Um fogo dentro
«A inquietação é uma nota da nossa vida. Dom Giussani a tocou de uma maneira muito cristã». No último Meeting de Rímini, ele foi convidado para falar sobre o fundador de CL. Um diálogo com Luigi Maria Epicoco (da Passos de dezembro de 2022)«Não concordamos, mas estamos do seu lado, vamos ajudá-lo. Com uma condição: se você perceber que não é o seu caminho, imediatamente volte para casa”. É a reação dos pais de padre Luigi Epicoco, quando ele, aos quinze anos, lhes comunica a decisão de entrar no seminário. «Cristãos, mas não praticantes, fizeram um ato de confiança por uma escolha que não entendiam. Foi uma lição de vida que muitas vezes retomo na relação com os jovens». Tendo nascido em 1980, padre Luigi Maria Epicoco muitas vezes tem que lidar com os jovens. Teólogo, escritor de sucesso, seu perfil no Facebook, seus vídeos no YouTube são acompanhados por milhares de seguidores. No Meeting de Rímini ocorrido em agosto passado, no encontro sobre a antologia Alle radici di una storia publicada pela Editora Rizzoli, ele contou em um tom vibrante quem é para ele hoje Giussani, que conheceu “através da contaminação de seus amigos”. Quando nos encontramos nas salas do Dicastério para a Comunicação do Vaticano, onde o Papa quis nomeá-lo assistente eclesiástico, o início da conversa foi justamente sobre o Meeting. «Foi a primeira vez que eu participei. Pareceu-me estar em um grande abraço. Um encontro que deixou uma marca».
O senhor foi ordenado padre aos 24 anos. Como nasceu a sua vocação?
Desde criança, sempre senti uma atração pela vida paroquial, a simples, sem atribuições particulares. Em casa ninguém me impedia, mas também não apadrinhava o meu interesse. Para se ter uma ideia, foi uma senhora da paróquia que me ensinou as orações, a ler o Evangelho. Mas a mensagem evangélica tinha uma ressonância existencial, no sentido de que a pergunta recorrente era: o que tem a ver comigo? E gradualmente o Senhor respondeu. Até que, na adolescência, “explode” minha gratidão a Jesus a ponto de querer fazer algo por Ele. E entrei no seminário. Em Ostuni, na região da Puglia, porque eu sou de Salento [no extremo sul da Itália].
Continuou seus estudos em Roma com o mestrado em Filosofia e o doutorado em Teologia Moral. O primeiro destino após a ordenação foi nas montanhas do Abruzzo. Depois veio a proposta do Bispo de L'Aquila…
Sim. Dom Giuseppe Molinari pediu-me para guiar a paróquia que ele fundou para os universitários de L'Aquila, onde eu acabei conhecendo também os estudantes de CL. No exercício desse encargo vivi o terremoto, um divisor de águas em minha vida. Depois do terremoto, não sabia como chegar aos universitários desalojados da cidade e feridos pela tragédia. Então tomei a decisão. Após a celebração da missa, em uma igreja vazia, ia para o computador e escrevia o comentário sobre o Evangelho no meu perfil nas redes sociais. De toda a Itália, os jovens começaram a escrever para mim, agradecendo e contando suas histórias pessoais.
Podemos dizer que a atividade de escrever e educar se firmaram cada vez mais.
Fazem parte da minha vida sacerdotal. Eu sou um padre, se isso se traduz em ensino, conferências ou livros é um acaso. Digamos que eu sigo o que a Providência indica. Devo acrescentar que minha formação filosófica me direciona muito sobre o questionar, sobre a inquietação inerente ao indivíduo. Precisamente essa abordagem existencial criou o que eu poderia dizer uma simpatia, no sentido de “sentir junto”, com os leitores. Há uma sede também editorial por esse sentir.
Inquietação é uma palavra que se repete em seu livro A Escolha de Enéias.
Cada época tem seus tabus. Na época de Jesus eram os leprosos, os estrangeiros, não por acaso, os protagonistas de suas parábolas. Hoje a inquietação é uma nota da nossa vida. Justamente Dom Giussani compreendeu a sua importância: uma ferida que acomete a todos nós. Giussani deu voz a algo que estava presente, mas do qual ninguém tinha a coragem de falar. Eu diria melhor: ele tocou a inquietação de uma maneira muito cristã, como Jesus tocava os leprosos.
O que significa “de uma maneira cristã”?
Ser capaz de trazer à luz é uma Graça. Para Giussani esse fato existencial, a inquietação, tem dentro de si um bem que ainda não consegue ser visto. Assim, na pergunta pelo significado em todos os aspectos da vida há um Deus que está oculto, mas presente. Nisso subsiste para mim a experiência cristã: entrar em cada situação, em cada condição que a vida coloca.
A este propósito, o senhor escreveu: «Parto da convicção de que a mensagem do Evangelho e, sobretudo, a pessoa de Jesus, são o olhar mais realista e, ao mesmo tempo, positivo que se pode ter sobre o mundo».
Uma pessoa realista sem Cristo é desesperada, é a presença de Jesus que entrega uma postura que salva do vazio. Sem Ele só resta vertigem. Pense em uma criança em pé sobre uma mesa: sozinha ela tem medo, mas se tem o pai ao seu lado, ela sabe que nada de ruim pode acontecer com ela.
Pode nos explicar melhor?
A resposta é Rose! Seu testemunho em 15 de outubro na Praça de São Pedro [Rose Busingye, enfermeira em Uganda que trabalha com mulheres que sofrem de AIDS]. Não é a explicação em termos filosóficos, mas a mediação concreta de pessoas que, com a própria vida, oferecem uma matéria sacramental. A presença de Rose na tragédia em que vive permite que mesmo aqueles que não têm fé possam experimentá-la.
Voltemos à palavra experiência.
A experiência é o antídoto para o gnosticismo que, com o pelagianismo, é a grande heresia que atravessou a história da Igreja. O Papa recordou repetidamente o perigo do gnosticismo, isto é, fechar-se no raciocínio. Em vez disso, a experiência é tal só se for relação com um fato. Deste ponto de vista, o mal é astuto: quer tirar-nos a relação com os fatos. Depois, existe um modo sagrado de viver a experiência, isto é, a da fé, para o qual há um vínculo de significado com a realidade. Por exemplo: eu posso ser pai como evento biológico ou de acordo com os chavões da moda. Ou, os termos “pai” e “mãe” indicam uma vocação, que é mais do que trazer uma criança ao mundo. A experiência da fé é uma nova profundidade que nasce do encontro com alguém que a encarna. Então, o testemunho, a missão é apenas isso: o nosso modo de viver.
O que não tem nada a ver com “a ansiedade evangelizadora”, como o senhor definiu.
Neste sentido, a pandemia foi um grande teste de realismo, pondo em crise a “pastoral do entretenimento”. O que significa: se tirar os eventos, não há mais nada. Mas, como diz São Paulo: quem nos separará do amor de Cristo? A espada, a tribulação, a morte, a Covid? Este é o grande desafio: parar de nos sentirmos tranquilizados porque “seguramos” as pessoas. Ser você mesmo dá frutos, senão é marketing: ou seja, convencer que a minha parte é a certa porque sou uma boa pessoa, tenho certos valores, etc. Acima de tudo, os jovens compreendem quando lhes falamos com sinceridade. Eu vi isso na minha experiência.
Pode nos contar?
Eu ensinava religião em um colégio de L’Aquila e um menino, apesar de ter solicitado dispensa, me pediu para ficar na sala durante minhas aulas. Ele se declarava ateu, e toda vez me bombardeava com perguntas, tinha um fogo dentro. Ele morreu durante o terremoto. Mais tarde, os pais vieram me procurar e me contaram que um dia seu filho lhes havia dito: “Tenho certeza de que Epicoco não quer me ludibriar. Hoje eu lhe fiz uma pergunta e ele disse: ‘Não sei’. Somente aquele que não quer puxá-lo para o seu lado dá essa resposta».
Este “fogo dentro” implica paixão na vida.
Sim, que eu ligaria acima de tudo ao desejo, entendido como o motor da vida, algo muito humano. Eu daria esta definição: é o que me realiza por aquilo que sou. O encontro com Jesus reacende-o, faz ir ao fundo de si mesmo, como único, irredutível, à semelhança de Deus. Cristo pede a cada um que seja ele mesmo e vá à verdade sobre si mesmo, por isso pessoas muito diferentes – pensemos nos apóstolos – podem estar juntas. É o milagre da comunhão. Hoje o verdadeiro problema é que se você perguntar a um jovem “o que você deseja?”, ele não sabe o que responder, confunde o desejo com as expectativas dos outros ou com a “vontade”. Não é por acaso que o Papa pergunta: somos capazes de discernir entre a “vontade” e o coração? O verdadeiro educador é aquele que ajuda nesse trabalho e não dá a resposta.
E a paixão?
Uma passagem do Evangelho me explicou isso. Quando os discípulos de Emaús falam do Ressuscitado, exclamam: «Era ele! Não ardia o nosso coração quando ele nos falava?” Há momentos na vida em que o coração arde. Para mim, por exemplo, acontece diante da Vocação de São Mateus, na igreja de São Luís dos Franceses. Caravaggio era um patife, um assassino, mas era atravessado por um fogo que explode nas formas e cores de suas pinturas. Da mesma forma, quando leio Mc Carthy, em seu niilismo, encontro mais cristianismo, como paixão pelo homem, do que em muitos autores piegas que escrevem sobre Deus. A paixão é a passagem de Cristo na vida de uma pessoa, às vezes sem que ela perceba. Acho que a mesma coisa acontecia com Giussani: você podia não entender tudo o que ele dizia, mas tinha a convicção de ouvir algo verdadeiro, verdadeiro para sua vida. Eu percebo se um professor, um padre ou um pai não têm paixão: formalmente eles fazem tudo, mas falta a cola. Cumprimos as regras. Mas isso não é suficiente para os jovens de hoje.
O que eles precisam?
Para mim são um grande recurso, claro que estão atravessando um momento difícil em termos de fragilidade, mas nem por isso é uma condição tão negativa; é uma forma de estar no mundo. Minha preocupação é que eu vejo muitas “mães” e poucos “pais”, isto é, aquele que lhe dá o empurrão. Giussani foi pai.
O Papa Francisco durante a audiência de 15 de outubro disse: «Dom Giussani foi pai e mestre, foi servo de todas as ansiedades e situações humanas que encontrava em sua paixão educativa e missionária».
Mesmo antes de se tornar Papa, Francisco conhecia Giussani através de seus livros e sobretudo por alguns amigos. Sempre esteve convencido de que era genial, de que era um homem ferido pela Graça em favor de todos. Acrescento este pensamento. Depois do Concílio, o Espírito doou experiências únicas: os Movimentos. Podemos dizer um dom de Pentecostes que renovou a Igreja. Agora estamos numa fase - foi isso que Francisco interceptou -, na qual desde o tempo carismático da pessoa devemos passar para a fase de ajuste. O erro em que se pode cair é a “repetição”. Em vez disso, para ser como Giussani você tem que fazer como ele: não se parecer com ninguém. A coragem de fazer algo completamente inédito.