Tiago como voluntário na JMJ

A JMJ e a máquina do tempo

Um universitário reflete sobre a experiência que viveu na JMJ de Lisboa. Ele trabalhou como voluntário na exposição “Querendo, quero o infinito”, sobre Fernando Pessoa, organizada pela comunidade de Portugal, e na recepção de peregrinos no aeroporto

Em Lisboa, de 1 a 6 de agosto, decorreram as Jornadas Mundiais da Juventude, das quais tive a alegria de participar. A cidade sofreu a infestação de milhares de jovens que ressignificaram as suas ruas, os seus pontos turísticos e o seu dia a dia. Convívios, espetáculos de dança, passeios, exposições e eventos de grande escala levaram com que jovens de polos opostos no mundo conhecessem uns aos outros, em encontros inesperados. Por outro lado, no meio de todo o barulho e do excesso de pessoas por metro quadrado, parecia percorrer uma leve brisa, que procurava tocar o coração de todos os presentes. A felicidade genuína no rosto dos participantes combinava com o ressoar das palavras do Papa no sentido de ajudar cada um no seu encontro pessoal com Cristo, em um caminho de descoberta do seu verdadeiro Eu.

Sei que estas palavras podem parecer estranhas, seguramente atemporais. Isto porque, nos dias de hoje, não é normal ser católico. É demasiado arriscado escapar das circunstâncias e tendências deste tempo, de uma sociedade cada vez mais volátil, das aparências, lobby de uma felicidade de supermercado, para aderir à beleza de um acontecimento que teve a sua origem há mais de 2 mil anos. Por que 1,5 milhão de pessoas se deslocariam a Lisboa para ouvir falar um homem idoso, rouco e de cadeira de rodas? Por que se ajoelham perante um mero pedaço de pão? Só podem ser loucos. Atualmente, ser católico é ser louco, ser radical.



Partindo desta mesma perspectiva, nota-se que o evento sofreu muitas críticas. Por que o Estado vai gastar tanto com as Jornadas? Para que gastar sequer? São perguntas válidas, razoáveis de serem feitas e discutidas, muito embora estudos apontem para um enorme retorno financeiro para o país, além da projeção internacional de Portugal como um país global e capaz de abrigar um evento de tão grande escala.

Também se questionou sobre os mais de 4.800 abusos cometidos por sacerdotes em Portugal nos últimos setenta anos. Trata-se de atos praticados por seres abomináveis, que se revestem da Palavra de Deus para agir de uma forma que não poderia estar mais distante desta. É dever de uma geração ativista fazer memória destes factos e cobrar uma postura mais ativa e “imperativa” da Igreja em relação ao assunto.

Mas onde será que está essa geração ativista? Creio que muitos dos críticos em relação ao evento não puderam acessar uma outra ótica, decerto menos popular. O Papa Francisco veio trazer palavras simples e progressistas, para todos os jovens que se julgam fazer parte de uma geração ativista. São palavras que, penso eu, mostram-se capazes de modificar a imagem da Igreja que há muito tempo perdura no imaginário popular: uma instituição velha, engessada, que não responde às questões do presente. Durante os cinco dias que passou em Portugal, o Santo Padre apontou à necessidade do combate às desigualdades sociais, especialmente no acesso ao ensino superior, à emergência de uma ecologia integral, denunciando uma produção industrial irresponsável e imediatista e à uma Igreja universal e acolhedora que aceita Todos (Todos, Todos). Não obstante tantos problemas, veio realçar um ainda mais grave: o facto de que muitos de nós deixamos de ser jovens.

Nos nossos núcleos de amizade, no estudo, em questões políticas, com a família, procuramos teimosamente por respostas a perguntas que nunca foram feitas; perguntas que surgem de qualquer lugarzinho medíocre que não do nosso coração. E nisto nos conformamos, lutando por sonhos artificiais. Passamos então a viver em contínua nostalgia, desejando um futuro que já é passado ou, ainda, um futuro irrealizável; raiz da profunda melancolia que nos assola. Seduzimo-nos pelos nossos confortáveis sofás, nos quais visualizamos o passar da nossa vida através de uma televisão. Assim, em um piscar de olhos, tornamo-nos velhos rabugentos, próximos do deletério fim da nossa vida. Para isso que o Papa alerta: «Preocupamo-nos antes quando estamos prontos a substituir a estrada a fazer por uma paragem em qualquer estação de serviço que nos dê a ilusão de conforto» (Encontro com os jovens universitários).



Junto com todas as suas frases que estão a circular pela internet, surgem reflexões e ensinamentos acutilantes, diante das quais devemos procurar receber de braços abertos, ao invés de fechar os nossos ouvidos a qualquer afirmação que nos incomoda. Se nos incomoda é porque diz respeito a nós mesmos. Dilatando os meus ouvidos, percebi que está na hora de iniciarmos um caminho: largarmos os comandos que nos entregam um conforto pré-definido e deixarmos com que sejamos feridos pela Beleza da realidade, por tudo aquilo que é prenhe de significado. Neste percurso, pode haver percalços, tropeços e acidentes, mas o mais importante é nunca permanecermos caídos. Este é o nosso derradeiro destino: cansarmo-nos, cairmos, levantarmo-nos. Um constante recomeço, mas sempre fora do sofá. E que nunca esqueçamos dos outros, verdadeiros irmãos, já enrugados e cheios de problemas nos joelhos, que permanecem no sofá: precisamos de erguê-los, a fazer memória de que «o único momento em que é lícito olhar de cima para baixo uma pessoa é para ajudar a levantar-se» (Vigília com os jovens).

Assim, após um longo tempo sentado no sofá, apareceram na televisão da minha vida, no seguimento de um curto-circuito, o Papa Francisco e mais de um milhão de jovens, que em conjunto, vieram propor a realização de um caminho. Subitamente aprendi que trilhar esse caminho é a única máquina do tempo capaz de me fazer voltar a ser jovem.

Tiago Monni, Lisboa (Portugal)