Schmitt. «Vejo a fé em uma sociedade sem fé»
Uma peregrinação a Jerusalém se tornou uma «experiência de encarnação» para Eric-Emmanuel Schmitt. Seu livro é um sucesso porque «para o homem de hoje só há este caminho: um testemunho sincero» (da Tracce de outubro)Na França, Eric-Emmanuel Schmitt já ganhou sua aposta. Ela poderia ser resumida em uma pergunta: pode um grande escritor, dramaturgo, roteirista de filmes de sucesso, membro do júri do Prêmio Goncourt, escrever o diário de um peregrino na Terra Santa? E, sobretudo, mais que escrever, viver a experiência de um peregrino, misturar-se com as comitivas que visitam os lugares santos e participar das celebrações? A França volteriana da laïcité foi conquistada. Porque vendeu um número considerável de cópias, mas também porque não se ouviram grandes críticas. Para começar, ele brinca e atribui todo o mérito ao Papa Francisco, que com uma carta no final do livro quis mostrar seu apoio a essa obra. Mas depois Schmitt diz algo sobre a curiosidade do homem atual, em uma “sociedade sem Cristo” – citando a expressão do francês Charles Péguy –, por uma fé autêntica. Porque apostar em Jerusalém é apostar na fé e na pessoa de Jesus Cristo, mas ainda mais é apostar na empatia humana, é um ato de sinceridade consigo mesmo e de confiança na humanidade dos outros.
Na última vez que nos vimos, você tinha acabado de sair de uma visita privada ao Papa, um momento fundamental com o qual culminava uma viagem à Terra Santa. Primeiro foi a viagem e depois seu encontro com Bergoglio, mas quero começar pelo que Francisco escreveu comentando seu diário. «A Terra Santa nos oferece este grande dom: tocar literalmente com as nossas mãos que o cristianismo não é uma teoria nem uma ideologia, mas a experiência de um fato histórico».
É uma frase impressionante porque isso é exatamente o que experimentei e vivi. Eu diria que a minha fé desceu do meu intelecto para o meu coração para depois voltar a subir para o meu intelecto. O que essa viagem me permitiu é uma verdadeira experiência de encarnação. Uma experiência que me comoveu profundamente. Ela me mudou, me modificou, me aumentou. Agora vejo que a minha vida espiritual passa tanto pelo meu corpo como pelo meu intelecto porque o que vivi no Santo Sepulcro é uma experiência física, é sentir através dos sentidos uma presença. A presença. O paradoxo do cristianismo é que é tanto histórico como trans-histórico, tanto factual como transcendental. É uma religião que começa em um momento do tempo e em um lugar específico da terra, na Galileia e na Judeia.
O Papa Francisco fala também do testemunho do acontecimento cristão, em contraposição ao proselitismo. Antes, você brincava sobre o sucesso de seu livro, mas me chama a atenção como você se envolveu pessoalmente em um testemunho público do cristianismo.
Creio que para o homem de hoje só há este caminho: um testemunho subjetivo e sincero que possa tocá-lo. Os discursos que caem do céu, que procedem da universidade ou que saem de um curso de teologia ou de um tratado escolástico já não tocam ninguém. Creio que só uma palavra singular, sincera, autêntica, ligada a uma experiência, pode tocar as pessoas.
Há outros dois livros magníficos que você escreveu e que narram sua relação com a fé cristã. O primeiro A noite de fogo, remete a Blaise Pascal em seu título e é a história de sua conversão no deserto do Saara quando tinha 28 anos. O segundo é O evangelho segundo Pilatos, uma releitura da vida de Jesus Cristo do ponto de vista do governador romano que “lavou as mãos”.
A experiência que conto em A noite de fogo ainda não é cristã. É mística, mas não cristã. Poderíamos dizer que é a descoberta do infinito, do absoluto, de Deus. Mas é uma experiência que chega como um último passo na observação da realidade. É uma experiência que narram sobretudo os poetas e poetisas de todas as nacionalidades e credos. Vi testemunhos desse tipo de sentimentos em todos os lugares. Às vezes não como presença do mistério, mas como nostalgia, como um horizonte adequado, como a última fronteira do sentir humano. O segundo livro que você cita é a descoberta de Jesus Cristo através dos evangelhos. Lendo-os na minha casa encontrei ali a história mais interessante de todas, a encarnação.
«A atratividade de Jesus Cristo», como dizia Luigi Giussani… mas para você, foi um fato intelectual ou afetivo?
Ambos. Coração e cérebro. Ler os evangelhos supõe o impacto com uma pessoa, onde o infinito que vislumbrei no deserto se tornou amor. Na experiência de A noite de fogo não havia afeto, mas sim vertigem diante do mistério. Claro que também havia mistério aqui, mas nesse amor eu me encontrava em casa. Contudo, nos evangelhos me perturbava o tema da morte e da ressureição. Para quem leu o livro, daí nasceu essa identificação com Pilatos, com suas dúvidas, com sua necessidade desesperada de encontrar uma explicação racional. Mas logo, como grande realista romano, Pilatos se dá conta de que todas as hipóteses que ele formula não bastam. Quando um escritor mergulha verdadeiramente em sua intimidade, em sua alma, ele encontra a intimidade e a alma dos outros. Assim foi esse profundo diálogo com Pilatos.
Essa viagem mudou tudo…
Sim, houve muitos acontecimentos importantes. O que mais me marcou foi o que aconteceu no buraco da Cruz no Santo Sepulcro. Como conto no livro, naquele dia eu estava cansado e irritado com tantas filas, tantas multidões, tanto cansaço. Mas então comecei a perceber com os meus sentidos o calor, o cheiro, o sofrimento da pessoa de Jesus Cristo. Sua presença física. A minha fé selvagem, incerta e solitária sofreu uma mudança radical. Hoje posso dizer que foi uma terceira etapa fundamental no meu caminho.
A propósito de caminho, chama a atenção em seu relato a dimensão comunitária. Falando dos peregrinos franceses que compartilharam com você essa viagem, diz: «Aprendi a rezar». Como foi?
Você aprende fazendo. A rezar também. Você aprende rezando. No começo, ficava apavorado e até incomodado com tantas orações e celebrações, três missas por dia… Mas depois fui me adentrando nesses ritos e palavras. No começo, quando rezava, tinha um monte de perguntas, mas depois valorizava cada vez mais estar simplesmente diante do mistério. E isso basta, em silêncio.
Você descreve Jerusalém como a cidade de Deus e dos homens, a capital mundial das três religiões, onde a cidade espiritual se mistura com a material. Mas durante a Via Sacra você passa por um momento de raiva contra a ostensiva indiferença de uma mulher…
A indiferença, como diz Marcel Proust, é um ato de violência. Nessa Via Sacra se repetia a indiferença e o escárnio que o próprio Jesus Cristo sofreu naquele caminho de dor. Mas na Esplanada das Mesquitas ou no Muro das Lamentações tive uma experiência muito diferente. A de nos sentirmos “fratelli tutti”.
Você escreve que o verdadeiro desafio de Jerusalém, evocado no título do livro, consiste em reunir os fiéis das três religiões em um “agnosticismo” comum. Mas os crentes não são uns cretinos… Nós partimos da ideia de que a fé é razoável.
Compreendo o que você quer dizer. Crer é colocar em jogo a própria liberdade. É a aposta pascaliana, que vai além do uso racionalista da razão. Nesse caso, os crentes são agnósticos, todos os verdadeiros crentes são. Divirto-me ao me declarar agnóstico cristão. Se você me pergunta se Deus existe, eu respondo: não sei se existe, mas creio. Crer é manter sempre vivo o senso de mistério. Sempre me pareceu perigoso alguém que diz: «Eu sei que Deus existe». Essa pretensão de saber pode supor uma tentativa de possessão, de domínio, uma pretensão.
Nas primeiras páginas de Introdução ao Cristianismo, Joseph Ratzinger diz que as dúvidas são do crente, mas também do ateu. «Crente e incrédulo, cada qual a seu modo, participam da dúvida e da fé, caso não se ocultem de si mesmos e da verdade da sua existência. Nenhum é capaz de evadir-se completamente à dúvida; nenhum pode escapar de todo à fé». Sua insistência no agnosticismo pode ser interessante para julgar o domínio negativo da gnose no mundo contemporâneo, mesmo entre os crentes.
Essa citação de Ratzinger me trouxe à mente a minha obra teatral Freud e o visitante, onde imagino que o próprio Sigmund Freud é atormentado por dúvidas sobre a existência de Deus. A gnose é o verdadeiro problema contemporâneo. É o pensamento dominante e afeta transversalmente as religiões e ideologias. Repito: aquele que afirma saber ameaça a nossa liberdade e, em última análise, a nossa relação com o infinito. E isso vale para todos: crentes de qualquer religião, não crentes, ateus, indiferentes…
Há um aspecto de sua sensibilidade que chama muito a minha atenção. Você parece dizer em mais de uma ocasião que a verificação da fé vem através de uma maior consciência existencial do próprio eu…
Crer me faz mais forte, mais certo da minha humanidade, mais consciente do meu destino. Como escritor, foi crescendo a minha consciência de que somos instrumentos, veículos, meios. Quando somos jovens, pensamos que somos nós que criamos, quando crescemos, percebemos que observamos o que acontece e, quando envelhecemos, entendemos que é apenas uma questão de obedecer à realidade. Ao final desse diário de viagem escrevo algumas linhas de conclusão e faço uma declaração que talvez possa servir para responder à sua pergunta: «Continuo sem entender o mistério como antes, mas o percebo intensamente. A minha fé se tornou uma aceitação da realidade».