Foto Unsplash/Lacie Slezak

O vestibular e os novos amigos “de papel”

Um exame estranho também este ano, feito meio presencial e meio on-line. Entre o conformismo de quem diz «fique tranquila, a saúde é tudo, pense no seu futuro» e um desejo de plenitude que não deixa dormir à noite…

A ocasião, quero crer que fortuita, oferecida pela pandemia foi como um convidado inesperado que, tirando o chapéu, começou a me olhar direto nos olhos. Alguém que chegou sem convite e decidiu sentir-se em casa e vasculhar os meandros das gavetas fechadas há tempo, cujas chaves eu nem lembrava mais onde estavam guardadas. Um homem que, sentado à mesa, te olha e te chama pelo nome, desafiando ao duelo mais duro de todos: a vida. A isso que, à primeira vista, parecia um mal que não permitiria nada de bom, acrescentou-se também uma alegre amiga que espera todos os formandos: o vestibular.

Um vestibular diferente também este ano, suado entre as carteiras escolares e o teclado de um computador, que responde aos inputs sem nunca perguntar-se nada. Um nada que se tornou estranhamente atraente num momento em que, diante da minha angústia e da minha inquietude, a única resposta dada a mim pela professora e pelos colegas foi: «Fique tranquila, vai passar. Pense em estudar e ficar bem. Porque quem tem saúde tem tudo».

Por mais que tenha tentado apagar e extirpar essa sensação, ela não sai de mim. Sempre que me repetiam que «quem tem saúde tem tudo», o sangue me fervia nas veias. Porque a saúde eu tinha, era o tudo que me faltava. E ao dar o passo em falso de cair no conformismo dos lugares comuns e dos tapinhas nas costas, eu estava pouco a pouco perdendo-me, tornando-me uma “adormecida”. Da mesma forma que quem vive só visando ao amanhã, ao “futuro (que, aliás, dá um medo danado). Só que eu não me encaixo nesta mentalidade e neste frenesi mecânico.

Um trabalho seguro, a melhor universidade ou um salário garantido não me adiantam de nada. No entanto, eu continuava ouvindo que a escola serve para a faculdade, a faculdade para o master, o master para o trabalho, o trabalho para sustentar a família… E depois? O que vem? Será que realmente há um lugar para quem, diante de uma perspectiva assim, para e se pergunta “por quê”?

E com tudo o que estava acontecendo e continua a acontecer, será que a vida pode renascer de verdade, recomeçar? Perante a dor silenciosa de uma pessoa amada, a luta de um pai que se empenha pela família esperando a volta do trabalho, uma mãe que se desdobra por amor… Como conformar-se com “estar bem”?

Pode bastar mesmo a nota máxima do vestibular ou um projeto de vida arquitetado com cuidado para satisfazer o desejo de beleza que nos faz rolar na cama toda noite? Se pudéssemos tapar os olhos e suprimir a alma, responderíamos que sim. Se pudéssemos trancar em lockdown ao nosso desejo, talvez pudéssemos deixar que tudo se nivele e fingir que não desejamos nada de grande.

Os meses de preparação para o vestibular, neste último ano tão particular, me demonstraram inequivocavelmente que é impossível para o homem deixar de esperar, desejar e tender a algo grande, embora desconhecido. Pois diante da incógnita da vida, do fim da escola, do início de uma nova era, é inevitável pararmos e nos perguntarmos sobre a direção que tomamos e o que desejamos. Vivi esses meses de um jeito incomum e inesperado, com uma grande desejo de plenitude e de vida que, quando se chocava com a decepção de alguns, virava raiva.

Aos olhos dos outros, esse desejo que batia à porta do meu coração toda noite e toda manhã parecia quase uma doença devida ao estresse ou ao cansaço. Mais ou menos como a loucura dos personagens de Pirandello, que na verdade se tornaram grandes amigos, pois mais que loucos pareciam ter encontrado «a chave secreta do mundo», como diria Guccini. O mesmo para Camus, que, apesar de tudo, era tão apegado à vida que chegou a dizer que a verdadeira questão fundamental era entender se ela valia a pena ou não de ser vivida. Como um grande tapa na cara, enfim, que ainda arde e me faz caminhar. O estudo se tornou um recurso imenso, uma lente de aumento para ir a fundo nessa inquietude e nessa ferida que queima sempre. Alguns rostos “no papel” viraram amigos por causa do seu desejo ilimitado, igual ao meu, mesmo que à distância de séculos.

Agora, mesmo enrolada nas dificuldades, sofrendo nas circunstâncias imprevistas, respondendo às batidas enlouquecidas do meu coração, tento aprender a manter os olhos e os ouvidos abertos: nunca se sabe por onde vai chegar o apito de um trem ou o renascer da vida.

Agata, Catânia (Itália)