Alessandro Riccetti

“Eis quem era o nosso amigo Alessandro”

Morreu na tragédia da avalanche ocorrida na Itália. Um mês antes, na Escola de Comunidade, disse: “Como faço para estar pronto se o Senhor tivesse de chamar-me de repente?”. Aquela pergunta ficou no coração dos amigos de Terni

Entre as vítimas do Hotel Rigopiano está também o nosso amigo Alessandro. Há pouco mais de um ano tinha sido admitido como recepcionista, depois de experiências de trabalho também no exterior. Quando não se encontrava fora de Terni por motivos de trabalho, ia à Escola de Comunidade (EdC) num dos vários grupos da cidade, dependendo do dia.

Numa noite de dezembro, inesperadamente, veio a um destes grupos, sem que ninguém soubesse previamente da sua presença. Depois de algumas intervenções, contou como no trabalho não tinha feito particulares amizades e como sentia muito a nossa falta. A sua preocupação era a de poder viver com plenitude a experiência à qual a Escola nos chama constantemente.

“Como faço para estar pronto se o Senhor tivesse de chamar-me de repente? Mas como faço sem vocês, como faço para não esquecer, para não viver distraído?”. Diante destas interrogações tão profundas, ficamos todos um pouco perplexos, mas desafiados pela sua posição. A noite prolongou-se, abriu-se um diálogo a partir da sua provocação e cada um contou como era surpreendido ao “encontrar Cristo” no quotidiano: no olhar do filho, mais do que no trabalho, no diálogo com um cliente. No final foi tangível um fato: regressou a casa diferente de como tinha chegado. Parecia mais sereno, confortado, também porque relera a uma nova luz algumas circunstâncias dos últimos dias, dando-se conta de aspectos que lhe tinham escapado.

Alguns agradeceram-lhe por nos ter lembrado coisas que demasiadas vezes damos por adquiridas e sugeriram-lhe retomar o texto da EdC nos momentos de solidão ou até telefonar a algum de nós. E pensar que naquela noite não era para ter havido encontro; o grupinho era composto por dez pessoas e algumas tinham comunicado a sua ausência, porque estavam doentes. Seguira-se uma rápida troca de mensagens entre uns e outros, que depois de algumas hesitações decidiram realizá-la de qualquer maneira. Se não tivesse ocorrido, ninguém teria avisado Alessandro, porque ninguém sabia que ele vinha: ele teria ido e teria encontrado a porta fechada. As coisas passaram-se como se tinham de passar; Alessandro naquela noite tinha de estar ali, com um punhado de amigos, porque se preparava para levar ao cumprimento a sua viagem em direção ao encontro mais importante da sua vida, porque é mesmo verdade que onde dois ou três estão reunidos em Seu nome, Ele está no meio deles. E aquelas pessoas tinham sido chamadas ao encontro, mesmo sem saber de nada, para acompanhá-lo ao seu destino e receber a graça daquilo que, a alguém, pareceu ser o seu testamento espiritual. O fato de que aqueles amigos fossem diferentes a cada vez é sinal inequívoco de que aquilo que o atraía era a unidade que aquelas pessoas lhe testemunhavam, dada por Aquele que as tinha posto juntas e de que qualquer que fosse o grupo, a cada vez, era, todavia, um regresso a casa, ao lugar onde deixava um pedaço do seu coração, ao lugar do seu encontro com Cristo, que é para sempre; e isso para ele era claro, ainda que no meio de mil dúvidas e perplexidades.

No dia seguinte, convidado para um encontro na universidade, apresentou-se pontualmente, ainda que depois, vencido talvez pelo cansaço, tenha dormido durante grande parte do tempo; mas estava presente e queria estar presente, para permanecer ligado àquela amizade de que tinha necessidade para viver. No dia seguinte ainda, desmarcou um encontro para vir à missa da comunidade. Foi a última vez que o vimos.

Na primeira tarde do dia em que tudo se cumpriu, Alessandro enviou a um outro grupo de Escola de Comunidade, através do whatsapp, algumas fotografias tiradas no próprio Hotel Rigopiano, submerso pela neve. As imagens eram acompanhadas por esta mensagem “Rapazes estou no hotel, sepultado pela neve. Rezem. Rezem”. De ficar sem respiração. Outro sinal de que a sua vida estava para chegar ao cumprimento e que tudo estava pronto para aquele momento. Aquelas palavras permanecem esculpidas no nosso coração e ao relê-las hoje aparecem como um claro convite a rezar por ele, ainda agora.

Impressionantes as palavras do Papa, pronunciadas na audiência de Quarta-feira, 25 de janeiro, dia no qual chegou a notícia de que o Alessandro não tinha escapado: “Caros irmãos e irmãs, não coloquemos nunca condições a Deus e deixemos antes que a esperança vença os nossos temores. Confiar em Deus significa entrar nos seus desígnios sem nada pretender, aceitando também que a sua salvação e a sua ajuda chegam até nós de um modo diferente das nossas expectativas. Nós pedimos ao Senhor vida, saúde, afetos, felicidade; e é justo fazê-lo, mas na consciência de que Deus sabe tirar vida mesmo da morte, de que se pode experimentar a paz mesmo na doença, e de que pode existir serenidade mesmo na solidão e bem-aventurança mesmo no pranto. Não somos nós que podemos ensinar a Deus aquilo que deve fazer, aquilo de que temos necessidade. Ele sabe-o melhor do que nós, e devemos confiar-nos, porque os seus caminhos e os seus pensamentos são diferentes dos nossos”.

No momento da última despedida, a mãe agradeceu a alguns dos seus amigos. Convidou-os a não se deixarem abater, a cumprir sempre os seus deveres, porque, como lhes recordou, “apesar de tudo, a vida é bela”. Iluminada por uma fé tão certa e madura, a sua dor parecia composta e não desesperada e o ar parecia estranhamente leve.

Assim que saímos do cemitério, alguém propôs nos vermos em breve para partilhar a experiência que naqueles dias tinha envolvido alguns de nós. “Encontramo-nos em nossa casa amanhã à noite depois do jantar?”. “Porque não em minha casa para o jantar?”. Pode ser jantar. Não importa o espaço físico, cada lugar onde estamos é a nossa casa, onde tudo começou e onde tudo recomeçou há duas noites, na recordação de Alessandro e na dor pela sua morte. Unidos no Seu nome, como lhe agradava.

“Gosto de pensar que o Alessandro, no hall do Paraíso, na companhia de Jesus, continua o seu serviço gentil e competente, multilíngue de acolhimento” disse o Bispo de Terni, Dom Giuseppe Piemontese, durante o funeral. No grande hotel onde foi preparado um lugar para cada um de nós, para contemplar o grande mistério de Deus. Pela eternidade.

Os amigos de Terni