O coração do problema Igreja
De Luigi Giussani, Por que a Igreja. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, pp. 21-23
Quem se depara com Jesus Cristo, seja um dia após o seu desaparecimento do horizonte terreno, seja um mês depois, ou cem, mil, dois mil anos depois, como pode ser colocado em condições de perceber se Ele responde à verdade que pretende ser? Quer dizer: como uma pessoa pode chegar a compreender se de verdade Jesus de Nazaré é ou não o acontecimento que encarna aquela hipótese da revelação em sentido estrito?
Esse problema é o coração daquilo que historicamente se chama "Igreja".
A palavra "Igreja" indica um fenômeno histórico cujo único significado consiste em ser para o homem a possibilidade de alcançar a certeza sobre Cristo, ou seja, em ser resposta à seguinte pergunta: "Eu, que chego um dia depois que Cristo foi embora, como posso saber se de verdade trata-se de algo que me interessa mais que tudo, e como sabê-lo com razoável segurança?" Já vimos como não é possível imaginar um problema mais sério do que este para o ser humano, seja qual for a resposta dada a essa pergunta (cf. GIUSSANI, Luigi. Na origem da pretensão cristã. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2012, especialmente o terceiro capitulo, pp. 43-54). Para qualquer homem que entre em contato com o anúncio cristão é imperativo procurar chegar a uma certeza acerca de um problema tão decisivo para a sua vida e para a vida do mundo. Pode-se, obviamente, censurar o problema, mas, dada a natureza da pergunta, é como respondê-la negativamente.
Portanto, é importante que, hoje, quem vem depois – e até muito tempo depois – possa aproximar-se do acontecimento Jesus de Nazaré de maneira tal a alcançar uma avaliação razoável e certa, adequada à gravidade do problema. A Igreja se coloca como a resposta a essa exigência de avaliação certa. É este o tema que nos propomos a abordar. Esta abordagem pressupõe a seriedade da pergunta: "Quem é verdadeiramente Cristo?", ou seja, pressupõe um empenho moral no uso da consciência diante do fato histórico do anúncio cristão. Assim como este, afinal, pressupõe a seriedade moral na vida do senso religioso enquanto tal.
Se, pelo contrário, não nos empenhamos com aquele aspecto inevitável e onipresente da existência que é o senso religioso, se a respeito do fato histórico de Cristo achamos que seja possível não tomar uma posição pessoal, aí então a Igreja poderá interessar tão-somente de forma reduzida: como um problema sociológico, político ou associativo, para ser combatida em relação a esses aspectos.
Que degradação para a razão ser desqualificada exatamente naquilo que torna mais humana e realizada a sua capacidade de nexos, isto é, o senso religioso autêntico e vivo!
Por outro lado, a história, queiramos ou não, com nossa raiva ou nossa paz, foi de fato atravessada pelo anúncio do Deus que se fez homem.