa significa determinada pelos passos daquilo que não somos nós: impor-se com iniciativas, utilizar discursos, produzir instrumentos não gerados como modalidade total da nossa personalidade nova, mas sugeridos pelo uso de palavras, pela produção de instrumentos, pela modalidade de atitude e de comportamento dos adversários, ou daqueles que procuram criar um mundo humano não segundo Cristo e por isso objetivamente segundo uma mentira, prescindindo das suas intenções.

Uma presença reativa não pode deixar de cair em dois erros: ou se torna uma presença reacionária, isto é, apegada às suas próprias posições como “formas”, sem que os conteúdos – as motivações, as raízes – sejam claros a ponto de se tornarem vida (o reacionário é sempre mais ou menos formalista); ou então, se não é reacionária, uma presença reativa cai no excesso oposto, ou seja, tende a se tornar mimetismo, imitação dos outros; e isto constitui a primeira e fundamental concessão diante deles (é como jogar no campo deles, aceitando a luta segundo as modalidades deles).
É necessária, portanto, uma presença original, uma presença segundo a nossa originalidade. O direito de existir e de agir em toda parte e de todas as formas não vem do seguir as modalidades, os métodos dos outros, mas daquilo que somos.
Uma presença é original quando nasce da consciência da própria identidade e da afeição a ela, e nisso encontra a sua consistência.

II - Identidade é saber quem somos e por que existimos, com uma dignidade que nos dá o direito de esperar que a nossa presença proporcione “algo melhor” para a nossa vida e para a vida do mundo. Mas quem somos nós para termos direito a essa esperança, sem a qual a nossa vida cai em um burguesismo vesgo – cujo critério supremo é assegurar-se contra o risco – ou na palidez de uma insatisfação que logo se transforma em lamento ou em acusação contra os outros?

“Todos vós, com efeito, sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus, porque quando fostes batizados, vos revestistes de Cristo. Não há mais nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, porque todos sois um em Cristo Jesus” (Gl 3, 26-28). Nunca citei um outro trecho mais do que este (salvo um: “Quem me segue terá a vida eterna e o cêntuplo nesta vida”; Mt 19, 29).
“Vós, que fostes conquistados, vos tornastes um só com Cristo”: “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi” (Jo 15, 16). É uma escolha objetiva da qual não podemos mais nos livrar, é uma penetração do nosso ser que não depende de nós e que não podemos mais cancelar. “Todos vós que fostes batizados vos revestistes de Cristo”: por isso, não existe mais nenhuma diferença entre vocês, “nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher. Todos vós sois um em Cristo Jesus”: esta é a nossa identidade. A Carta aos Efésios diz literalmente: “Somos membros uns dos outros” (Ef 4, 25).
Não existe nada culturalmente mais revolucionário do que esta concepção da pessoa, cujo significado, cuja consistência é uma unidade com Cristo, com um Outro, e, através dela, uma unidade com todos aqueles que Ele conquista, com todos aqueles que o Pai lhe dá.
A nossa identidade é o ser um só com Cristo. A identificação com Cristo é a dimensão constitutiva da nossa pessoa. Se Cristo define a minha personalidade, vocês, que foram agarrados por Ele, entraram necessariamente na dimensão da minha personalidade. Essa é a “criatura nova” de que fala o belíssimo final da Carta aos Gálatas (Gl 6, 15), o início da “nova criação” de que fala São Tiago (Tg 1,18).
“Essa é a vitória que vence o mundo: a nossa fé”, diz São João (1 Jo 5, 4): a fé vence o mundo, ou seja, demonstra a sua verdade acima de todas as ideologias e concepções, acima de todos os modos de conceber o humano, porque é a verdade estrutural pela qual o mundo foi feito. É a verdade que se manifestará e se instaurará completamente no fim, mas é o fator que move a história agora e catalisa o bem no mundo, permitindo que o mundo seja mais humano.
Quer eu me encontre sozinho no meu quarto, quer nos encontremos em três estudando na universidade, em vinte no restaurante, etc., em todos os lugares e em todas as circunstâncias, esta é a nossa identidade. O problema é, portanto, a autoconsciência, o conteúdo da consciência de nós mesmos: “Não sou eu que vivo, mas Tu que vives em mim” (cf. Gl 2, 20). Este é o verdadeiro homem novo no mundo – o homem novo que foi o sonho de Che Guevara e o pretexto mentiroso de revoluções culturais com as quais o poder tentou e tenta dominar o povo, para subjugá-lo segundo a sua ideologia –; e nasce, antes de mais nada, não como coerência, mas como autoconsciência nova.

III - A nossa identidade se manifesta em uma experiência nova dentro de nós e entre nós: a experiência da afeição a Cristo e ao Mistério da Igreja, que na nossa unidade encontra a sua concretude mais próxima. A identidade é a experiência viva da afeição a Cristo e à nossa unidade.

A palavra “afeição” é a maior e a mais capaz de definir toda a nossa expressividade. Ela indica muito mais um “apego” que nasce do juízo de valor – do reconhecimento daquilo que existe em nós e entre nós – que uma facilidade sentimental, efêmera, frágil como uma folha ao vento. E na fidelidade ao juízo, isto é, na fidelidade à fé, com a idade, esse apego cresce, torna-se mais sólido, vibrante e potente. “Tudo o que poderia ser para mim um lucro eu o considerei uma perda diante do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual deixei todas essas coisas e as considero como esterco para ganhar a Cristo e ser achado n’Ele, não com uma justiça minha, que vem da lei, mas com a justiça que vem da fé em Cristo, ou seja, com a justiça que vem de Deus, baseada na fé” (Fl 3, 7-9).
Essa experiência viva de Cristo e da nossa unidade é o lugar da esperança, e por isso da nascente do gosto da vida e do florescer possível da alegria – que não é obrigada a esquecer ou a renegar nada para afirmar-se; e é o lugar da recuperação de uma sede de mudança da própria vida, do desejo de que a própria vida seja coerente, que mude em virtude daquilo que ela é no fundo, que seja mais digna da Realidade que carrega.
Dentro da experiência de Cristo e da nossa unidade vive a paixão pela mudança da própria vida. E é o contrário do moralismo: não uma lei à qual ser adequados, mas um amor ao qual aderir, uma presença a ser seguida cada vez mais com toda a própria pessoa, um fato dentro do qual realmente naufragar. “Quem tem essa esperança nEle purifica a si mesmo como Ele é puro” (1 Jo 3, 3). A Carta aos Filipenses é ainda mais apaixonada: “Não que eu já tenha conquistado o prêmio ou já tenha atingido a perfeição, mas me esforço em correr para conquistá-lo, porque eu também já fui conquistado por Jesus Cristo” (Fl 3, 12). O desejo de mudança de si, tranqüilo, equilibrado, e ao mesmo tempo apaixonado, torna-se então uma realidade quotidiana – sem sombras de pietismo ou de moralismo –, um amor à verdade do próprio ser, um desejo bonito e incômodo como uma sede.
Estas observações quase furtivas entram para tocar o coração daqueles, entre vocês, que já começaram a andar por esse caminho. No fundo é aquilo que, no prólogo da peça O Anúncio feito a Maria, de Paul Claudel, Pedro de Craon, o gênio do povo, o construtor de catedrais, aquele que trazia em si e exprimia o significado e o destino do povo, dizia a Violaine, aquela que ele amava com toda a força da sua potente personalidade, aquela que era a beleza do povo: “Vivo à beira da morte e experimento uma alegria inexplicável”. É o que muitos de nós já começaram a sentir, que já é parte de uma experiência nova: “Vivo à beira da morte”, à beira da mentira (que é pior que a morte física), à beira do mal e da dor, do desumano, mas “há em mim uma alegria inexprimível”.

IV - Mas nós não construímos essa presença – que brota da consciência da nossa identidade e da afeição a ela –, estamos ainda confusos.

Estamos juntos por um início de verdade que nos tocou quando encontramos a comunidade. O que nos une, mesmo que seja tenaz, ainda é pequeno e embrionário, construído pela impressão provocada em nós pelo acento de verdade do encontro que fizemos. Tudo ainda permanece no início, e deve amadurecer; senão, o Senhor pode permitir que a tempestade do mundo o arraste.

Chegou o momento em que não podemos mais resistir, se aquele acento inicial não se torna maduro: não podemos mais carregar como cristãos a enorme montanha de trabalho, de responsabilidade e de cansaço à qual fomos chamados. Não se pode agregar as pessoas com iniciativas; o que reúne as pessoas é o acento verdadeiro de uma presença, que é dado pela Realidade que está entre nós e que nos reveste: Cristo e o Seu Mistério tornado visível na nossa unidade.
Prosseguindo, portanto, no aprofundamento da idéia de presença, é necessário redefinir a nossa comunidade. A comuni¬dade não é um grupo de pessoas que se unem para organizar iniciativas, não é a tentativa de construir uma organização de partido: a comunidade é o lugar da efetiva construção da nossa pessoa, isto é, da maturidade da fé.
O escopo da comunidade é gerar adultos na fé. É de adultos na fé que o mundo tem necessidade, não de bons profissionais ou de trabalhadores competentes, porque o mundo está cheio de gente assim, mas todos são profundamente contestáveis na sua capacidade de criar humanidade.

V - O método pelo qual a comunidade se torna lugar de construção de maturidade da fé para a pessoa é indicado pela primeira palavra que usamos na história do nosso movimento (que esquecemos, mesmo quando a repetimos, porque não a repetimos seriamente): “seguir”.

Deus, criador e redentor, na originalidade natural e no mistério da vida nova que Cristo trouxe, não conhece outro método para fazer o homem crescer senão o método do seguimento. “Enquanto caminhava ao longo do mar da Galiléia, viu dois irmãos, Simão chamado Pedro e André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. Ele lhes disse: 'Segui-me, e vos farei pescadores de homens'” (Mt 5, 18-19); “Jesus, vendo que o seguiam, disse: 'O que procurais?'. Responderam-lhe: 'Mestre, onde moras?'. Ele lhes disse: 'Vinde e vede'” (Jo 1, 38-39).
Seguir significa identificar-se com pessoas que vivem a fé com mais maturidade, envolver-se em uma experiência viva, que “passa” (tradit – tradição) o seu dinamismo e o seu gosto para nós. Este dinamismo e este gosto passam para nós não através dos nossos raciocínios, não no fim de uma lógica, mas quase como por osmose: é um coração novo que se comunica ao nosso, é o coração de um outro que começa a mover-se dentro da nossa vida.

VI - Daqui surge a ideia fundamental da nossa pedagogia da autoridade: são realmente autoridade para nós aquelas pessoas que nos envolvem com o seu coração, com o seu dinamismo e com o seu gosto, nascidos da fé. Mas autoridade real é ainda a definição da amizade.

A amizade verdadeira é a companhia profunda ao nosso destino, ao destino do nosso rosto. E não é uma questão de temperamento – uma pessoa pode ser mais efusiva e outra mais discreta e cautelosa: a amizade verdadeira se vê no coração da palavra e no gesto da presença.

VII - O nosso burguesismo se vê a olho nu. O burguesismo é, de fato, a não-radicalidade com a qual percebemos a relação com Cristo. Se a percebêssemos com radicalidade, a nossa relação com Cristo julgaria tudo: o que somos, o que fazemos, a vida da comunidade, a notícia do jornal, o ambiente universitário. E os julgaria como o arado que fere a terra para que a semente a penetre e dê fruto: o juízo de Deus é a renovação gerada pelo Espírito – e, de fato, o juízo final de Deus sobre o mundo é o Paraíso.

É preciso que comecemos a levar a sério a fé como “reagente” sobre a vida concreta, de modo tal que sejamos levados a ver a identidade entre a fé e o humano que se torna mais verdadeiro – na fé o humano se torna mais verdadeiro, o homem atinge a verdadeira proporção diante do seu destino. Assim, por exemplo, o relacionamento homem-mulher vivido na radicalidade da relação com Cristo, isto é, segundo a fé, se torna verdadeiro, vem à tona com a sua exigência de verdade e de unidade, de fidelidade e de permanência no tempo: por isso somos contra o divórcio, porque ele é uma mentira sobre a possibilidade e sobre a capacidade de amor. Assim, a atitude diante da vida segundo a radicalidade da fé se torna respeitosa da pessoa e da dignidade do seu destino: por isso nós somos contra o aborto, porque se já existe uma vida humana, ainda que escondida no ventre da mãe, ela é plenamente digna de respeito.

Tudo isso deve se tornar verdadeiro em nós, e é para isso que o tempo nos é dado. A busca da verdade é a aventura pela qual o tempo se torna história – como já mostrava São Paulo aos sábios do Areópago de Atenas, quando indicava como único sentido pelo qual todos os povos se movem (e aqueles que eram então movimentos migratórios hoje são movimentos ideológicos) a busca de Deus “às apalpadelas” (At 17, 26-28).

Se meditamos sobre esses pontos, compreendemos também – concretamente – a nossa escolha metodológica: devemos ser presença, isto é, devemos construir esse pedaço de humanidade nova em caminho no lugar em que estamos. Por isso existimos, e por nada mais; porque para sermos engenheiros, médicos, pais ou mães de família não teria se dado o acontecimento misterioso que nos envolveu.

VIII - A nossa tentação é a utopia.

Entendo por utopia uma coisa – considerada boa e justa – a ser realizada no futuro, cuja imagem e esquema de valores são criados por nós. Quero, a respeito disso, referir-me à história do nosso movimento.
Nós vivemos estes últimos dez anos em meio a uma grande provocação de caráter social e político; isso nos fez escorregar lentamente até colocarmos a nossa esperança e a nossa dignidade em um “projeto” criado por nós, sem que isso exprimisse um correspondente aprofundamento de vida.
O início do nosso movimento é extremamente significativo (para entender uma história, é preciso sempre olhar para sua origem). Em 1954, nós entramos de chofre na escola pública, que não era ainda marxista – embora os marxistas já estivessem determinando o clima em muitos lugares –, mas substancialmente liberal e portanto laica e anti-cristã, como a escola marxista, que é a sua conseqüência direta.
Nós não entramos na escola buscando formular um projeto alternativo para a escola. Entramos ali com a consciência de levar também à escola Aquilo que salva o homem, que torna humano o viver e autêntica a busca da verdade, ou seja, Cristo na nossa unidade. E aconteceu que em virtude dessa paixão fizemos também uma interpretação nova (que então chamávamos “revisão”) dos conteúdos de história, de filosofia, de literatura, que representou para os jovens a verdadeira alternativa à interpretação liberal-marxista que dominava as aulas: realizamos um projeto alternativo sem estabelecer isso como objetivo. O nosso objetivo era a presença.

A história do Movimento começou a se anuviar em 1963 e 1964, até as trevas de 1968, que fez com que explodissem as conseqüências daqueles cinco ou seis anos em que a influência de certas pessoas inverteu a situação original e fez com que o objetivo do nosso agir não fosse uma presença na escola, mas um projeto de atividade social. Assim, a densidade, a própria identidade da nossa presença se perdeu.
Em 1968, sobrou só um certo grupo, endurecido, sem saber o que dizer; mas a influência determinante sobre todo o movimen¬to "Gioventù Studentesca" foi no sentido destrutivo. Diante das propostas sociais, culturais e políticas às quais o nível a que chegáramos não sabia responder, e que, por outro lado, eram vistas com grande admiração – a única coisa que já se estimava era o projeto cultural e político –, a maioria escorregou e traiu.

O que eles traíram? A presença. O projeto tinha substituído a presença e a utopia tinha tomado o seu lugar. O que aconteceu desde 1963-64 até a explosão de 1968 foi um processo de adaptação e de adequação ao ambiente: realizou-se uma presença reativa, portanto não mais uma presença verdadeira e original.
Em 69, alguns intuíram e retomaram – por fidelidade ao coração – a ideia inicial: “Nós devemos ser presença, porque a comunhão com Cristo e entre nós é a libertação; por isso, devemos fazer com que a nossa comunhão se torne novamente presença”. Todavia, a pressão política, cultural e social era tão grande, a provocação tão violenta, que, logo depois dessa intuição justa, em maior ou menor medida se escorregou em um privilégio dado a um projeto alternativo; desta vez, com uma consciência de apego profundo ao Mistério da nossa comunhão, que, todavia, metodologicamente, era como que obscurecido e mascarado pelo fascínio e pela urgência de um projeto alternativo, como se quiséssemos demonstrar que podíamos ter uma utopia melhor.

O grande congresso de 1973 foi a explicitação mais forte, equilibrada e poderosa dessa linha, mas demonstrou que tal linha de trabalho social, cultural e político alternativo era para poucos, para uma vanguarda, para uma elite (tanto é verdade, que as belíssimas Atas do congresso de 1973 não foram utilizadas, mas só grosseira e ingenuamente copiadas, e se tornaram pretexto para tentativas autônomas de certos grupos).
Entretanto, a trajetória histórica já havia demonstrado a vaidade e o vazio das utopias de 68: o que elas despertaram não se tornou outra coisa senão instrumento para uma nova hegemonia, ainda mais despótica e niveladora. Por isso, há dois ou três anos já dizíamos ter sido os únicos a levar avante as palavras de 68. E mesmo assim ainda jogamos no campo dos outros: se os outros fazem um panfleto, nós também fazemos um panfleto, e assim por diante; não que operativamente não deva ser assim muitas vezes, mas é a modalidade com a qual nascem as coisas que deve se tornar clara.

IX - A novidade é a presença como consciência de carregar “em nós” algo definitivo – um juízo definitivo sobre o mundo, a verdade do mundo e do humano – que se exprime na nossa unidade. A novidade é a presença como consciência de que a nossa unidade é o instrumento para o renascimento e a libertação do mundo.

A novidade é a presença desse acontecimento de afeição nova e de humanidade nova, é a presença deste início do mundo novo que nós somos. A novidade não é a vanguarda, mas o Resto de Israel, a unidade daqueles para quem aquilo que aconteceu é tudo e que esperam só a manifestação da promessa, a realização daquilo que está dentro do que aconteceu.

A novidade não é, portanto, um futuro a ser perseguido, não é um projeto cultural, social ou político: a novidade é a presença. E ser presença não quer dizer não exprimir-se: a presença é também uma expressividade.
A utopia tem como modalidade de expressão o discurso, o projeto e a busca ansiosa de instrumentos e formas de organização. A presença tem como modalidade de expressão uma amizade operante, gestos de uma subjetividade diferente que se coloca dentro de tudo, usando tudo (as cadeiras da sala de aula, o estudo, a tentativa de reforma da universidade, etc.), e que são, antes de tudo, gestos de humanidade real, isto é, de caridade. Não se constrói uma realidade nova com discursos ou projetos de organização, mas vivendo gestos de humanidade nova no presente (certamente, deve se tornar gesto de caridade também, por exemplo, a tentativa de colocar na Congregação ou nos Conselhos Universitários pessoas que ajudem a todos humanamente, e não aventureiros da política ou pessoas incapazes, etc.).

Em suma, cedendo à tentação da utopia fazemos concorrência com os outros, no mesmo nível deles e em última instância com os mesmos métodos; no ser presença, ao contrário, se desenvolve uma capacidade crítica, ou seja, a capacidade de reconduzir tudo à experiência de comunhão que vivemos, ao sentido do Mistério que irrompeu na nossa vida, ao sentido da Realidade libertadora que encontramos.

X - Mas, com essa insistência sobre a presença, em que sentido vamos agir diante das necessidades e das urgências de todos, sejam elas de natureza privada ou pública?
A presença inicial do Movimento, em 1954, era um interesse pelos nossos colegas de escola, e a partir daquele gesto de amizade criamos uma grande estrutura caritativa: todos os domingos, mil pessoas iam à periferia de Milão, com sacrifícios relevantes, não por um projeto político, mas para partilhar uma necessidade (as famílias daquela região viviam em condições desumanas). Lutar por algo que ainda não existe é a maior ilusão e, portanto, a fonte mais terrível de desilusões na vida. Porque o homem não é criador: o homem colabora com a manifestação daquilo que Deus já fez, como a semente que se transforma em planta, flor e fruto.

O problema, então, é plantar a semente, ou seja, a presença. Só aquilo que já existe pode se manifestar; o desígnio, o projeto está dentro da semente, dentro daquilo que já existe, dentro do mistério que somos e que virá à tona, por coerência, a seu tempo.
Assim, hoje somos social, cultural e politicamente mais espertos do que antes, a ponto de ser considerados uma das forças políticas na Itália. Mas a nossa força não é um projeto, e sim a consciência do Mistério que somos. E se os outros não conseguem entender como somos assim, mesmo não sendo bem aparelhados e poderosos como eles, é porque não entendem aquilo que também nós custamos agora a compreender: o conteúdo e a força de uma presença. Nós somos mais poderosos cultural e politicamente do que no tempo em que íamos à periferia de Milão, em 56 ou 58, porque o projeto está contido na semente que é Cristo em nós, na semente que é a nossa unidade misteriosa e real, e o tempo traz à tona o desígnio. Foi o que aconteceu com o cristianismo primitivo, que andou pelo mundo não para mudar a filosofia, mas para tornar presente aquilo que era, para tornar presente Cristo, partilhando tudo e todos, inclusive a filosofia; e assim, com os séculos, nasceram, nos mosteiros, nas escolas e nas universidades, uma nova filosofia e uma nova cultura.

Portanto, a presença é cheia de expressividade, penetra e é imanente à situação; essa situação já é nossa, porque é de Cristo, já é possuída por ele, mesmo que se agite e blasfeme na superfície, e essa posse profunda se manifestará através da nossa história. Os cristãos foram aprisionados, martirizados, mantidos nas sombras durante três séculos! Os tempos da história não são definidos por nós. Cabe a nós viver a presença: um crédito total ao Infinito que entrou na nossa vida e que se revela de forma imediata como humanidade nova, como amizade, como comunhão. “Não temais, pequeno rebanho, eu venci o mundo” (cf. Lc 12, 32). “Essa é a vitória que vence o mundo, a nossa fé”.
A nossa fé precisará de sete, oito, nove séculos para que todo o mundo universitário seja novamente investido pela presença cristã? São cálculos que não podemos decifrar. A universidade nos interessa para a edificação do nosso sujeito, não para dizer “vencemos”. Esse sujeito é ao mesmo tempo eu mesmo e a unidade com vocês, ou seja, a pessoa e a unidade em Cristo; o sujeito é, como diz o capítulo 37 do livro de Ezequiel, o vale dos ossos e o Espírito criador que os envolve, de tal forma que os ossos se movem e se articulam entre si, e daquelas articulações nasce o corpo, e o corpo é investido pela alma: cada um é recriado e é recriado um povo ao mesmo tempo, com o mesmo e idêntico gesto.
Temos que abandonar a interpretação ideológica da vida universitária que produz um trabalho desgastante, pesado e amargo, por causa do qual muitos vão embora; ao contrário, ninguém deixa uma humanidade nova, exceto no caso de uma rebelião diabólica e feroz.

XI - Tudo o que eu disse é uma insistência metodológica, não a abolição de uma responsabilidade. Indiquei o que deve acontecer para que nós trabalhemos mais, incidamos mais na realidade, e com uma letícia cada vez maior, não com um desgaste e com uma amargura que nos dividem uns dos outros. A tarefa que nos espera é a expressão de uma presença consciente, capaz de criticidade e de sistematicidade. Essa tarefa implica um trabalho.

O trabalho é o colocar-se da nossa identidade dentro da materialidade do viver. A minha identidade, enquanto penetra a materialidade do viver, ou seja, enquanto está dentro da condição existencial, trabalha e me faz reagir. Se estou guiando um carro e estou com pressa e no meio da rua há uma pedra, que não permite que eu passe, eis que a minha “identidade de motorista” se torna trabalho: estaciono, pego a pedra e a removo.

Se esta é a primeira coisa a dizer, ou seja, que o método é colocar a nossa identidade e afirmar aquilo que carregamos conosco, a segunda coisa a dizer é que todo o resto vem depois.

O escopo pelo qual ir à universidade é o de colocar dentro da universidade a nossa comunhão. O resto virá depois. “Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 7, 33). Então somos cheios de ironia e de bom humor, porque todas as tentativas de expressão da nossa comunhão que nascem como conseqüência são frágeis, reformáveis, mutáveis. Se o escopo de qualquer ação é a presença do que somos, tornamo-nos livres da inevitável pretensão das formas que a nossa ação assume. A presença “age” por tentativas irônicas, não cínicas; a ironia é o contrário do cinismo, porque faz com que participemos da coisa, mas com um certo desprendimento – reconhecendo a sua fragilidade – e com paz, porque é cheia de paixão pelo Ideal imanente. Assim, podemos ser ágeis para mudar amanhã aquilo que fizemos hoje, livres daquilo que fazemos e das formas que necessariamente damos às nossas tentativas.

O trabalho na condição universitária deveria ser globalmente a redefinição da tarefa que a universidade tem e pela qual vive. Esse trabalho depende do modo com o qual a nossa presença pode “atacar”, no sentido químico da palavra, a universidade naquilo e por aquilo que a universidade é: o estudo, a didática, os relacionamentos, a administração, a atividade política, etc. Será preciso uma longa história – como aconteceu com o cristianismo, que esperou séculos e séculos para formar as universidades – para que amadureça essa redefinição. Mas o nosso programa é a presença daquilo que somos, porque o nosso programa é para o presente. Será uma longa história, que, tirando as conclusões e as articulações da nossa fidelidade, dará a capacidade, a certo ponto, de reformular uma imagem: acontecerá a seu tempo, sem uma pretensão árida e desgastante, nervosa ou impaciente.

O nosso programa é a presença daquilo que somos: um pedaço de humanidade permeada por Cristo, um povo novo que caminha, atravessado pela energia que ressuscitou Cristo. É essa energia – que se chama Espírito – que está vibrando na história e que a leva, a partir de dentro, rumo ao seu destino, que é a manifestação total de Cristo (e só nós somos predestinados a ver os seus sinais).

Mas o que é a universidade, senão a expressão crítica e sistemática de uma experiência de povo, ou melhor, de uma experiência social? A nossa presença colabora para reformular a universidade justamente afirmando e aprofundando, na paciência do tempo, a sua realidade de povo novo. Nesse trabalho, toda presença e a presença de cada um é um fator de cultura, ou seja, um fator de mobilização na história e no tempo para a reformulação das coisas: mesmo uma presença balbuciante e frágil como capacidade de ação, inexpressa ou incapaz de se exprimir teoricamente e como discurso, mesmo a presença do mais psicologicamente pobre entre nós, é útil.
A universidade de hoje é a expressão crítica e sistemática de uma experiência de sociedade atéia, profundamente contrária a Cristo e ao senso religioso que é a alma de todo homem. Por isso, se o nosso programa é tornar presença o povo novo que somos, a nossa unidade e a nossa fé, nós não poderemos vencer, seremos marginalizados em todos os sentidos. Mas isso não tira a possibilidade daquela coragem alegre e irredutível que é a fé: “Essa é a vitória que vence o mundo: a fé”. Nós temos consciência disso porque esta vitória já está dentro de nós: o sinal dela é essa unidade que o mundo não consegue eliminar, que o nosso mundo tão esperto não consegue frear.

Indo adiante, desenvolveremos as implicações desta direção dada ao trabalho. Mas o ponto de partida não é um discurso, um projeto ou um esquema organizativo, e sim uma realidade nova e presente, na qual vive o desejo iluminado e o coração do humano (não importa se somos cinco ou quinhentos).

Tudo está nesta Realidade que carregamos em nós; ai de nós se não nos ajudarmos com toda a alma a trairmos o menos possível de agora em diante.