«Eu, o Papa e estes milhões de jovens»

A entrevista publicada na revista «Panorama», pp. 44-49
Alessandro Sallusti

O exército que invadiu Roma para o Jubileu irrompe nas férias dos italianos. Realmente voltou tão fortemente a necessidade de Deus? "Panorama" pediu respostas ao sacerdote que criou um percurso de fé justamente par os jovens: o fundador de Comunhão e Libertação. Que, quebrando um longo silêncio, fala deles, da Igreja, de Wojtyla. Mas, também de política, da questão de Mani pulite. E do futuro.

«Sim, estou comovido». Apesar de ter encontrados e acompanhado milhares de jovens, apesar de ter uma relação de preferência com o Papa e que até o Pai eterno, parece, que conheça bem, ainda consegue se maravilhar. É Dom Luigi Giussani, 78 anos, fundador e líder da Comunhão e liberação, teólogo e intelectual entre os mais importantes do final do século. Ele está acompanhando o Jubileu dos jovens pela TV, de sua casa num vilarejo na entrada de Milão. De onde acabou de visualizar a programação do Meeting de Cl, o outro grande compromisso para o verão da Itália católica, que está para iniciar-se em Rímini. O Jubileu, então. Será por causa daqueles cerca de 2 milhões de jovens que frequentam pouco a Igreja e tanta normalidade, que o Papa no meio deles pareça menos velho e cansado do quanto o seja na realidade. Também será a única razão, mas o fato é que essas perguntas sobre a vida e a fé, a necessidade de acreditar e sobre o Mistério, de Roma saltam sem aborrecimentos até as praias. E aparecem menos chatas e distantes do que o habitual.
Assim, enquanto João Paulo II leva com força Deus no centro das atenções de verão 2000, don Gius, como sempre foi chamado por seus amigos, quebra o silêncio que o acompanhou no últimos anos. E aceita responder às perguntas de Panorama.

O senhor dizia estar comovido. O que o comove?
Fico impressionado só de pensar nessas centenas de milhares de jovens, que estão na vanguarda de uma multidão ainda maior, vindos a Roma de todo o mundo, talvez cheios de curiosidade para ver o Papa e estar com ele. Mas me comovi também e mais ainda com a capacidade desse Papa de entrar em relação com os jovens, gastando com eles toda a sua energia incansável quando fala de Cristo na vida do homem.

O senhor acredita que o fascínio e os triunfos de João Paulo II coincidem com os da Igreja?
Se identificarmos a Igreja com o Papa, isso é bonito, mas...

Mas?
O problema é que a Igreja, ou melhor, os cristãos podem não ser como o Papa! A questão para a qual você chama a atenção na sua pergunta corresponde à visão da Igreja de todos aqueles que, fiéis ou não, ouvem este Papa, tão humano e insistente ao colocar o homem de hoje em guarda contra a exclusão de Cristo da categoria dos apaixonados pelo destino do homem.
A questão, portanto, é se realmente todos os movimentos católicos e aqueles que os dirigem estão séria e ativamente à escuta de qualquer movimento que o Papa faz ou sugere.

E estão?
Os movimentos eclesiais de hoje demonstram uma vontade de seguir as palavras do Papa e o relacionamento que João Paulo II tem com tudo o que o cerca. Por isso, poderíamos falar de triunfo da Igreja se todos nós fôssemos como o Papa.

O senhor não acha que a Igreja hoje fala um pouco demais de moral e muito pouco de fé?
Parece-me que sim, pois entendo que muitos, mesmo entre os cristãos, especialmente os intelectuais e os sujeitos que exercem uma influência educativa, estão atulhados pela preocupação de que os fiéis sejam “bons”. Mas dessa forma a ética pode ser interpretada em função daquilo que pensamos, ao passo que a fé para o cristão está no reconhecimento de um fato que aconteceu e, portanto, a disposição moral é a obediência ao que esse fato exige.

O filósofo Umberto Galimberti afirma que o cristianismo, tal como o conhecemos, durará mais umas duas gerações. Gianni Vattimo, menos pessimista, limita-se a prever que dentro de alguns anos a Igreja fará uma autocrítica em matéria de sexo e de costumes. É possível?
Parece-me que Vattimo fale assim porque talvez não tenha fé em nada, a não ser naquilo que ele pensa, também a respeito do cristianismo. E Galimberti provavelmente ainda não deve ter adquirido uma consciência crítica sobre o conteúdo original da experiência cristã.

Com CL, o senhor encontrou os jovens dos anos das ideologias, depois os jovens dos anos das utopias e agora os dos anos do cinismo do mercado. Qual dos três fatores foi mais perigoso?
O das ideologias, um risco presente desde a Revolução Francesa.

Por quê?
A ideologia desenvolve um fator da experiência da vida, do cosmo e da sociedade humana, fazendo com que esse fator exorbite seus limites e substitua o Mistério que fez todas as coisas, proclamando algum aspecto seu como regra de vida ou justiça para o homem.
Na medida em que a ideologia é gerada como ponto de vista último ao qual o homem chega, invade os sentimentos e os critérios do homem, determinando a mentalidade de tal forma que esta se torna cada vez mais um preconceito universal.

Os jovens que hoje estão diante do Papa vivem mergulhados no virtual. Alguém como o senhor, que pregou a historicidade do cristianismo, não corre o risco de não ser mais entendido pelas gerações da Internet?
Antes de mais nada, a possibilidade de criar e de animar um movimento que suscita um chamado de atenção, uma esperança e uma certeza em todas as camadas da sociedade e em setenta Estados do mundo, e até nos bairros de Nova York, não é certamente um fenômeno virtual, mais extremamente concreto. Se tantas pessoas nos seguem, parece-me que isso demonstra que o módulo da nossa proposta pode entusiasmar até aqueles que a imprensa e a TV chamam “geração virtual”.
Falar do fato cristão e da carnalidade da fé pode ser uma proposta afirmada como raiz da realização da própria personalidade para os jovens, e para os que não são mais jovens, mesmo hoje. Portanto, para mim, não há nenhum medo.

O senhor acaba de escrever um ensaio sobre o poder e as obras. Qual é, hoje, ou qual deveria ser, a relação entre poder e Igreja, entre negócios e fé?
Eu diria que deve ser aquela que se estabelece entre duas pessoas: o diálogo. Mas para dialogar é preciso que se persiga sinceramente um único objetivo, sem deixar de oferecer uma ajuda mútua: a Igreja consciente de que por meio de tantas situações contingentes o Mistério de Cristo quer alguma coisa, e o Estado trabalhando com princípios de humanidade. Para mim parece que a única condição para que isso aconteça é que Igreja e Estado sejam guiados por pessoas que antes da realização dos seus projetos tenham sensibilidade para com o humano.

E isso acontece?
Aqui eu teria a tentação de dizer, de afirmar que é difícil encontrar pessoas com autoridade que meçam seus próprios projetos a partir de uma mortificação dos seus benefícios pessoais, até mesmo de pensamento.

O chamado “braço político” de CL passou da Democracia Cristã para o Partido da Esquerda Italiana e agora para “Força Itália”. O senhor nunca teve medo de uma instrumentalização política do mix fé-política?
À parte o fato de que não existem “braços políticos” entre nós, mas sim pessoas educadas à responsabilidade na família, no trabalho e para com os outros (sociedade, país, Estado e mundo), em todos esses anos procuramos simplificar as coisas, mirando para o coração e a cabeça dos jovens (e daqueles que não são mais jovens) com a nossa proposta humana.
Evidentemente, a instrumentalização de uma realidade que vive na sociedade pode sempre penetrar de fora, quanto mais se trate de uma realidade viva, bonita e útil. Mas um movimento como tal, mesmo político, só nasce daquilo que o anima.

Em outras palavras?
Para nós a relação com a política nasce de uma preocupação educativa pelo destino de cada pessoa.

CL foi uma das primeiras organizações, em 1992, a se colocar em guarda contra a Operação Mãos Limpas, que logo foi definida como uma revolução de mentira, uma traição do povo. São palavras ainda válidas?
Para responder a essa pergunta é preciso saber ler o que aconteceu com atenção, sinceridade e ausência de preconceito.
Aqui se vê a diferença de concepção do homem entre a Igreja e a educação meramente naturalista. Se o homem é sujeito responsável das suas ações, qualquer ação não pode esquecer a extrema fragilidade daquilo que a faz nascer. No Salmo “De profundis” se diz: “Senhor, se levardes em conta as nossas fraquezas, quem poderá resistir?”.

Todo o esquema de corrupção na Itália foi apenas uma fraqueza humana?
A fraqueza do homem pode ser reconhecida como uma coisa que está no limite extremo do nada. Isso torna eminentemente verdadeira a cena em que, no momento mais agudo do IV ato de Brand, o drama de Ibsen, o protagonista grita: “Para alcançar a salvação, não basta toda a vontade humana?”. Que homem é esse que não sente a tolice de frases como as que se ouviram nos anos de 1992 em diante, gritadas (ou mesmo escritas nos jornais) por alguns idealizadores de Mãos Limpas, que se consideravam entre as pessoas mais perfeitas da sociedade? Foi por isso que naquela época dissemos que uma ação para punir culpados destrói um povo, como consciência unitária e como bem-estar alcançado; no mínimo tem na sua modalidade de realização algo injusto. Aqueles que sugeriram Mãos Limpas talvez pudessem pertencer a uma sociedade de homens que pretendem fixar eles mesmos o sumo bem para a sociedade, identificado normalmente com o favorecimento dado a uma forma de sociedade na qual o bem salvaguardado seja identificado com o que eles mesmos querem.

Qual foi o balanço daquela estação?
Eu poderia simplificá-lo com a imagem de uma fissura que se abriu no alicerce da nossa sociedade, um confusão em cuja nuvem de poeira certamente não se pode reconhecer a manhã de um dia mais benévolo. Mesmo que com isso tenhamos recebido como herança um chamado de atenção para a honestidade “social”; e por isso há também um obrigado a dizer ao esforço que eles fizeram.

O senhor já afirmou que com a velhice mudou sua maneira de ser cristão. Em que sentido? O senhor nunca teve dúvidas?
O tempo que passa obtém uma evolução na realidade humana cordialmente vivida, do ponto de vista biológico e também como consciência, que faz com que apareçam mais claramente as decisões, seja para o bem, seja para o mal. Surge assim a certeza mais clara das formas do bem e do mal, onde está o bem e onde está o mal. Mas reforça-se também, como consequência, o desejo de um e de outro.
Creio ter aprendido que aquilo que parece duvidoso é apenas um convite a que sejamos mais claros e coerentes.

Mais de uma vez o senhor falou da morte, da angústia de sentir o “corpo que vai se decompondo”. Indro Montanelli fala abertamente de eutanásia. O abandono da persistência terapêutica de tentar prolongar a vida dos doentes terminais e a genética são realmente inconciliáveis com a fé?
O abandono da persistência terapêutica e a genética, ao que me parece, são inconciliáveis com a fé só quando pretendem eliminar ou recusar a obediência ao Mistério de Cristo.

Quando é que nasce essa recusa?
A morte é o ponto em que qualquer ideologia encalha ou engasga, pois estabelece um limite para além do qual só existe o Mistério.
É o sinal mais evidente de que a vida não nos pertence. Por isso não podemos dispor dela como queremos, muito menos fixarmos nós o seu limite.

E então lhe pergunto: o que é o Mistério?
É uma ofensa a qualquer razão viva dizer: “Depois da morte não existe mais nada”. Pois “toda a vida pede a eternidade” e “a nossa voz canta com um porquê”, como diz a primeira canção da história do nosso movimento.
A palavra “Mistério” é a única que o vocabulário humano tem para indicar o que existe depois da morte e todas as consequências do mal. Mas o Mistério assumiu toda a forma humana no seio de Nossa Senhora. Se é Mistério, ele pode fazer isso também. E nenhuma razão pode sentir-se insatisfeita com essa resposta. Aliás, diante desse anúncio, deve em primeiro lugar calar-se, e só poderá reencontrar o mecanismo de uma lógica racional quando a consciência do homem razoável for tocada pela existência de Cristo morto e ressuscitado.

Não é preciso ter medo da morte?
Não. Diante da morte, não será anulado o temor pelo fato de que ela chega destruindo uma existência consciente. Mas pensar naquele homem que disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” será ponto de apoio para um novo respiro.

Voltemos aos jovens. Que significa hoje ensinar um jovem a ter fé?
No nosso movimento, o esforço educativo baseia-se justamente na maneira pela qual se pode chegar hoje à certeza sobre Cristo, a ponto de desenvolver na própria consciência a grande certeza cristã, de modo que toda a própria vida se apoie no Mistério de Cristo, com todas as aspirações positivas, dentro da consciência cada vez mais clara da própria fragilidade e incapacidade ou maldade.