Qual é o significado da palavra “Paz”

Editorial
Luigi Giussani

A carta ao diretor do jornal La Repubblica publicada em 24 de dezembro

Caro diretor, a bomba colocada nos últimos dias no Domo de Milão faz pensar em um ataque ao lugar que é fonte “de paz e de reconciliação para todos”, como disse o cardeal Martini comentando o acontecido. Todos apelam pela paz, crentes e não crentes, esquerda e direita, uma paz que tanto mais é conclamada quanto mais a violência parece ser o único fator real que se apresenta como perspectiva de trabalho para um ou para o outro dos elementos em luta. Assim, todo homem que é conduzido por um desejo de paz não consegue evitar a desconfiança que arruina todo e qualquer aspecto de segurança.
Vivemos em uma época que parece descrita pela frase bíblica: “Quando eu falo sobre paz, quando a promovo, é a guerra que eles tramam contra mim” (Salmo 119). Mas a consciência do homem pode abrir-se a uma possibilidade de paz ao menos em um ponto: a afirmação clara e segura de um sentido da vida humana. Essa é a força exortativa da palavra paz: ela pode dar relevo ao sentimento que o homem tem de toda a própria vida; quem a grita sente-a como motivo último dos fatores determinantes da sua vida, social, familiar e pessoal. O significado da palavra paz compromete sempre a totalidade dos sentimentos da vida; implica-os segundo uma justiça que é tal diante do destino, minúsculo ou maiúsculo.
Se existe uma palavra capaz de delinear esse “pondus” que tem o sentimento humano da paz, é a religiosidade, a religiosidade como dimensão da vida. Ela invade qualquer fórmula, implicando um objetivo último pelo qual o homem aceita existir e age. Aquilo pelo qual sentimos ser necessário viver relacionamentos de todos os tipos, com efeito, é o pré-sentimento de uma positividade última. O juízo que esse pressentimento dá sobre a vida de cada dia - pressentimento que, como tal, está presente em todos com mais freqüência do que não está - pode ser também fruto daquele cinismo que abunda na nossa sociedade.
Assim, colocar a divindade - ou, em outros termos, o objetivo supremo do agir - no poder político, poderá iludir as pessoas mais comprometidas, mais preocupadas, acerca da possibilidade de realizar essa que os antigos chamavam “pax romana” - uma genérica tolerância para com todos, salvo o fato de que a última palavra era reservada ao poder político, e por isso era permitida uma atenção a qualquer Deus, desde que não ofuscasse a divindade do imperador - e que nos nossos tempos se poderia chamar “pax americana” ou paz social.
Digo isso porque é mais difícil encontrar um uso verdadeiro da palavra paz nas grandes tramas políticas e econômicas do que no relacionamento familiar entre o homem e a mulher ou no emaranhado de tendências ansiosas por satisfação ou saciedade pessoais, ou seja, no coração do homem.
Tudo isso canaliza a atenção e a devoção pelo Natal cristão. A única razão dessa festividade está no fato de que o destino misterioso comunicou-se aos homens identificando-se com um homem que nasceu de uma virgem, porque depois destinado a morrer para ressuscitar, respondendo assim às espera de qualquer um.
A paz, então, só pode ser sentida e vivida e pensada mediante duas condições: a vocação, ou seja, a dependência de um Outro como desígnio e juízo sobre a própria vida - como pela primeira vez veio à tona na história do povo judeu - e a educação ao conhecimento do bem e do mal.
Para nós, o Natal indica como a vocação de Cristo, a sua vida, foi a vontade proclamada de obedecer à grande nascente do Mistério, em uma educação vivida como incansável paixão pelo conhecimento do bem e do mal, tal como vem à tona na história do seu povo. Por isso, a paz depende do fato de que o homem admita a impossibilidade de dar-se a perfeição por si mesmo, ao mesmo tempo em que indomavelmente reconhece a sua dívida para com o Ser.
O Natal é tudo isso, sempre reapresentado a toda a humanidade, como o inesperado permanecer de uma proposta que a vida é, qualquer que seja a condição em que cada um se encontre. Na ternura diante da imagem de um menino recém-nascido, a infinita distância entre a ação do homem e o seu destino é preenchida como paz em um perdão. Por isso, para o homem que pensa, o Natal pode não parecer nem uma ternura frustrada nem um desespero. A incansável humanidade do Papa nos convida a essa síntese última, na qual a dignidade e a completitude do homem são tudo, ou seja, misericórdia.

Luigi Giussani