Padre Pigi Bernareggi (foto de Kika Antunes)

O meu “início” com Pigi

Dino Quartana, dominicano em Paris, fala de seu encontro com o missionário que faleceu recentemente, e da chegada de Dom Giussani no “Primeiro E” do Liceu Berchet. «Foi uma amizade misteriosa. O que ele vive agora, já vivia antes»

Quase sempre dividíamos o mesmo banco, do ensino médio até a formatura. Morávamos perto e, muitas vezes, quando eu tinha problemas na família, ia passar um tempo na casa dele. Ele tinha uma casa bonita e rica, com uma bela mesa de ping-pong. A primeira coisa que me marcou, e de forma certamente determinante, foi um acontecimento na aula. Era a aula de Ciências e havia uma grande confusão, todos estavam conversando, e a professora brava implicou com ele (acho que até lhe deu uma punição). Mas o Pigi era o único que não estava conversando! Por que não disse isso? Por que não se defendeu? De onde ele tirava essa liberdade? Até hoje esse episódio fica na minha mente e no coração.

Estávamos juntos no famoso “Primeiro E”, onde Dom Giussani deu sua primeira aula. Ele (que tem uma memória de elefante) escreveu o relato detalhado daquela primeira aula, eu tenho só uma vaga lembrança. Eu, antes do Pigi, me interessei muito por Dom Giussani e comecei a frequentar o grupo e, um dia, convidei o Pigi para uma reunião. Daqui a lenda (escrita por ele) de que o levei para GS.

Depois me afastei por muitos anos, pois me aliei aos grupos sociais-liberais-revolucionários. Comecei Arquitetura, devia ser o primeiro ou segundo ano. Um dia encontrei o Pigi, que me perguntou onde eu planejava passar as férias... «Nada de mais.» Ele me propôs uma semana com GS em Madonna di Campiglio. Se há algo que posso chamar de «acontecimento», «encontro», foi aquela semana. Ali encontrei uma vida, uma vida que me atraiu. Mais ainda do que as palavras de Dom Giussani, era o conjunto da vida toda: oração, passeios com Pe. Vanni, espetáculos à noite.

Quando me perguntam hoje como foi que me nasceu a vocação, penso naquela semana. A partir daquele momento começou a minha vida em GS. Uma grande mudança foi abrir mão de andar de esqui no fim de semana para ir à Bassa (o Pigi também era um grande esquiador, chegamos a fazer uma bela corrida juntos). Até hoje sonho com o esqui, que foi a coisa mais gostosa da minha adolescência.

Um belo dia o nosso Pigi me perguntou: «O que você quer fazer da vida?» «Mas... E eu lá sei?» «Tente vir à noite a uma das reuniões que fazemos com Dom Giussani, reuniões chamadas “da verificação!... Secretíssimas!» Encontrei muitas pessoas... De lá saíram padres, freis, irmãs, pais e mães de família e muito mais. Depois aconteceu o encontro com o Pe. Cocagnac numa noite de cantos bíblicos. Cocagnac era o diretor da importante revista Art sacré, na origem da renovação da relação entre Igreja e arte moderna na França.

Assim, num dia de novembro de 1962, parti para a França, com muita dor por deixar os amigos e com muita inconsciência, para começar todos os estudos dominicanos. Desde então, conversei muito pouco com o Pigi, embora nos sentíssemos muito unidos, e embora eu sempre achasse que a vida dele fosse infinitamente mais séria, mais evangélica, mais pura, mais santa do que a minha.

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Em 2008, tive a graça de poder passar alguns dias com ele na casa do nosso grande amigo Ivo Bonapace em Pinzolo, na reunião anual dos amigos brasileiros da associação Padre Virgilio Resi – também estavam o Pe. Romano Scalfi, bispos italianos no Brasil e muitos outros amigos. Estávamos juntos, mas falávamos pouco, exceto numa linda noite de testemunhos. Pigi e eu conversávamos pouco, não nos escrevíamos, mas eu sabia o que ele fazia e ele sabia o que eu fazia. Uma amizade misteriosa.

Quase não consigo ficar triste, porque sinto que o que ele está vivendo agora, já vivia antes.

Dino Quartana, Paris