Uma presença no ambiente (1ª parte)
Página UmNotas de uma palestra de Luigi Giussani sobre Gioventù Studentesca. Régio-Emília, 1964
Quero falar, de memória, um pouco do que procuramos fazer em Milão. Assim, o que digo é mais o testemunho de uma tentativa do que uma exposição de princípios ou uma aula. Nunca, como nas ocasiões em que tenho de conversar com sacerdotes de outros ambientes ou outras regiões, sinto tanto o valor da observação que acaba de ser feita: que nosso anúncio cristão deve ser uma resposta a uma situação, e que, diante de situações sempre diferentes, as coisas devem ser aplicadas de maneira sempre diferente. Isso não impede que existam preocupações e diretrizes que possam realmente ser comuns a todas as situações.
Gostaria de fazer uma premissa, antes de entrar no mérito da questão. Falou-se antes de “programação”: catolicamente, a programação nasce de maneira automática do fato da Igreja, que é comunidade, comunidade ao redor do Bispo. Portanto, o que um padre faz em um hospital pelos doentes de determinada paróquia e de determinado pároco pertence a um único gesto: pertence ao mesmo gesto por meio do qual aquele pároco batizou essas pessoas ou ministrou-lhes o catecismo para a Primeira Comunhão. Não existe nada, portanto, que devamos tentar eliminar de imediato: não existe, a meu ver, nenhum crime mais grave, mais evidente, contra nosso ser cristãos, que certas divisões ou certos “isso quem faz sou eu, isso quem faz é você”, ou “já que tenho de vir para cá, para lá eu não preciso ir”. O problema não pode ser resolvido mediante critérios ou preocupações desse gênero (“tenho de vir aqui ou tenho de ir lá”). Nós temos de ir aonde as pessoas estão!
Este é o segundo aspecto da premissa que eu queria fazer: a vida cristã é uma comunidade, é uma comunhão concreta, é uma comunidade ao redor do Bispo. Assim, a paróquia, por exemplo, é uma comunidade, é um pedaço dessa comunidade, é ela mesma comunidade. Portanto, se um indivíduo adoece e não pode ir à igreja para tomar a Comunhão na Páscoa, o pároco vai a sua casa ou manda o vigário a sua casa para levar a Comunhão. Mas é uma única vida, a vida de uma única comunidade, e esses dois gestos – dar a Comunhão na igreja ou ir até uma casa dar o viático – são um gesto só.
Analogamente, os jovens vão à escola e lá são introduzidos no conhecimento, são introduzidos a tomar consciência do contexto de sua vida de uma maneira imensamente superior ao que atualmente podem fazer em casa, ou no grupo de jovens, ou nas associações. Pois então muito bem: se é assim, a Igreja, o Bispo, manda um vigário, não mais para levar o viático à casa do doente, mas para dar aulas de religião dentro da escola. O gesto é o mesmo. É interesse seu, pároco, que o jovem seja alcançado de maneira cristãmente adequada ao ambiente que mais tem influência sobre ele e lá seja mobilizado a encontrá-lo. É o mesmo gesto! Assim também, se há na escola um jovem a quem dou aulas e ele não me escuta, porque tem antipatia por mim, e durante a aula de religião tapa os ouvidos ou fica estudando latim (e eu não posso fazer nada quanto a isso, pois poderia acabar por torná-lo totalmente meu inimigo; então, de maneira um pouco discreta, procuro não fazer caso da sua atitude), mas esse mesmo jovem tem simpatia pelo vigário de sua paróquia, vai à paróquia, faz a Primeira Comunhão em sua paróquia, freqüenta a associação de sua paróquia e não adere ao movimento cristão que eu procuro fazer em minha escola, eu direi: “Ainda bem que ele vai lá”. É a mesma coisa! A maior humilhação para quem procura trabalhar pelo Reino de Deus, que é um só, para quem procura trabalhar por seu Bispo (pois a Igreja está no Bispo e ponto final), a maior humilhação é ser considerado pelos próprios irmãos um dissidente ou um “subversor de”, ou um indivíduo que tende a construir seu mundinho e tão-somente isso. No entanto, é o mesmo gesto, idêntico! Sendo assim, por meio de qual critério distinguiremos os campos de nossa ação? Por meio de qual critério identificaremos o que é preciso fazer, se devemos vir para cá ou ir para lá, se precisamos chamá-los para cá ou chamá-los para lá? O critério é o princípio cristão fundamental da encarnação. Pois, para o cristianismo, um determinado método é essencial, e esse método é a encarnação. Porque, enquanto verdade, poderia ter continuado a ser Verbo de Deus, e seria verdade do mesmo jeito; mas o que determina o cristianismo é uma certa maneira de se comunicar, e a primeira característica dessa maneira foi justamente a kenosis, a condescendentia, como dizia São Jerônimo, ou seja, a adesão ao homem.
Abraçar o indivíduo onde ele está
Eis o critério: a mensagem, a vida cristã, a comunidade cristã, a comunhão cristã deve abraçar o indivíduo onde ele está: onde está! Mas esse “onde está”, evidentemente, não encontra sua importância no lugar físico, ainda que implique sempre um lugar físico, já que o homem não vive voando, não é um anjo; porém, alcançar o homem onde ele está significa alcançá-lo no contexto, no âmbito de influências que mais determina o desenvolvimento de sua personalidade.
Ora, sem querer ofender ninguém, basta uma mínima observação – e já não é preciso distinguir entre a grande cidade e a pequena cidade, como eu fazia há dez anos – para se dar conta de que, para o jovem que vai à escola, que irá à escola até certa idade (e isso também já tem uma importância extrema, pois um jovem, aos 14, aos 15, aos 16 anos determina a que coisas estará aberto, quais serão suas simpatias, suas simbioses, como será o seu “gancho” com a vida), o ambiente que incomparavelmente mais determina as tendências que sua personalidade assumirá na vida é justamente o do ensino médio, normal ou profissionalizante; aliás, já é preciso regredir em alguns anos o início dessa observação.
Na escola, o jovem não apenas entra em contato com todo o conhecimento, mas é introduzido com autonomia, com responsabilidade pessoal, pela primeira vez realmente com consciência e responsabilidade pessoal, em todo o conhecimento. Tentemos pensar na influência que tem um aglomerado de jovens que vivem juntos o ano inteiro, dois anos, três anos! O juízo sobre o “cinema” que eles vão ver, sobre as meninas com quem andarão ou não andarão juntos, sobre o tempo livre, os divertimentos, o esporte que praticarão, e até – nas grandes cidades – a decisão sobre as férias, tudo é determinado pela conversa que os jovens têm com os colegas na escola!
Isso é um fato. Sobre esse ponto, a única objeção que se poderia fazer é: não é verdade que a escola e a convivência escolar – portanto, não a escola apenas como quatro paredes, mas como ponto do qual se desencadeia toda uma trama de interesses, de relacionamentos, de conhecimentos, de estímulos e de reações –, não é verdade que a escola, com seu ambiente, tenha uma influência sobre os jovens. Para mim, essa influência parece absolutamente óbvia, evidente: tanto pelo que recebem como ensino quanto pelo que nasce no relacionamento com os colegas. Esse segundo fator, entre outras coisas, é importantíssimo, talvez ainda mais que o ensino enquanto tal, na medida em que o ensino enquanto tal sempre é filtrado de acordo com a mentalidade, de acordo com a reação do ambiente de sala de aula. Muitos de nós podem tê-lo experimentado pessoalmente. Por exemplo, quantas vezes qualquer um, até o jovem bom, ouve o que dizemos condicionado pela reação da sala de aula enquanto tal! Se a turma, por exemplo, é decididamente cristã, enquanto maioria, enquanto clima mesmo, as dúvidas diminuem: o indivíduo cético ou o ateu – por assim dizer – tem menos segurança de si. Ao passo que, se toda a classe é cética, neutra, neutral, cética ou atéia, até o mais fiel membro do grupo da Ação Católica começa a ter dúvidas.
Por isso, é justo dizer, como foi dito, que a escola se torna cada vez mais o grande instrumento da formação do homem de amanhã: não mais apenas para certa parcela do colegial clássico ou científico, mas para todos, e organizada de uma maneira cada vez mais eficaz e mais capaz de chamar a atenção para a atividade do indivíduo, cada vez mais capaz de desenvolver a sensibilidade de convivência, ou seja, o senso social do indivíduo.
Disseram antes, mencionando a descentralização administrativa, que é preciso pôr os cristãos autênticos, os cristãos formados, na direção das coisas na convivência com os outros. Mas – e é esta a verdadeira pergunta – onde é que formamos esses cristãos? Onde os encontramos? Pensemos em nossos jovens, por exemplo, de Milão, Bolonha ou Turim. Para formá-los, devemos enviá-los às assembléias de associação de bairro com os comunistas, com os socialistas e com os outros? É lá que se formarão? Evidentemente, deveriam ir para lá já formados, pois devem sustentar uma posição lá. Nosso verdadeiro problema, o único – o resto não nos interessa, pois o resto nasce daqui, nasce automaticamente quando resolvo este outro problema –, é como educar de maneira cristã! Pois todos são cristãos, “democratas-cristãos”, mas não dentro da vida pública, dentro da vida social! É aí que está: em 20 anos, com toda essa boa vontade, com toda essa gente no poder, nós conseguimos criar uma sociedade, do ponto de vista cristão, menos inadequada? Enfim, o verdadeiro problema é: onde é que posso educar, onde é que devo educar de maneira cristã. Nosso único problema, do ponto de vista social, civil, nosso primeiro problema do ponto de vista social e civil é uma liberdade educativa, uma possibilidade de educar.
Ora, se a escola é o grande instrumento de formação dos jovens, e a escola é estatal – da maneira como é organizada hoje, a escola estatal não pode, como de fato é justo, ter como finalidade a formação cristã dos jovens, pois, se fosse assim, um protestante, um judeu ou um comunista ateu teriam de se opor; enquanto tal, a escola estatal se diz “neutra” (usemos mesmo essa palavra em seu sentido não negativo): a escola estatal não tem, enquanto tal, da maneira como é concebida a tarefa de formar de maneira cristã –, e se os jovens freqüentam a escola dos seis aos 16 anos e a escola é tudo, e está se tornando cada vez mais tudo na vida dos jovens, onde é que nós encontramos os jovens?
De fato, a escola está se tornando cada vez mais tudo: é a tentativa lançada por todos os movimentos laicistas e que nós, por superficialidade ou ingenuidade, apoiamos por demais, demasiadamente. Têm tentado – estão tentando por meio das associações e dos grêmios – tornar a escola centro total da vida do jovem. Aquilo que é a associação juvenil de bairro para os jovens mais velhos é o grêmio para os jovens estudantes. E então estamos bem arranjados! Temos de mandar nossos jovens para dentro dessas assembléias, desses grêmios ou dessas associações para afirmar nossas idéias; mas quando é que nós damos a eles as “nossas idéias”? Onde é que lhes damos a formação? As idéias não podem ser passadas abstratamente: não podem! Só se passa uma idéia por meio da vida. Falou-se antes de “idéia-força”. Uma idéia-força é uma idéia que entra em comparação viva com o interesse pelas coisas, com o interesse que as coisas nos suscitam.
Não fiz esta premissa por fazê-la, mas porque foram realmente estas as preocupações e angústias que determinaram a fisionomia daquilo que tentamos fazer.
Gostaria agora de resumir em duas grandes diretrizes metodológicas a organização daquilo que tentamos fazer.
Tornar a Igreja presente em cada ambiente
Em primeiro lugar, o Reino – foi dito antes – não in persuasibilibus humanae sapientiae verbis sed in potentia Spiritus, o Reino de Deus não se desenvolve por obra nossa, mas pela força de Deus. Não há comensurabilidade, a comunicação do Mistério não pode ser medida pela nossa obra, pela nossa obra natural, enquanto obra humana. Ora, como é que essa força de Deus age no mundo? Por meio de Jesus Cristo. Mas não o Jesus Cristo, o homem, de dois mil anos atrás: o Cristo total, ressuscitado, Cristo em seu corpo místico, a Igreja. Portanto, é por meio da presença da Igreja enquanto tal que o cristianismo se difunde. Por meio da presença da Igreja enquanto tal: é preciso tornar a Igreja presente em cada ambiente. Mas a Igreja não é o indivíduo que crê em certas coisas e que aos domingos vai a sua paróquia exercer determinadas funções. A Igreja é mais do que isso! A Igreja, para estar presente num ambiente, tem de traduzir, encarnar, encarnar nesse ambiente as suas características, que podem ser resumidas, metodologicamente, nestas duas: primeiro, a união, a unidade, uma unidade sensivelmente expressa, uma comunidade, uma comunidade dos cristãos naquele ambiente; segundo, uma comunidade ligada ao Bispo, conduzida com autoridade.
Eu disse que gostaria de resumir nesses dois critérios, do ponto de vista metodológico, a diretriz que deve ser assumida. Porém, eu tomaria a liberdade de chamar a atenção de vocês para o valor do primeiro: o cristianismo é uma nova vida, é uma outra maneira de viver, ou seja, de perceber, de julgar, de sentir, de reagir, de manipular as coisas; é uma outra forma de vida, é uma outra maneira de viver, não individual, mas essencialmente comunitária. Por isso, o fato de a Igreja estar presente num ambiente significa que, nesse ambiente, a comunidade dos cristãos, enquanto vida, está presente; significa que os cristãos vivem a vida daquele ambiente, a vida inteira, lealmente, até o fundo, até as nuanças, que vivem os interesses que constituem aquele ambiente, mas de um outro ponto de vista; enfim, significa que pode existir no mundo esse outro mundo. Posso até ser “integrista”, mas gostaria que me demonstrassem que não é assim: até hoje, as objeções ainda não me convenceram.
É preciso que um pedaço da Igreja esteja presente no ambiente, é preciso solicitar aos cristãos que fiquem juntos para viver de um ponto de vista diferente, de uma forma diferente os interesses que preenchem, que formam a trama da vida desse ambiente. “Juntos”, pois esse “juntos” é essencial para que uma pessoa seja cristã. Mesmo que haja um só numa escola, sua atividade só será testemunho na medida em que tender a exprimir-se em comunidade e em que ele estiver todo voltado à expectativa de que a graça de Deus lhe dê outras pessoas com as quais se juntar. Do contrário, teríamos posições socialmente evoluídas, psicologicamente astutas e asceticamente robustas, porém não ainda tipicamente cristãs.
Eu falei de como começamos e de como sempre procuramos começar, ou seja, chamando a atenção dos jovens – daqueles que se dizem cristãos e daqueles que querem julgar se devem continuar a ser cristãos –, justamente para torná-los capazes de julgar objetivamente o cristianismo, para isto: “Fiquem juntos, fiquem juntos sob a direção da autoridade estabelecida pelo Bispo, para procurar viver juntos, sob essa autoridade, todos os interesses de que é feita sua vida de jovens estudantes”.
Este é o critério que procuramos seguir: que sejamos modelados o mais possível pelo método que a Igreja usa e torna obrigatório. De fato, por que a Igreja criou a paróquia? Não foi Jesus Cristo, com os apóstolos, quem criou a paróquia! Por que a Igreja o fez? Por essa mesma lei: para encarnar o mistério dEle no ambiente em que o homem vivia. Se a mobilidade da organização social faz com que varie o conjunto, o contexto de influência sobre o indivíduo, é preciso que varie também o tipo de ação, a maneira de a Igreja interagir com a vida. Na Itália, por exemplo, onde o indivíduo ainda está muito ligado ao âmbito familiar, a paróquia ainda é muito sólida; mas em outros países, onde as coisas são diferentes, há uma animosidade muito maior contra a paróquia. Contudo, nós também defendemos a paróquia por uma utilidade que ela tem: do contrário, não seria mais uma disponibilidade de nossa parte, e a lei não seria mais feita para o homem, mas o homem para a lei.*
(traduzido por Durval Cordas)
*continua no próximo número