Foto Unsplash/Facundo Aranda

Quando outra coisa vence

Luca é considerado o “louco da cidade”. Convidado para um jantar entre amigos, viveu aquelas horas sem ansiedade e medo. «Porque o coração funciona. E há um lugar onde nós somos preferidos

Luca (nome fictício) tem problemas psiquiátricos, mora sozinho, em condições higiênicas e ambientais precárias. Por aqui é conhecido como o “louco da cidade”. Há anos algumas pessoas cuidam dele, por exemplo levando-o para almoçar fora uma vez por semana e nas festas de preceito. Mas seus problemas são bastante graves.

Luca tem uma grande paixão pela música e sabe tocar vários instrumentos. Uma noite o encontrei no bar da praça, eu estava chegando de uma festa com amigos e trazia comigo o violão. Ele me perguntou se podia tocar, e ficamos cantando juntos, envolvendo clientes que ainda estavam no bar. Desde então, ele sempre me escreve pedindo para repetir aquele “momento tão bonito”.

Algum tempo depois, convidei-o para o jantar organizado pela Avsi na paróquia. A princípio resistiu («Não fico muito à vontade em alguns ambientes de Igreja»), depois aceitou dizendo que só ia «ficar dez minutos». Luca chegou logo antes de começarmos a cantar, e quando começamos, ele ficou lá no meio de nós, participando com entusiasmo. Tinha a cara feliz e ficou até o fim.

Na saída, ficou repetindo esta frase: «Obrigado, foi uma noite maravilhosa! Durante duas noras não senti ansiedade nem medo». Ficou tão “tomado” pelo que lhe aconteceu, pelo abraço que sentiu, que perguntou a um dos nossos amigos: «Posso lhe telefonar quando estiver mal?» Dessa noite em diante, Luca entra em contato conosco diariamente, várias vezes ao dia.

Duas coisas me marcaram. A gente pode ter um monte de problemas, mas quando sabe que tem necessidade e encontra um lugar que nos quer bem por como somos, a ansiedade e o medo não levam a melhor. Nem que seja só por duas horas. Mas naquelas duas horas outra coisa venceu: a atratividade por um lugar que parece responder – mais e melhor que outros – àquilo que o coração espera. Mais até que os medicamentos (embora indispensáveis). E, já que o coração de todo mundo funciona bem, desde aquela noite Luca nunca mais nos largou.

O que é que nós “fizemos” (e continuamos a fazer hoje)? Nada, a não ser oferecer o pouco que somos, convidando Luca – cujos problemas não se resolveram magicamente – para uma amizade onde nós somos preferidos em primeiro lugar. Uma “ação” que não é capacidade nossa, mas é gratidão por um Amor que nos abraça e está disposto a abraçar qualquer um.

Cristiano