Eugenio Borgna (foto de Marina Lorusso / Iconphotos)

Léxico da alma

Ferida. Nostalgia. Fragilidade. Esperança. O psiquiatra Eugenio Borgna descreve o homem de hoje através de algumas palavras. Dolorosas e belas, ao mesmo tempo. No tempo da performance, um elogio à fraqueza humana. Da Passos de abril
Maurizio Vitali

Há um importantíssimo psiquiatra italiano que, com veneranda idade de 88 anos, escreve sem parar, publica e continua a receber pacientes em seu consultório, no primeiro andar de um prédio histórico no centro de Novara. Ele é Eugenio Borgna, titular emérito do hospital psiquiátrico dessa cidade piemontesa e livre-docente de doenças nervosas e mentais na Universidade de Milão. Nasceu não distante dali, no longínquo 1930, em Borgomanero. Como jovem neurologista, escolheu trabalhar na sessão feminina do manicômio de Novara, sacrificando assim a fulgurante carreira acadêmica que desde muito jovem – tinha conseguido a livre-docência aos 32 anos de idade – estava ao alcance das suas mãos. Hoje publica, na Itália, livros que são surpreendentes condensações de conhecimento humano. E com títulos muito belos, onde ocorrem palavras densas, como fragilidade (A fragilidade que existe em nós; As paixões frágeis) e esperança (Responsabilidade e esperança; A espera e a esperança). Palavras são como as chaves de acesso à interioridade do homem de hoje, que abordamos neste diálogo. Partindo de uma palavra que aparece até três vezes: A nostalgia ferida, As emoções feridas, A dignidade ferida.

A ferida. É tão banida do sentimento comum. Mete-nos medo e horror, faríamos de tudo para cicatrizá-la rapidamente. O senhor, ao invés, a usa com familiaridade e doçura, e isso me faz lembrar de dois episódios em que a ouvi sendo pronunciada com um acento semelhante. Uma vez, por Enzo Jannacci. Augurava que os jovens universitários sempre tivessem uma ferida e uma carícia, “a carícia do Nazareno”...
É uma belíssima imagem. Eu também, às vezes, falo da carícia.

Outra vez, pelo Cardeal Ratzinger, em 2005, nA homilia nos funerais de Dom Luigi Giussani.
Eu estava lá.

Ratzinger falou de Giussani “ferido” pelo desejo da Beleza. A ferida sangra e dói, mas sem ferida não entra nada no homem.
Sem ferida não entra nada. E também não se cura, pois de fato há doenças que ficam invisíveis, sem mostrar feridas.

Para o senhor, por que é tão importante a palavra ferida?
Estou convencido de que há palavras que vivem, ou sobrevivem, sobretudo quando têm uma musicalidade, um som que é acompanhado por qualidades simbólicas muito importantes. Ferida é uma dessas palavras. A ferida é como que o centro de uma parábola que agrupa em torno de si a ferida sangrenta, a ferida que se reabre, aquela que não se fecha nunca. E é a própria parábola da vida, nas suas criticidades, nas suas falências, nos seus sofrimentos. É uma palavra dolorosa e ao mesmo tempo bela, tão aberta à mudança e à salvação, ao risco da vida.

Ser ferido, sentir que está ferido, é bom ou é ruim?
Eu lhe diria: sem o conhecimento, a intuição, a percepção, a imaginação da ferida como abertura a uma possibilidade humana, a vida tende a ser mais automática, mecânica.

Mas o senhor estava falando também da carícia...
Um meu colega mais jovem, o grande Bruno Caglioli de Roma, falou da carícia num artigo onde lembra que a ursa mãe acaricia os seus ursinhos: para lhes dar a vida. Assim ele interpretava essa imagem brilhante... Ele sabia que a ursa faz assim?

Naturalmente não.
A carícia é linguagem do corpo, que se dirige ao rosto da pessoa. Ela significa uma fortíssima responsabilidade em relação ao outro. Ferida e carícia são também dimensões daquele rio ininterrupto que é o modo de entrar em relação com os outros, não só com as palavras, mas também com os sofrimentos da alma e do corpo, da alma sobretudo, sem as quais – repito – não há conhecimento.

O senhor olha com uma última positividade o desconforto. Escreveu também que desconfia da cura, explicando que é algo bem diferente do cuidado.
Há sintomas considerados patológicos que não deveriam ser cancelados e “curados”, porque são um recurso para o paciente. Por exemplo, as alucinações: representam algo que amortece e atenua a solidão. E veja que se pode morrer de solidão. É melhor lutar contra o mundo inteiro do que ser solitário. Os fantasmas de algum modo substituem as presenças, tão paradoxalmente representando-as, e a própria Presença que a nossa vida continuamente busca.

Professor, creio que o senhor foi um dos primeiros, talvez até o primeiro na Itália, a abolir a imobilização forçada dos pacientes.
No começo dos anos 60, graças à larga visão do diretor Morselli e apesar da oposição de colegas e sindicatos alinhados a favor da imobilização dos pacientes em nome da segurança dos trabalhadores. Percebi que em muitos enfermeiros e freiras havia impulsos vitais, sensibilidade, gentileza humana nas quais era preciso confiar. Chegamos mesmo a deixar livres os pacientes para sair do hospital por algum momento.

Portanto, a liberdade é elemento a ser valorizado, é preciso acreditar nela, assim como na relação educativa, mesmo na relação com os pacientes psíquicos?
Certamente. Trata-se de eliminar fortíssimos preconceitos segundo os quais a loucura é violência, negação completa de sentimentos, de emoções, de gentileza humana, de liberdade, de autonomia. Isso, de fato, não é verdade. Se ouço o paciente, lhe dedico tempo e atenção, procuro compreender os motivos da sua angústia, ou da sua propensão ao suicídio, ao mesmo tempo cuido, amorteço os impulsos à violência. Porque a agressividade pode ser desencadeada quando o paciente percebe a indiferença no coração de quem deveria cuidar dele. Quem sofre muito é mais agudo na percepção, no conhecimento. Não há conhecimento sem sofrimento, dizia Ésquilo. A loucura faz parte da vida. Loucura e não loucura, de algum modo, convivem em cada um de nós.

Quando o senhor fala de riqueza humana – notei que usa com frequência o termo gentileza – o que precisamente quer dizer?
Entendo uma maior vontade e capacidade e esforço para olhar dentro de si, de buscar quais sentimentos e quais emoções nascem no profundo de nós mesmos. O homo faber não dá importância a isso. Pensa que tudo se resolve nos cálculos e nos programas da razão. Mas é um engano. Hoje se fala também de “economia emocional”: compreendeu-se que a emoção entra em ação não só em quem vence uma partida, mas também em quem projeta as grandes estratégias industriais. “A razão nunca é tão eficaz como a paixão. Ouçam os filósofos. É preciso fazer com que o homem se mova pela razão como ou até muito mais do que pela paixão; ou melhor, se mova somente pela razão e pelo dever. Bobagem... Não é preciso extinguir a paixão com a razão, mas converter a razão em paixão”. Sabe quem disse isso? Leopardi.

No homem frágil (e não presunçoso faber) um outro elemento que o senhor valoriza muito é indicado com a palavra nostalgia. Que se relaciona com a esperança.
Procurei dar à palavra nostalgia o valor de uma recuperação dos gestos realizados, de situações atravessadas, de emoções vividas e depois esquecidas. Ora, só se eu estiver em diálogo contínuo com o que fui ontem é que poderei compreender o que está acontecendo comigo hoje e ter esperança em relação ao futuro. Quando Santo Agostinho falou de esperança como memória do futuro, deu, de certo modo, a essa palavra irmã mais nova que é a nostalgia, o seu selo de dignidade. Portanto, nostalgia é o atalho que põe em contato o passado com o futuro que ainda não conhecemos, mas que justamente o passado vivido e recuperado nos fará, de algum modo, perceber. Um atalho, eu dizia, misterioso e subterrâneo: visível claramente só por quem tem os olhos cobertos de lágrimas.

Mas a esperança onde se apoia, para não ser um jogo de azar arbitrário?
Não certamente no otimismo: são duas coisas antípodas. A esperança tem à frente um futuro que não conhece; o otimismo, um futuro que presume “geometrizar” e governar. A esperança é livre. O otimismo está bloqueado na imagem que construiu para si. O possível ultrapassa continuamente o real, supera uma vida que se centra só na racionalidade das nossas ações e dos nossos comportamentos. A esperança, depois, é essência da nossa fé, dimensão de uma vida que tem um futuro aberto e não barrado pelos resultados das calculadoras. Esperança é também emoção social: mesmo que eu não queira esperar para mim, devo esperar e manter viva a esperança para muitos que a perderam. Estou pensando, por exemplo, em todos esses pobres imigrantes...

Difícil dizer esperança num futuro que não conheço e não pensar na palavra mistério.
Mistério circunda inteiramente a esperança. Mistério não como enigma: este se resolve; o mistério, não, não posso racionalizá-lo nem “geometrizá-lo”. Ele existe e eu o percebo, mas não posso mensurá-lo.

A viagem à interioridade humana é, então, uma viagem rumo ao mistério?
É uma viagem rumo a alguma coisa que ainda não conheço. Certamente o caminho para a interioridade é um fator chave da vida. Se não quero reduzir-me a ser alguém que faz e desfaz, enterrado na exterioridade e na indiferença, que é, digo sempre, um tumor psíquico.

O senhor parece que faz um elogio à fragilidade humana. Hoje, ao invés, exalta-se a performance, a atuação superlativa do executivo mas também do jovenzinho na escola ou no ginásio de esportes.
Emoções, fragilidade, timidez são pisoteadas e trituradas nos ritmos demoníacos da cadeia de montagem: a performance é uma devastação do humano. A fragilidade não o é. A fragilidade significa sensibilidade que leva, afinal, à caritas, à solidariedade até o sacrifício. Padre Maximiliano Kolbe não teria dado a vida no lugar de um outro prisioneiro, em Auschwitz, sem essa sensibilidade, teria sido um bom padre, incapaz do sacrifício extremo. São Paulo diz que quanto mais fraco eu sou, tanto mais sou forte. Fraqueza, porém, é palavra menos musical que fragilidade.

O senhor gosta muito do escritor francês Bernanos, e citou com frequência O diálogo das carmelitas, em especial lá onde se diz que tudo é Graça.
É verdade. Tudo é mistério e tudo é abertura para a salvação. A Graça é como uma lanterna que ilumina o caminho da interioridade.


* Maurizio Vitali, nascido em 1951, jornalista, dirigiu a revista CL-Litterae Communionis de 1977 a 1989, quando se transferiu para o diário Il Giorno (primeiro cobrindo Exterior, e em seguida redator chefe da seção de Política). De 1998 e 2013 foi diretor de Lombardia Notizie, agência de notícias, em Milão.