Andressa

Dor e beleza que andam juntas

Com a doença e a morte de Andressa, uma grande amiga, uma Fraternidade jovem de São Paulo viveu a consciência de um milagre que recupera o sentido de tudo: a vida dela, a amizade, o sofrimento e o olhar marcante

No período pandêmico em que vivemos, é como se existisse uma lupa de aumento em cada experiência vivida. Tudo se torna urgente. E a busca pela Beleza se torna necessária para que possamos viver a realidade de uma maneira menos dura, mais intensa e bonita. Aos poucos vamos entendendo como a vida realmente acontece, compreendendo que na experiência nada é excludente, tudo faz parte de um Acontecimento.

Somos oito amigos que viveram e vivem juntos uma experiência de dor e de beleza, e sabemos que essa experiência não é passageira, é algo que ficará marcado para sempre. Nossa história começa em abril do ano passado, quando tomamos a decisão de viver a fé cristã juntos em um grupo de Fraternidade de Comunhão e Libertação. Todos ainda sem entender bem como isso funcionaria, a passos lentos, e com o desejo de que ali poderia existir um caminho para a Vida. Daquele momento em diante, todos os encontros eram marcados por uma sintonia muito grande do desejo pela vida, dos questionamentos que a realidade nos trazia, das incertezas e principalmente das certezas. Começamos também a rezar juntos diariamente de forma virtual, já que estávamos no meio da quarentena, no ápice de casos de covid-19 em São Paulo.

Em menos de dois meses fomos surpreendidos com a notícia de que uma fraterna, nossa querida amiga Andressa, não estava bem de saúde. Mais tarde os exames apontaram para o diagnóstico de leucemia. Os médicos responsáveis informaram que a doença foi descoberta logo no início, e que os tratamentos já iam ser iniciados, não havendo a necessidade de uma preocupação excessiva. A partir de então, oferecemos como gesto a oração diária do terço, colocando como intenção seu tratamento e sua recuperação.

Andressa (embaixo) no Zoom com alguns amigos

Andressa conheceu o Movimento através do padre Aurélio e de Angélica Riello com quem fez o curso de Crisma, na Vila Matilde, Zona Leste de São Paulo. Viveu então a experiência dos Colegiais, seguida do CLU (universitários de CL). Sua vida na universidade era sempre rodeada de amigos e eventos. Andressa se formou em Turismo pela Universidade de São Paulo e desde o início do seu curso envolveu-se também com a experiência da empresa Júnior e com a bateria da universidade. Nos últimos anos dedicou-se pela área da hospitalidade, e meses antes do seu diagnóstico havia começado a trabalhar no Hospital Beneficência Portuguesa. Seu desejo era estar próxima das pessoas nos momentos de maior dor, de maior tristeza, tornar a experiência de pacientes internados melhor. Estar perto das pessoas de forma livre era uma característica que a acompanhava e que inspirava outros amigos.

Na descoberta da doença, todos nós tínhamos apenas um pensamento: como ajudar nossa amiga a passar por isso? Como eu posso ser e estar presente para ela? Naturalmente foram surgindo ideias, como levar flores para tornar a estadia no hospital mais agradável, enviar músicas que ela gostaria de ouvir, ou filmes, e até mesmo gravar um vídeo de cada um do grupinho da Fraternidade em que nós sete cantávamos uma de suas músicas favoritas, Eu vou, do cantor e compositor Tim Bernardes. Um dos seus versos preferidos era: «Vou correr na direção daquelas tantas coisas lindas que eu anseio».

Nossa amiga gostava de estar rodeada da família e amigos, com quem desfrutava da juventude com a liberdade de ser quem ela era. Gostava de ouvir música, ver filmes, documentários sobre a Segunda Guerra, amava ler e estudar sobre literatura russa, e nos últimos meses dedicava-se a aprender um pouco mais sobre o tema em curso on-line. Era conhecida por ter “olhos de boneca”, de expressão forte, olhar atento e penetrante, que quando te fitavam transmitiam o interesse por você.



Em uma rede social, terminada a primeira fase do tratamento, nossa amiga disse: «Deus sempre foi muito bom comigo e agora não é diferente, não tenho dúvidas. Saio hoje do primeiro desafio dessa jornada com a certeza de ser olhada e amada a todo momento por Ele e pelos anjos da Terra – alguns que conheci no último mês! –, que não me abandonaram em nenhum instante». Para aqueles que conheciam a Andressa, era sempre muito surpreendente a forma como ela acreditava e confiava em Deus, confiança que vinha de uma tranquilidade e de uma certeza sem tamanho. Conforme íamos nos tornando mais íntimos e atentos sobre quem era a Andressa, mais se tornava evidente que a vida dela era e é um Mistério para todos nós.

Nesse período houve dias bonitos, dias em que comemorávamos pequenos avanços, em que agradecíamos por conseguir ver ou ouvir nossa amiga. Era comum que ela nos acompanhasse nas orações noturnas e nos apresentasse aos enfermeiros de plantão. Houve também dias difíceis, que contemplavam todas as dores existentes, escancarando a fragilidade da nossa vida e tornando a dor da finitude do ser mais latente em nossos corações. As dificuldades do tratamento fizeram com que as intenções das orações fossem se tornando pedidos pelo milagre da cura. No entanto, um milagre já estava acontecendo pelo dom da vida da nossa amada amiga e pela paz e serenidade com que ela viveu tudo. Andressa agora já contempla o rosto de Cristo, faleceu no dia 19 de janeiro, um mês antes de completar 25 anos. Ela partiu e nos deixou um desejo ainda mais profundo de continuar a «apontar para a fé e remar», como era seu conhecido lema.

Em nós fica a certeza de que ela nos acompanha e intercede por nós junto ao nosso Pai. Diante da dor, percebemos que agora temos uma amiga que nos guia com sua Autoridade; nos mostra como é ter uma confiança plena e tranquila no Destino. Ter uma amiga assim nos faz olhar e viver a dor com o desejo de beleza, com o desejo de enxergar os detalhes. Como é bonito e especial ter uma amizade assim. A vida da Andressa nos ajuda a compreender que a dor e a beleza andam juntas, e que a finitude da vida não é o fim.

Catarina Barreto, João Tarifa, Juliana Carolina, Karen Rocha, Madalena Machado, Thiago Landim e Ricardo de Oliveira