Da Fé, um encontro
Palavra entre nósRespostas de Luigi Giussani a perguntas que surgiram durante a assembleia dos responsáveis de Comunhão e Libertação na América do Norte. Pocono Manor (Pensilvânia), 4 de janeiro de 1998
Padre Giussani, o senhor disse que a conferência de apresentação de The religious sense na ONU em 11 de dezembro passado é o fato mais imprevisível na história de CL depois do início do Movimento, tanto que marca um início novo. Por que o senhor falou de “início novo”?
Porque a missão nos Estados Unidos é como a missão de São Pedro em Roma. A missão ressuscita a consciência, renovando assim o eu. Como uma Páscoa; a primavera de Páscoa. A primavera faz nascerem brotos nos ramos despojados. A planta é renovada – renovada quer dizer nova, vigorosa, bela, cheia da sua verdadeira beleza, que frutifica com o cair das folhas –. É a própria natureza que faz cair todos os ramos ressecados. Assim é no homem batizado: é a própria graça do Espírito que com o tempo amadurece o eu desfolhando-o do mal, daquilo que faz a mente e o coração áridos, tornando o eu fecundo. A missão renova o eu como sujeito, tornando assim a origem – ou seja, o acontecimento de Cristo – presente: tal como a natureza primaveril torna presente o ato criador. E assim, onde houve pecado superabunda a graça (São Paulo). Desta forma, como dizem os Padres, a Redenção torna-se uma coisa maior que a criação, pois a criação cria do nada e a misericórdia recria do mal.
A experiência destes últimos tempos mostra que a proposta de Cristo, tal como se comunica através do movimento de CL, é compreendida até mesmo por pessoas muito diferentes e sem a necessidade de qualquer condição cultural prévia. Ouvimos falar desta possibilidade positiva como sendo o “carisma” do Movimento. Que significa esta palavra?
Nós olhamos para o carisma como nada menos que o Espírito enviado por Cristo depois da Ascensão ao céu, que continuamente cria o seu Corpo misterioso, o seu povo, ou seja, a Igreja, segundo o desígnio do Pai. O carisma indica a ação do Espírito Santo na medida em que é recebido, segundo o desígnio de Deus, por um homem, segundo o seu caráter, o seu temperamento, e com a sua tradição e o seu ambiente. Por isso, uma experiência nasce de um verdadeiro carisma na medida em que o dom do Espírito que a palavra carisma indica demonstra nas coisas que explica a verdade revelada delas. O carisma se desenvolve e age, assim, como movimento; todo carisma faz nascer um movimento que leva à missão em que a Igreja tem um aspecto primaveril e portanto torna-se uma força expansiva viva. O carisma, portanto, vem à tona em uma pessoa – ou em quem se une a ela ou a segue –, em uma pessoa e em uma história como forma com a qual o Espírito age na Igreja de Cristo; por isso, o caráter e o temperamento “movidos”, a história que se cria e a tradição em que se introduz são o rosto do carisma que vem à tona. O carisma pode ser definido, assim, como coessencial à instituição, como João Paulo II disse: “Instituição e carisma são os dois aspectos em que o acontecimento da Igreja torna-se acontecimento real, vivo e historicamente incisivo”.
Muitos de nós apontaram para a desproporção que há entre as nossas forças e capacidades e o resultado dos gestos que são feitos, em particular o encontro na ONU. Deus evidentemente utiliza também as pessoas que são pouco conscientes para levar adiante o seu desígnio. Que significa esta experiência?
Que tudo é graça. Isto explica a enorme desproporção entre o que o indivíduo pode fazer na sua vida (e o que podem fazer todas as pessoas do Movimento em tantos anos) e o gesto de Nova York – que evidentemente é fruto, “milagre” da graça. O que está acontecendo nos obriga a nos darmos conta disso, mas também nos torna conscientes de como o empenho com o Movimento implica toda a nossa vida, e sobretudo nos torna conscientes de como Deus pode criar homens e situações em certos ambientes que Ele torna, talvez inesperadamente para nós, abertos ao empenho que Ele nos pede na história. E isto significa, assim, ser conscientes disso, mas significa também que deve ser sobretudo nossa a dedicação. Isto significa que a gratuidade do Espírito Santo exige gratuidade de nossa parte.
O que este início novo marcado por iniciativas culturais como a de Nova York tem a ver com a vida cotidiana de cada um de nós e com o Movimento no seu conjunto na América? E este início novo, que implicações tem, para que não seja reduzido a empenho organizativo e ativista?
Este início novo implica, antes de mais nada, que nós veiculemos, carreguemos um verdadeiro conceito de cultura, tal como disse João Paulo II em um discurso ao MEIC em 1982: “Uma fé que não se torna cultura é uma fé não plenamente acolhida, não inteiramente pensada, não fielmente vivida”. Um americano leal, um americano que nasça americano, um americano verdadeiro não pode deixar de ser consciente disto. E, na medida em que crê, não pode deixar de procurar viver tudo – existência, vida pessoal e política –, não pode deixar de viver tudo segundo o ponto de vista da fé (foi o que disse monsenhor Albacete no encontro no final de novembro em Roma). O empenho organizativo só pode ser a expressão realizada de uma consciência de si, só pode ser ditado pela fé, tal como o corpo é plasmado pela alma.
Os intelectuais mais perspicazes e os bispos norte-americanos vêem na vida da Igreja americana uma espécie de esquizofrenia entre um grande esforço organizativo e a experiência de fé. De onde nasce esta esquizofrenia?
De que modo, no nosso Movimento, a proposta cultural está inserida na própria presença?
A esquizofrenia nasce sempre quando o acontecimento cristão não é apresentado como um encontro presente com Cristo e, portanto, encontro de qualquer pessoa, hic et nunc. De fato, o encontro é um acontecimento que se dá no indivíduo, na personalidade de uma pessoa.
E esta consciência persuadida, esta consciência convicta tende a conceber os relacionamentos consigo e com todos os outros como expressão da fé.
O sujeito e o objeto da missão são um encontro, que é um fato contingente no qual se muda a origem, a forma da pessoa, ou seja, a mentalidade que opera na existência, agindo no indivíduo: a conversão. Isto é a missão. É uma dimensão inerente à pessoa que é determinante, ou seja, determina qualquer relacionamento como mentalidade para uma conversão... que todo o mundo, que todos os homens conheçam a Jesus, que tudo seja para a glória de Cristo.
Vocês, dos Estados Unidos, pela função que a história lhes assinala, são mais chamados a este ecumenismo.
É justo pensar que os pontos mais importantes na nossa presença são um empenho educativo na escola e a continuação de propostas culturais ligadas ao conteúdo do nosso carisma e feitas junto a personalidades que pertencem a ambientes culturais diferentes?
Sim, estes são os dois fundamentos mais necessários e interessantes para a comunicação e o desenvolvimento da nossa fé, a fim de alcançar uma adequada comunicação dela.
(Texto publicado na edição n. 62 de Litterae Communionis, março/abril 1998)