(Foto: Unsplash/Bernd Dittrich)

Para não se acostumar com as bombas

Um professor, um aluno “ferido” pela guerra na Ucrânia e um documentário vencedor do Oscar que é como “um soco no estômago”, mas que reaviva os apelos do Papa pela paz

Este ano, em uma das escolas onde leciono, um aluno propôs assistirmos o documentário vencedor do Oscar 20 dias em Mariupol, motivando assim sua proposta: «Creio que nossa escola, por menor que seja, tem o dever de fazer todo o possível para que a trágica situação do povo ucraniano não fique enterrada sob um manto de indiferença e cinismo».

Essas palavras me impactaram muito porque, de certa forma, o manifesto da Companhia das Obras sobre as eleições europeias e a paz [ocorridas de 6 a 9 de junho de 2024] evidencia justamente o risco da indiferença e do hábito diante de uma guerra tão próxima.

A reação dos alunos e dos professores foi variada. Para alguns, as imagens eram muito duras e prefeririam não assistir, enquanto muitos outros apoiaram a proposta, que foi um verdadeiro soco no estômago, e não puderam conter as lágrimas, inclusive eu, diante da morte de Evangelina, que tinha apenas quatro anos, ou de um garoto de 16 anos que foi atingido por uma bomba enquanto jogava uma partida de futebol com seus amigos. Nós nos acostumamos a ver as bombas e os mísseis pela televisão, mas «ver as suas consequências é outra coisa», disse um de meus alunos.

As palavras do Papa ressoavam fortemente em mim: «Que cessem o mais depressa possível as hostilidades que causam imenso sofrimento».

Nos anos 90, quando eu tinha 18 anos, estive na Eslovênia visitando o padre Vinko Kobal, que acompanhava refugiados da guerra na ex-Iugoslávia. Em um campo de refugiados, fiquei impressionado com a quantidade de crianças que havia lá. Agora temos uma guerra acontecendo ao nosso lado e é como se estivéssemos habituados com ela. É possível se acostumar ou ficar indiferente diante da morte de crianças em Gaza, Rafah ou Mariupol?

No final, até mesmo a questão das eleições europeias corria o risco de ser reduzida a «então, em quem devo votar?». Entretanto, há muito mais em jogo: minha humanidade. O texto da Escola de Comunidade, o ponto 3 do capítulo 7 do livro O senso religioso, que fala da alienação, quando coloca o exemplo de Churchill e o risco de que o homem viva dominado pelas ideologias, programando pensamentos e sentimentos, me ajudou muito. Diz Dom Giussani: «A política atual é ditada, em todo o mundo, por este tipo de cultura. Portanto, é necessária a revolução para a defesa do homem, e ela só pode ter um sinal, o sinal religioso, autenticamente religioso; por isso o cristão autêntico só pode estar na linha de frente».

É surpreendente ver como podemos cair constantemente nessa alienação, nessa indiferença que é filha de um poder que nos habitua até mesmo a pensar que produzir armas e entregá-las em vez de ajuda humanitária é a coisa mais normal a se fazer, como diz o documentário. A guerra na Ucrânia existe há dez anos, alguém tinha se dado conta?

Eu também me dou conta de quão longe estou do que o Papa nos pede continuamente: a paz como única solução. Mas também me surpreende que o trabalho da Escola de Comunidade e a simples proposta de um aluno possam me tirar dessa alienação, voltando a despertar em mim essas perguntas fundamentais que me colocam no caminho para o verdadeiro, o bom e o justo. Como diz o manifesto, «agora, a eclosão de novas guerras e a corrida armamentista colocam tragicamente todos novamente em risco: se a guerra se alastrar, assistiremos ao fracasso definitivo e irremediável do projeto da União, ameaçando o futuro de toda a família humana, como repete continuamente o Papa Francisco. O simples fato de aceitar a possibilidade, ou mesmo a probabilidade, dessa hipótese contradiz o fundamento ideal sobre o qual a Europa foi construída».

Vejo que algo deve mudar, o que está em jogo não é apenas o momento eleitoral, mas a defesa do humano.

Domenico, Cesena (Itália)