Argentina. Beethoven na prisão

A carta de Javier, que fala da oração, da graça, da beleza e da cultura que transformaram seu ambiente de trabalho e a relação com os presos e os guardas, rostos amigos dentro da prisão

Trabalho há 14 anos no sistema penitenciário da Argentina. Conheci muitas prisões e em todas vi o mesmo: violência, dor, angústia, morte e às vezes, muito poucas vezes, esperança. A brutalidade com que se vive, atualmente, em nosso sistema penitenciário leva muitas pessoas a ter vícios, problemas familiares e excessos. Tive a graça, não a sorte, de conhecer a experiência de CL. Graças a ela, aprendi o valor da beleza, da cultura e, sobretudo, aprendi a seguir Cristo. Um dia, antes de entrar no trabalho, muito cedo, em meio à escuridão de uma prisão onde nada é bonito, pensei: «Senhor, tenho medo, não tenho forças para estar onde me pedes, mas se por alguma razão que não entendo precisas de mim aqui de novo, ajuda-me, dá-me a tua força». Enquanto rezava, as palavras de Dom Giussani que tinha escutado na Escola de Comunidade me acompanhavam: «A beleza se fez carne, a verdade se fez carne». E pensava: o que posso fazer de belo aqui? O que uma prisão pode ter de belo? Mas um dia um preso me pergunta: «O que é essa música que você está escutando, "professor"?». «Beethoven. Sabe quem ele foi? É música clássica». «Não. Como é que eu vou saber quem foi Beethoven?». Então eu comecei a lhes explicar o pouco do que sei sobre música clássica. E os presos me perguntam: «O senhor é religioso?». «Sim», respondo. «E que música escuta?». Fui ao YouTube e coloquei a Ballata dell’amore vero de Claudio Chieffo. «É em outra língua!», mas enquanto a música tocava eu a ia traduzindo e eles escutando em silêncio. «Para nós é imposível amar como Deus nos ama, entendem?», disse a eles. Ficaram calados. Logo fui trabalhar em outro lado e deixei um deles no depósito. Ao voltar, estava o preso em silêncio escutando novamente a música. Você se dá conta? São assassinos numa prisão trabalhando e escutando música! Isso me levou no dia seguinte a buscar essa ponta de esperança na prisão. Uma colega no meio do corredor disse a outros: «Olhem como ele caminha, deve ser o único cara feliz neste lugar...». Eu ria disso, mas não podia deixar de desejar ainda mais esta graça. Comecei a tentar mudar concretamente esses ambientes sombrios, danificados, velhos, escuros e podres. Comecei a pintá-los, enchê-los de luz, decorá-los com plantas. «Mas você, por que faz isso?», me perguntavam os guardas de segurança vendo-me entrar com plantas em uma penitenciária. Até que houve um que se aproximou de mim e me disse: «De verdade, por que você faz isso, qual é a sua motivação?». Era um que eu via frequentemente cabisbaixo, sempre em silêncio. «Vem, me acompanha», disse a ele, e tirei da minha mochila a revista Huellas, entreguei a ele e acrescentei: «Daí sai a minha motivação, leia e depois falamos». Com este guarda mudou a relação de trabalho. Agora é um rosto amigo dentro da prisão.

Javier, Argentina