Liverpool

Liverpool. «Você só tem que abraçar a realidade»

O presente inesperado de alguns amigos e a possibilidade de ir juntos à Escola de Comunidade. Um novo trabalho que reabre a ferida dos filhos. A Jornada de Outubro e essa necessidade que se faz sentir

Este ano, uma amiga espanhola que mora em Liverpool quis me dar um presente de aniversário. Juntamente com seu marido e seus três filhos, eles convidaram os meus filhos, Ricky e Gio, para jantar, para que eu e o meu marido pudéssemos sair sozinhos para comemorar. Fiquei realmente surpresa e comovida por esse presente inesperado. O meu aniversário era no sábado e na sexta retomamos a Escola de Comunidade após as férias. Eu tinha muita vontade de ir porque normalmente fico em casa com as crianças e é o meu marido quem vai. Em vez disso, desta vez, aproveitamos a oportunidade para irmos juntos.

Terminada a assembleia, fomos à casa dos nossos amigos para buscar as crianças. Não sei por que (talvez porque estivesse especialmente feliz depois da Escola de Comunidade), mas embora fosse bastante tarde – sexta à noite, quando normalmente só se tem vontade de “desligar tudo” e pensar em como aproveitar o fim de semana – nossos amigos nos disseram: «sentem-se e contem-nos sobre a Escola de Comunidade». Eles conhecem CL, na Espanha têm familiares do Movimento e têm livros sobre Dom Giussani, Piccinini e Nembrini... Nós vamos à mesma paróquia e compartilhamos nossa vida cotidiana e o nosso desejo de crescer na fé. Mas às vezes eles parecem ser mais do Movimento do que eu.

Nessa noite, redescobri o impacto que a Escola de Comunidade tem sobre a minha vida. Redescobri o meu desejo por ela, graças à experiência e ao lugar que ela representa. Nessa noite, fiquei especialmente agradecida e feliz por poder compartilhar outro fato importante: depois de sete anos, começava um novo trabalho como professora de apoio em uma escola primária com crianças autistas. Os meus filhos também foram diagnosticados com autismo e eu nem sequer podia imaginar que de uma ferida tão profunda e dolorosa pudesse nascer algo positivo.

Nestes anos, recebemos grandes coisas, muitos dons. No ano passado fiz um curso universitário para ser professora de apoio. Fiz estágio numa escola como voluntária e, no final, eles me ofereceram trabalho. Em julho, meu supervisor disse: «Você vê coisas que nós não vemos». Não porque eu tenha visões, mas porque não podia deixar de olhar para essas crianças da mesma maneira que me ensinaram a olhar para as minhas. Na realidade, não fazia nada particularmente perspicaz ou inteligente. Eu simplesmente gostava do que fazia e as crianças eram fantásticas.

Em setembro, quando comecei a trabalhar, senti o verdadeiro peso da responsabilidade. Esperava demais de mim mesma, como se tivesse que provar a eles que eu era a pessoa de que eles precisavam. Depois da primeira semana, já não aguentava mais, sentia-me completamente invadida por uma sensação de inadequação, incompetência. Tinha me perdido porque, em vez de olhar para as crianças, estava olhando para mim mesma, e não gostava do que via. Mas também nessa ocasião apareceu uma amiga que me ajudou a entrar nos trilhos. Ela me disse que essas crianças também sentem a mesma inadequação quando veem que espero deles algo que não conseguem fazer, ou quando não os olho como um dom, mas sim segundo uma imagem que tenho em mente. Isso mudou a minha forma de trabalhar com as crianças e com os meus colegas. Mas, acima de tudo, agora me sinto livre. Estou gostando do que faço cem vezes mais e todo dia é uma surpresa.

A Jornada de Outubro sempre tem um certo impacto em mim. Todos os anos eu a espero, desejo um novo início, um novo ponto de partida para julgar a experiência, para viver a realidade. E as minhas expectativas nunca se veem frustradas. No ano passado, dois amigos de Milão vieram nos ver em Liverpool, e ficaram com os nossos filhos para que pudéssemos ir os dois à Jornada de Outubro. Foi incrível. Neste ano, mesmo tendo recebido o texto do encontro em Milão poucos dias após este ser realizado e depois de lê-lo, também fui à Jornada em Londres. Precisava ver os meus amigos, ver seus rostos, mesmo que fosse por apenas dez minutos. Mais uma vez, tudo foi mais do que eu podia esperar. Não só pude ver os amigos e o que o Senhor está fazendo em suas vidas, mas tive a oportunidade de escutar Dom Giussani e o que Luca nos disse na homilia, que a oração do Pai Nosso contém já tudo o que precisamos. De modo que quando dizemos «o pão nosso de cada dia nos dai hoje», estamos pedindo a realidade, a nossa vida diária, os lugares onde podemos encontrar e reconhecer Cristo e tudo o que Ele faz.

Este chamado ao essencial mudou o meu ponto de vista: já tenho tudo, não tenho que fazer outra coisa além de abraçar “o nosso pão de cada dia”, essa realidade que é a minha própria vida. Nem sempre é fácil porque todos nós temos nossas feridas e nossos dramas. Mas nunca estive sozinha. Ele sempre está presente, me espera e acontece para mim. Por isso sou convidada a responder à pergunta: «Quem é autoridade para mim? Quem é essa presença na minha vida onde Cristo vence?». Agora posso dizer que o meu filho Ricky é autoridade para mim. A presença dele me obriga, no bom sentido, a aprofundar o meu relacionamento com Cristo e pedir tudo a Ele. Quem és Tu que me amas, a mim, ao meu marido e aos meus filhos desta maneira total e única? Quem és Tu que me fazes capaz de amar a mim mesma, a minha vida e cada coisa deste mundo? O modo no qual Deus nos faz é libertador. Não preciso ajustar nem mudar nada, só abraçar, porque tudo é dado com um motivo: para que o meu coração possa ser sempre mendigo d’Ele.

Loredana, Liverpool (Reino Unido)