Carlo Wolfsgruber

Carlo Wolfsgruber. Marcha contínua

Qual foi a semente plantada por Giussani no 68? Carlo Wolfsgruber, um de seus primeiros alunos, narra seu percurso em CL, entre vida burguesa, Poder Operário, equívocos políticos. Até os universitários de hoje «que queimaram meio século de história»
Luca Fiore

«No 68 eu tinha vinte e seis anos. Era professor assistente no CNR, o Conselho Nacional de Pesquisa. Tinha entrado nos Memores no ano anterior». Assim começa o relato de Carlo Wolfsgruver, 77 anos, um dos primeiros alunos de Dom Giussani no Berchet e um dos primeiros Memores Domini, a experiência dos leigos dedicados a Cristo nascida do carisma de CL, da qual foi um dos responsáveis até poucas semanas atrás. Viu como protagonista toda a evolução da vida do Movimento e, em particular, o vértice decisivo do 68: a hemorragia da maior parte dos membros da então Gioventù Studentesca (GS, primeiro núcleo de Comunhão e Libertação).

Foram os anos em que Dom Giussani recomeçou com alguns que, como ele mesmo disse, «continuaram fiéis à história deles». Foi a crise mais profunda da história de Comunhão e Libertação. Perguntamos a Wolfsgruber como a semente plantada por Giussani naqueles anos brotou, pois foi naquela época que o padre da Brianza pôs em foco o núcleo da proposta ao redor da qual, depois, cresceu a vida de seu movimento: «Tradição e discurso já não podem mover o homem de hoje. O cristianismo nasceu como um acontecimento, e hoje nasce igualmente por um acontecimento, por uma presença, por um encontro». Essas palavras continuam vibrando hoje com a mesma forma de provocação. Para CL, num certo sentido, o 68 ainda não acabou.

«Sim, eu já estava nos Memores, embora ainda não estivesse na primeira casa, a de Gudo, onde entrei no fim de 1969. Mas, ao mesmo tempo, eu frequentava um grupo de extraparlamentares maoístas». Uma vez, conta, fora a Turim para começar um grupúsculo do Poder Operário no ambiente dos pesquisadores científicos, e ali conheceu Marco Donat-Cattin, entre outros, que depois foi parar entre os terroristas do grupo Primeira Linha.

Dom Giussani com um grupo de jovens em Varigotti em 1969. Quem está a seu lado é o padre Emmanuel Braghini (©Fraternità di CL)

A trajetória de Wolfsgruber é contrária à de muitos companheiros seus que encontraram Dom Giussani nos anos cinquenta. Ele, depois de formado no Berchet, inscreveu-se em Química em Pavia, onde ainda não havia GS. Quase sem perceber, afastou-se dos amigos e aproximou-se dos grupos marxistas.

Foi na metade dos anos sessenta que voltou a entrar em contato com os colegas do liceu. Também graças a um episódio ocorrido num dos encontros do Poder Operário: «Um dia, quase sem querer, disse que eu “tinha encontrado Cristo”. Eles reagiram, me chamaram de louco. E eu respondi que não, não estava louco». Desse jeito voltou à tona nele a consciência daquilo que lhe tinha acontecido.

Entre as pessoas do Movimento para as quais Carlos voltou, estavam os amigos que estavam começando a verificar a possibilidade de entregar a vida a Cristo. Os Memores Domini ainda não existiam, ou melhor, era uma realidade em estágio embrionário que era chamada só de Grupo Adulto. Mas, nesse meio tempo, apesar das brigas com os amigos extraparlamentares, a paixão política alimentada pelo clima da contestação ainda estava muito viva nele. Aliás, radical. «Houve um momento em que me convidaram par entrar na clandestinidade, que era o passo antes da luta armada». Foi falar com Dom Giussani e expôs-lhe o teorema: é justo atirar nos ricos para ajudar os pobres. «Ele me disse duas coisas. A primeira, que matar é sempre errado. Mas foi a segunda a que mais me tocou: “Você não poderia mais ir à caritativa na Baixada Milanesa. Isso você não pode deixar... Não é justo. Continue comprometendo-se com o que você já começou”». Com efeito, Carlos acompanhava um reforço escolar para jovens do ensino fundamental, com o qual se importava muito: «Eu sempre tive a ideia de que um jeito de ser solidário fosse a educação, a escola».

Que possam conviver numa mesma pessoa duas intuições tão contrárias, a dedicação total a Deus na virgindade e o pensamento da luta armada, hoje parece impossível. No entanto, nas lembranças de Wolfsgruber, mais um episódio confirma que também nos outros poucos membros do Grupo Adulto o horizonte era, no fundo, o esforço político e social. «Nos nossos Exercícios Espirituais de um daqueles anos, Giussani disse num determinado momento: “Se um de vocês se levantasse agora e dissesse ‘Eu amo Jesus’, todos vocês o calariam violentamente”. E era verdade, ao menos para mim uma expressão parecida era inaceitável, e talvez quase todos a sentissem como uma espécie de pietismo. E ele acrescentou: “Temos de fazer um caminho que nos leve até o ponto em que, se alguém falasse assim, todos seríamos edificados por ele”». Para Wolfsgruber, desde logo o fundador de CL tinha claro o equívoco, «mas nós estávamos muito longe de entender».

(© Claude Dityvon)

Foram meses de grandes discussões. A atração pela política, assim como era concebida pelo mundo da contestação, ainda era forte. «Tive de chegar ao ano de 1970 para me libertar definitivamente daquela tentação. Foi quando Giussani introduziu a expressão “memória de Cristo”».

Mas e antes? O que aconteceu para que se desse aquela incompreensão? «O encontro com Cristo, através do Movimento, tinha me mostrado uma alternativa real ao burguesismo de todos. Era o fascínio por um ideal». O ideal de mudar o mundo. Dom Giussani também falava de mudança do mundo, explica Carlo: mas não em termos revolucionários «Eu escutei em GS ela primeira vez que o cristão levava no coração o destino de todos. Abriram-se de par em par para mim todas as categorias cristãs, perante as quais eu entendia que havia algo de novo em relação ao tipo de cultura burguesa da minha família».

Hoje a expressão “cultura burguesa” está coberta de uma camada de poeira que a torna incompreensível hoje a quem tem menos de trinta anos. «É a ideia de que cada um toma conta da própria vida. O problema da vida é a fachada, a respeitabilidade na sociedade. É ter dinheiro, ter um carro. O burguesismo é procurar o próprio conforto». Mas os líderes da contestação eram jovens filhos daquele mundo, cuja forma mentis, no fundo, não estava mudada, explica Wolfsgruber: «Tivéramos uma educação para essa espécie de compostura social que cheirava a hipocrisia. Uma coisa que os jovens de hoje não têm. Nós fingimos que não éramos hipócritas, mas éramos».

No entanto, ao mesmo tempo, os jovens que seguiam Dom Giussani sentiam que tinham encontrado algo excepcional: «Com 17 anos eu tinha o tremor e a alegria no coração, porque sabia que estava carregando o segredo do mundo. Era o motivo pelo qual sentíamos como inadequada a geração anterior. Mas o segredo do mundo, para mim, tinha virado quase imediatamente um valor para esfregar na cara de quem não o perseguia e não o aceitava». Esse foi o húmus no qual se enraizou a ideologia e que levaria muitos membros de GS para os braços do Movimento Estudantil, primeira, e a perder a fé, depois.

É impressionante a lucidez dos juízos de Giussani enquanto os fatos ocorriam. Como quando, em novembro de 1967, disse numa reunião do Grupo Adulto: Se tivéssemos esperado Cristo dia e noite, até a postura dos nossos na convivência deles na Universidade Católica teria sido diferente. Foi tão generoso, mas quão verdadeiro?». Wolfsgruber lembra que um ano depois, justamente no 68, Giussani afirmou pela primeira vez que «não é mais o tempo da tradição». «Ele tinha bem claro que o ponto no qual apoiar a vida toda era Cristo; mas não se tratava do Cristo reduzido a conteúdo de uma tradição de valores, mas de uma Presença», explica Carlo. Aquele verão marcou uma virada.

Dessa intuição, expressa pela primeira vez aos meninos de GS de Rímini em Torello, ele falaria nas semanas seguintes ao Grupo Adulto, a um pequeno grupo de padres e depois nos Exercícios do Centro Péguy. É um ponto de virada e, ao mesmo tempo, uma preocupação que sempre voltaria. «Nos anos oitenta, ele falou explicitamente de dois tipos de fé. Um para o qual Cristo é um conteúdo doutrinal e outro para o qual é uma pessoa presente aqui e agora. Na época todos assentíamos. Mas eu entendia e não entendia. Pressentia a verdade disso, mas não entendia. O que Dom Giussani queria dizer-nos é o que Julián Carrón está nos desafiando a verificar agora. Tenho certeza absoluta».

Ele conta que no verão passado escutou um testemunho de alguns universitários de CL. Viu neles a realização daquilo que Giussani, nos primeiros anos, dizia que o Movimento deveria ser. Refere-se, em particular, a um episódio que lhe lembrou as palavras pronunciadas por Giussani a um diretor de um liceu de Milão, quando se disse contrário a que os católicos tomassem o controle das associações estudantis únicas. Afirmava o princípio do pluralismo na escola. «Um desses garotos, de uns 23 anos, respondeu do mesmo modo ao diretor de um colégio que lhe pediu a lista dos ciellinos que iam entrar no instituto, para que a nossa presença pudesse mudar o ambiente: “Não nos interessa a hegemonia”». Mas o que marcou Wolfsgruber não foi tanto o juízo, embora seja surpreendentemente parecido com o que Giussani deu sessenta anos antes, ou a espontaneidade com que aquela posição apareceu, «mas que a preocupação em julgar aquele fato fosse principalmente a verificação da fé. Ou seja: Cristo é ou não é suficiente para sustentar a vida? Eu ouvi aquelas palavras como uma ferida no coração. É como se tivessem queimado sessenta anos de história. Eu vi naquele rapaz uma liberdade, uma humildade, uma firmeza... Hoje sou eu quem quer aprender com esses jovens».

Em 1972, Giussani tentou fazer um primeiro balanço da grande crise do 68. Suas palavras foram publicadas num texto intitulado A longa marcha da maturidade. Ouvindo Wolfsgruber, aquele caminho, na soleira de seus oitenta anos, para ele ainda não terminou, pois não há certezas conquistadas de uma vez por todas. «Você percebe isso quando descobre que acontece aquilo que você achava que já sabia. Você sabia, mas não achava que ainda devesse acontecer, de tanto que você sabia». E continua: «É muito diferente acreditar que Cristo existe e dar-se conta de que Cristo existe. Quando acontece, você entende que até aquele momento continuava sendo como um estranho, você o tinha convertido numa ideia sua. Eu comecei a perceber isso entre os 60 e os 65 anos. Eu disse para mim: “Talvez eu O esteja confundindo com tudo o que fiz por Ele”. Eu dei tudo para o Movimento, mas isto não é Cristo. Cristo é muito mais!».

Outra coisa que nos últimos anos ele colocou radicalmente em discussão foi a chegada, na história do Movimento, do Pe. Carrón. «Eu não consigo compreender o fato de que ele, que viveu com Giussani apenas um ano, saiba explicá-lo a mim melhor do que eu mesmo, que vivi ao lado dele a vida inteira».

Ainda em 1972, Giussani dizia que «a impaciência não é a última armadilha, mas a primeira». Referia-se, certamente, à pressa em alcançar a solução dos problemas sociais. Mas talvez também à de achar que compreende como Deus está operando. «Eu concordava entusiasticamente com o que Giussani dizia. E eu também mantinha com ele uma relação dialética; se tinha objeções, eu as apresentava todas. Uma vez eu lhe disse: «Se eu me der conta de que o que você nos diz depende do seu caráter, do seu temperamento... você me enganou». E ele: «Olha que eu te dou razão». E a resposta dele me fez bem. Mas para mim qual era essa razão? Eram razões reduzidas a valores. Mas se a gente não tem um encontro com a Presença, não percebe que Ele está presente, acaba se contentando com as migalhas. Isto é, com os valores. Que, aliás, pensando bem, são valores entusiasmantes. Nada como o cristianismo responde a todos os fatores do humano. Eu desafiaria qualquer um a demonstrar o contrário». Mas, explica, os valores não bastam. E compreende isso a partir de uma coisa: «Afetivamente a gente não fica satisfeito. Eu me dei conta de que tinha confundido Cristo com o que eu fazia por Cristo só no final da vida de Giussani. Quando percebi que tinha medo dele».

Era 2002, o dia do aniversário de 80 anos dele. Woflsgruber não teve a coragem de telefonar para lhe dar os parabéns. «Eu tinha vergonha, medo do seu juízo. Temia ser avaliado. Porque, quando a gente apoia tudo sobre o que faz, depois precisa também aguardar o juízo. Isso, entre outras coisas, é claro para mim agora. Então não o compreendi. Eu deveria ter ficado alarmado: “Como? Estou com medo da pessoa que mais amei e que mais do que todo mundo me ama?”. Carrón tem razão quando diz que é preciso levar a sério os sintomas da nossa humanidade».

Arrependimentos? «Estou feliz por ter feito todo esse percurso. Cada um tem os seus tempos... Houve um momento, em 1971, em que me veio a dúvida se a experiência do Grupo Adulto não seria toda ela uma mentira. Aí um amigo me disse: “Veja, nós ficamos aqui porque Cristo está presente”. Portanto, já então se diziam essas coisas. E eram capazes de manter em pé a nossa vida. Mas não eram Cristo. Cristo está sempre além. Para outros, não duvido que possa ter sido diferente, mas eu, sem querer, sem perceber, acabei me esquecendo da origem».

E agora? Aos 76 anos e uma vida nas costas? «Me demiti de todas as funções dos Memores Domini e comecei a estudar inglês. Se Deus quiser, vou em missão. Quanto ao mais, acho que Carrón foi a invenção que o Espírito Santo e Dom Giussani pensaram para o meu caminho. Mas a minha certeza, hoje, é a de João, que de cima do barco grita para os outros: “É o Senhor!”».