Papa Francisco, o desafio da beleza
La Stampa, pp. 26-27.Falam a mesma língua, embora um seja espanhol da Estremadura e outro seja argentino. Hoje, no Salão do Livro, Padre Julián Carrón, 64 anos – sucessor de Dom Luigi Giussani na condução de Comunhão e Libertação, desde 2005 –, apresentará La bellezza educherà il mondo (A beleza educará o mundo, em tradução livre. Publicado na Itália, pela Editrice Missionaria Italiana), uma coletânea de intervenções do então arcebispo de Buenos Aires Jorge Mario Bergoglio. Será a ocasião para fazer um balanço sobre a Igreja um ano depois do Conclave que parece a ter revolucionado. “A primeira questão”, me diz Carrón, a quem encontrei na sede de CL em Milão, “é a imponência de um fato que a todos surpreendeu”. Fala exatamente assim, como Francisco: diz primeiro o “todos” – ou o “somente”, ou o “sempre” – e depois o verbo. Sentamo-nos a uma mesinha. Atrás dele havia um retrato de Dom Giussani, o “Gius” como é ainda chamado pelos seus, enquanto que Carrón, que não obstante o excelente italiano não deixa de trair o sotaque castelhano, parece chamá-lo de “Iussani”. É um homem gentil, sempre sorri.
Padre Carrón, qual é o primeiro resultado, se podemos dizer assim, do papado de Bergoglio?
Em pouco tempo Papa Francisco conseguiu, com seus gestos, colocar-se como uma testemunha desarmada da potência da fé.
Por que desarmado?
Porque só se apoia sobre a potência do testemunho. Não se apoia sobre uma política de hegemonia. Francisco acredita que o testemunho tenha em si uma potência que pode ser entendida por todos. Sabe conversar, com a sua simplicidade, com o coração de cada homem.
As pessoas o veem como sincero?
Parece-me evidente que sim, que o veem como sincero. As pessoas entenderam que os seus gestos não são aparentes, mas tem um quê da verdade. O coração do homem é capaz de interceptar o verdadeiro. Portanto, entenderam logo que Francisco não recita, que é assim de verdade. Seriam muitas as coisas para serem lidas como uma recitação!
O senhor já o conhecia antes de se tornar Papa?
Não, nunca tive contato com ele. Sei que, na Argentina, havia apresentado alguns livros de Giussani. Mas, sentimos, com ele, uma sintonia particular, uma forte sintonia. Primeiro, pela centralidade de Cristo sobre a qual o Papa insistiu tanto nesses meses. Pelo seu grande desejo de que o anúncio de Cristo alcance a cada homem. E depois Francisco insiste sobre aquelas que ele chama de periferias existenciais. Nós nascemos nos ambientes, por assim dizer, “normais” do viver, na cotidianidade na qual a vida se joga. Nós desejamos ver que a fé é capaz de entrar na realidade de todas as coisas, e de mostrar toda a sua potência de mudança.
E parece ao senhor que este Papa também insista sobre uma “centralidade” semelhante?
Certamente! A sua insistência sobre o fato de que é essencial anunciar Cristo indica um método para a Igreja. Neste momento, ele sustenta como crucial que todos os homens possam ser alcançados pelo abraço de Cristo.
Tento traduzir numa linguagem que talvez é muito “de vocês”. O senhor está dizendo: tal como Giussani, também Bergoglio anuncia o cristianismo não como uma moral, mas como um fato.
Exato. De todas as coisas das quais é possível partir, ele escolheu uma que me parece crucial. O anúncio do cristianismo como um fato que aconteceu e que acontece sempre foi uma característica nossa. Mas, fique atento: não estou dizendo que este Papa segue CL. Pelo contrário, digo que escutamos Francisco como um forte chamado de atenção para a conversão; para que vivamos sempre mais esta essencialidade que é Cristo.
É verdade que Francisco agrada também bastante aos não crentes?
Sim, é um fato novo que fala da necessidade que as pessoas têm de encontrar, no momento histórico que estamos vendo, uma pessoa que desperte uma esperança.
Alguns católicos críticos dizem: agrada ao mundo porque o apoia.
Não me parece exatamente que busque agradar ao mundo apoiando-o.
Dizem: reduziu a figura do Pontífice, não mantém mais as distâncias com o povo.
Mas, Jesus não mantinha as distâncias! Estava no meio da briga! Se há um Deus não distante é o Deus da encarnação. Fez-Se homem para se tornar como nós e para estar no meio de nós.
Outra crítica: se faz de “pobrista” para ter o aplauso do mundo progressista.
Francisco tem gestos de ruptura e de pobreza. Mas não é uma postura: ele é assim. Sempre viveu no meio das pessoas, nas periferias.
Há necessidade de limpeza na Igreja?
Não sei como as coisas realmente estão. Mas, que exista um desejo de mudança para colocar aquela grande estrutura que é a Igreja a serviço da evangelização, é um fato. De outro lado, a Igreja é, por definição, semper reformanda.
O senhor não acha que a mídia esteja banalizando Papa Francisco?
O risco de reduzir o alcance de uma figura assim está sempre à espreita. Mas, penso que o fato a que estamos assistindo seja muito mais importante do aquele que uma estratégia jornalística qualquer seria capaz de produzir.
Padre Carrón, há apenas duas semanas, em Roma, dois Papas canonizaram outros dois Papas. Pareceu um momento triunfal. E, no entanto, muitos católicos observam que aquele triunfo esconde uma mediocridade, um cansaço na vida de todos os dias da Igreja.
Sim, pode ser que existam mediocridade e cansaço. Mas, a situação atual não é menos favorável para o anúncio cristão para uma humanidade que é “ferida”, como disse Francisco. Tudo dependerá se nós acolhermos o dom que Cristo nos fez com este Papa, para poder segui-lo e oferecer uma esperança a tantas pessoas que estão esperando uma luz no escuro.
Última pergunta, Padre Carrón. O senhor já pensou alguma vez que estaria numa Igreja com dois Papas?
A demissão de Bento XVI foi um choque também, é inútil negá-lo. Mas, a convivência entre dois Papas, que parecia poder ser um perigo, revelou-se, pelo contrário, um testemunho de comunhão que a todos surpreendeu, maravilhou. Não apenas pela discrição de Bento XVI, mas também pela forma como Francisco o encorajou a participar da vida da Igreja. O êxito disso é algo que sempre carregaremos nos olhos e que documento uma grande liberdade.
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