Fra Angelico, Anunciação (1442 aprox.), Itália.

«E o Anjo a deixou»

O testemunho de Dom Giussani, fundador de Comunhão e Libertação, na missa que deu início à XVI peregrinação Macerata-Loreto, promovida pelo Movimento em 1993. Texto publicado na Revista Litterae Communionis n. 35, set/out 1993

Agradeço a quem me precedeu, particularmente ao seminarista dos Neocatecumenais, porque ouvi as coisas que eu teria dito. Esta é a Igreja. Somos uma coisa só. Quem me precedeu repetiu uma frase de Jesus que repito há 40 anos todos os dias: "Quem me segue terá o cêntuplo nesta terra". Esta é a frase emblemática de tudo o que me impele a interessar-me pelo Senhor, mas também a fazer interessar-se pelo Senhor qualquer um que encontre.

Confesso que a figura de Nossa Senhora, a memória de Nossa Senhora, torna fácil o caminho em direção ao Senhor, qualquer que seja o momento da vida. Quando eu estava no seminário - era ainda pequeno - me impressionava saber que esta jovem mulher hebreia, em uma aldeia perdida do grande império romano, ousasse dizer: "Todos os povos me chamarão bem-aventurada". "Mas como fazia, com 15 ou 16 anos, para dizer isto com segurança? - dizia a mim mesmo. E nós estamos aqui hoje justamente para confirmar, mais uma vez, a sua profecia, que foi escrita há 2000 anos. Essa profecia me encorajou sempre ao longo do caminho dos anos de seminário e sobretudo depois. A superabundância da misericórdia que Deus tem para com o homem escolhe um ponto, um ponto pequeno que humanamente pareceria nada: torna-o testemunha de uma coisa tão grande como o desígnio da Sua misericórdia. Que gratidão sem limites devia hospedar-se no coração de Nossa Senhora todas as vezes que terá pensado novamente no início da sua história! E é uma gratidão sem limites a que nos faz pensar a cada dia no início de nossa história: aquele encontro por meio do qual o Senhor começou a tornar-se para nós uma realidade perceptível, afetivamente persuasiva e nascente de vontade criativa, de empenho - porque a fé n’Ele não só não nos faz transgredir nada do humano, mas nos faz empenhar em tudo com seriedade.

Uma seriedade que tem um custo, muitas vezes, e é unida a uma espécie de dor. Com seriedade e pudor, nós abraçamos as coisas que estão no céu, no mar, sobre a terra, as coisas que os pais veem nos filhos e os filhos nos pais, ou até mesmo as coisas que vemos nos amigos ou que o homem vê na mulher. Com seriedade e pudor todas essas coisas são valorizadas até o entusiasmo. A vida e a morte, como já lemos tantas vezes em O anúncio feito a Maria, de Claudel, quando Pedro de Craon pronuncia aquela frase, de outro modo impensável humanamente: "Vivo à beira da morte e uma alegria inexplicável está em mim".

Pois bem, somos todos bem conscientes das coisas, mas nos colocamos em uma posição oposta àquela de tudo o que nos circunda, ao mundo no sentido em que esta palavra era usada por Cristo nos últimos capítulos do Evangelho de São João. O mundo exalta as coisas, mas segundo uma dilatação utópica, segundo uma ordem de sonho, segundo uma pretensão, segundo uma presunção que de fato faz esquecer toda a concretude e os limites que as coisas têm. Assim, a condição humana e a imaginação mundana trazem no final das contas uma grande e trágica desilusão.

Nossa Senhora recebeu, assim, a graça de fazer nascer um homem novo no mundo. Cristo é a origem de um homem novo no mundo, que, lembrava-o o Santo Padre poucos dias atrás, na Espanha, através do Batismo é comunicado à carne, aos nossos ossos. Um protagonismo novo entra no mundo. Existe um fator novo no mundo que através do Batismo nasce, que alcança o homem exatamente através daquilo que nasceu no seio de Nossa Senhora. Nasce, assim, uma gratidão por aquilo que Deus fez por ela, mas também por aquilo que ela colocou de seu: a fé. Eu relato sempre o momento em que o anjo falou a ela - quem sabe como terá acontecido - e ela entendeu que era Deus que falava e disse: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra". Ponto. "E o anjo a deixou". Ponto. E eu paro entre estes dois pontos para contemplar a frase: "E o anjo a deixou".

Pensem em que solidão se encontrou aquela jovem nas condições novas em que o Senhor a tinha colocado, com todos os outros ignorantes da situação e sem ninguém em quem apoiar-se, em quem apoiar uma evidência comumente humana. "E o anjo a deixou". A fé é justamente aquela força cheia de afeição com a qual a alma adere ao sinal do qual Deus se serviu e permanece diante desse sinal com fidelidade; não obstante tudo, adere. Mesmo que se encontrasse só em meio a um mar de oposição e de pessoas distraídas, de mentalidade diversa. "E o anjo a deixou". Também na minha vida, na nossa vida, nos encontramos - nos encontraremos - como se não pudéssemos apoiarmo-nos em nada: como se as mãos não encontrassem apoio e o coração tivesse de permanecer fiel.

Que Nossa Senhora nos dê esta luminosa coragem que tem como fruto uma vida humanamente cheia de alegria, como repetiu também Sua Santidade em Madri, poucos dias atrás: "Vivei com alegria a vossa fé". E a alegria nasce somente da consciência de pertencer a um povo, a uma comunhão, a um desígnio que abraça tudo, céu e terra, ainda que você esteja só como Cristo esteve só ao morrer. E Cristo morreu verdadeiramente só.