O despertar de Aimara

O que significa «responder ao Senhor através das circunstâncias» e «viver a vida como vocação»? Uma revisão da vida em quarentena, ocupada com o trabalho e a família, à luz das provocações do eBook sobre a pandemia. Carta de Caracas

Ao ler O despertar do humano, eu estava preparada para encontrar elementos que me ajudassem a ver a realidade como aliada. Este ponto, que em meus primeiros passos no Movimento tanto me surpreendeu, hoje se tornou o principal instrumento no amadurecimento da minha fé. Não considerar nada óbvio e entender que a dificuldade «é o lugar em que se dá a realização da vida» me faz olhar a realidade com outros olhos. No entanto, ao continuar avançando no texto, o que realmente me surpreendeu foi ter me deparado com o tema da vocação.
«A maior contribuição que nós damos ao mundo é o nosso “sim” ao chamado do Mistério, o nosso “sim” a Cristo, a fé, e não primeiramente o que conseguimos fazer».

No início da quarentena, tive intensas conversas em relação ao fato de trabalhar ou não em meio às circunstâncias que estávamos vivendo. Em um primeiro momento via isso como um exercício de fuga. Uma maneira de se manter a salvo da realidade. Isso me incomodou muito porque aqueles que queriam escapar pretendiam me obrigar a continuar quando eu só queria parar para fazer silêncio, ler e rezar.
Um dia, tive a oportunidade de conversar com uma amiga médica, que me confessou a sua frustração por não estar fazendo mais nada além de se resguardar em meio a uma emergência sanitária. Quando entendi o forte chamado que ela sentia de fazer algo, não como um mecanismo de fuga, mas como um genuíno desejo de aportar seu grão de areia em meio às circunstâncias, entendi que o meu argumento não era inteiramente válido.

Houve momentos em tive a sensação de que não me importava ficar sem trabalhar porque, definitivamente, não concordava com o rumo que as coisas estavam tomando ou porque simplesmente não estava de acordo em prosseguir. Aí eu me perguntei: por que não sinto o mesmo desejo e compromisso em trabalhar que a minha amiga? Eu me vejo trabalhando em outra coisa? Será que isso não é para mim? Mas, ao retomar o meu trabalho, eu o fiz com o mesmo gosto e disposição de sempre.
A esta altura, penso que as circunstâncias não estavam lá para colocar à prova a minha vocação profissional, mas para dar o justo valor à minha vocação familiar. Sou uma mulher que trabalha, que sempre gostou de trabalhar, sendo eficiente no que faço e gerando renda. Talvez o que eu precisasse compreender era o verdadeiro valor da minha família na minha vida.
Falando com a minha amiga médica, chegamos ao ponto de que as vocações, aparentemente, por natureza, não eram simples, porque, caso contrário, não poderíamos dar a elas o seu justo valor. Se tudo fosse fácil, não haveria perguntas, não haveria decisões, não se precisaria tirar um juízo sobre as coisas. Eu, da minha parte, comentava com ela o quão difícil tinha sido o meu casamento e como, depois de sete anos, ainda estávamos juntos e que, a esta altura, considerávamos que tudo o que tínhamos vivido tinha que ter acontecido precisamente para entendermos que esta era a nossa vocação: ser família.

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Quando a minha filha ficou doente, ficou claro para mim que não havia nada mais importante que ela, não importava o tempo nem o dinheiro, nem o meu descanso, nem as minhas obrigações. Estive disposta a sacrificar tudo por ela e até cogitei em deixar o meu trabalho, se fosse necessário.
Então, com o prolongamento do período da quarentena e diante das complicações complementares resultantes dos altos preços, escassez de gasolina e, consequentemente, dificuldade de locomoção, surgiu uma solução que, em outras circunstâncias, não estaria jamais entre as minhas opções: nos mudarmos para a casa da minha sogra para passar juntos a quarentena nos ajudando e nos acompanhando.
«Viver a vida como vocação significa tender ao Mistério, através das circunstâncias pelas quais o Senhor me faz passar, respondendo a elas».
Se as circunstâncias não tivessem se complicado tanto, tenho certeza de que eu não teria dado este “sim”, este “sim” à minha vocação para o casamento. Os meus critérios, as minhas exigências e as minhas condições teriam prevalecido e eu teria perdido a oportunidade de nos ver surpreendentemente felizes por estar juntos.

Sou grata por estar «companhia humana» que me sustenta e me ajuda, mesmo sem saber, no meu caminhar rumo ao meu destino.

Aimara, Caracas (Venezuela)