Fraternidade São José. A minha casa é onde Tu estás
Em 2011, eles atravessaram o Oceano para participar de uma assembleia de responsáveis. Mas, sobretudo, para encontrar Padre Aldo. E “gozar o espetáculo” de Cristo em ação. Uma forma de companhia em que o “sim” a Ele é total, e faz a vida florescer“Por que viemos do outro lado do mundo?” A pergunta é mais do que legítima. Três dias do outro lado do Oceano, dias nos quais o que se viu não foi uma reunião, ninguém colocou como tema a estrutura ou problemas organizativos. No entanto, era uma assembleia de responsáveis. Objeto: a Fraternidade São José. Mais de 500 pessoas que dedicam a vida a Cristo na virgindade, numa companhia nascida do carisma do Movimento e que está presente em quatro continentes. À primeira vista parece algo difícil de gerenciar. “Pelo contrário, a única proposta foi: olhe, aprecie o espetáculo”, conta padre Michele Berchi, reitor do Santuário Oropa que, há três anos, acompanha essa Fraternidade. “Porque ser responsável significa não ter medo de procurá-Lo.” Este é o coração da São José: “Dizer ao mundo: Minha casa é onde estás, ó Cristo”. E é realmente assim, no sentido literal. Quem faz parte da Fraternidade diz um “sim” total a Cristo, embora permanecendo onde está: sem mudar o trabalho, sem ir morar em outro lugar, sem vestir uma roupa específica. Na consciência de que “basta o Batismo para viver d’Ele”, explica padre Gianni Calchi Novati, que acompanhou a Fraternidade de 1996 até 2008.
Exatamente para ver o que significa “viver d’Ele”, vinte participantes da São José tomaram um avião no início de março e voaram 12 mil quilômetros da Itália para chegar ao Paraguai. Onde “aproveitar o espetáculo” significou encontrar padre Aldo Trento que, na Paróquia de São Rafael, em Assunção, construiu uma clínica para doentes terminais, uma escola, uma casa para idosos abandonados, um apartamento para mendigos e três casas para crianças órfãs ou abandonadas (cf. Passos 109, outubro/2009). Um pedaço do Paraíso em um dos países mais pobres da América Latina. Que faz com que nos certifiquemos pessoalmente “do que nasce de um eu renascido por um encontro”, como explica padre Aldo. De fato, o verdadeiro espetáculo não é ele, nem suas obras. Mas ele comovido por Cristo, quer esteja celebrando a missa entre os doentes, quer esteja guiando uma visita a uma Redução dos missionários.
Mas o que levou essas pessoas até Assunção? “Tudo nasceu há três anos”, conta Adele, diretora de um colégio e membro do diretivo dessa Fraternidade. “Estávamos com padre Michele no Paraguai e quase por acaso fomos até São Rafael: ficamos maravilhados, como João e André.” Então, nasceu a ideia: “Ao invés de discutir entre nós, ajudemo-nos olhando-O em ação”. No fundo, é a mesma razão pela qual Dom Giussani quis que a São José nascesse (os primeiros encontros ocorreram em 1985, mas o nome só foi dado nove anos depois): “Uma companhia para apoiar a vocação do solteiro”, explica padre Michele. “Todos os homens são destinados a viver a virgindade, mesmo os casais. Mas alguns têm a tarefa de ser sinal disso para todos, como uma bandeira. E quem é chamado à mesma coisa, se ajuda.” No início, Dom Giussani “propôs esse caminho para quatro pessoas entre 34 e 40 anos”, lembra Adele, que faz parte da Fraternidade desde 1990. Pelo estatuto, acima de 35 anos não se pode mais entrar para os Memores Domini (pessoas que vivem a dedicação total a Deus vivendo no mundo, reunidas normalmente em comunidades denominadas “casas”). “Mas essa foi somente a ocasião, pois o verdadeiro motivo era mais profundo: Dom Giussani desejava que florescesse uma realidade vocacional radical, na certeza de que Cristo basta, além de qualquer estrutura”. Uma forma essencial a qual, com o passar dos anos, puderam aderir até aqueles que viviam uma situação particular, como por exemplo na família ou no trabalho. “Por isso desejava nos acompanhar pessoalmente. E, mesmo não sabendo como se desenvolveria, repetia sempre: essa Fraternidade será a resposta à necessidade da Igreja no mundo”.
Sem limites. Entretanto, já chegou a mais de vinte países, dos Estados Unidos ao Japão, da Rússia à Uganda, passando também pelo Brasil. A regra é reduzida ao mínimo: a missa, a oração das horas e um espaço de silêncio diário, três retiros por ano, encontros mensais em grupos e uma quota do salário como contribuição mensal a um Fundo Comum. É “uma vocação sem limites”, diz padre Michele. Ele viu isso com uma artista que, entre ensaios e concertos, nunca conseguia participar dos retiros. “Eu pensava: o que é preciso para pertencer a essa Fraternidade? Quando falamos com padre Carrón, ele esclareceu tudo: ‘O ponto não é o que é pedido para aquela mulher para fazer parte da São José, mas como a São José pode ajudá-la a viver aquelas circunstâncias’. Então, aí se abriu um mundo para mim.”
Nenhuma circunstância é um obstáculo para viver d’Ele. Ele lhe agarra ali onde você está. Como foi para Silvia, que é obstetra e vive com seus dois filhos. “De manhã, atendo outras mães no ambulatório, à noite sou eu a mãe diante do fogão”, conta enquanto dá comida a um dos órfãos acolhidos por padre Aldo. Quando se casou, no civil, não queria saber de padres ou da Igreja. Depois, duas colegas a fizeram descobrir a fé: “Mas meu marido não aceitava: ‘Escolha: ou eu, ou o seu Deus’, dizia. Até que pediu a separação”. E deixou-a sozinha com os filhos. Foi um padre quem lhe indicou outro caminho: “Em 2003, pedi para entrar na Fraternidade. Agora posso dizer: realmente Cristo faz com que recomecemos, não importa o que tenhamos feito”. Assim, enquanto para os colegas ela continua sendo uma mulher separada (“embora muitas vezes não consigam explicar a minha alegria: ‘Será que você se casou outra vez?’”), ela não é mais a mesma: “Tanto que, um dia, meu filho disse: ‘Como seria bonito se papai vivesse aquilo que você vive’”.
Porque Deus é capaz de nos fazer reflorescer. “Mesmo quando pensamos que o jogo já está terminado”, explica Rodolfo enquanto estão indo visitar a missão dos franciscanos em Yaguarón. Quando um amigo lhe contou sobre a São José, tinha 57 anos e um casamento anulado nas costas. “Conversei com padre Gianni e as minhas objeções foram vencidas. Nessa proposta sentia novamente todo o fascínio de quarenta anos atrás, quando encontrei o Movimento: tudo era deixado à minha liberdade e poderia dizer ‘sim’ ali onde estava, sem precisar de mais nada.” Nem aquela derrota podia ter a última palavra: “Deus não nos salva fazendo algo diferente”, diz padre Michele, “mas usando exatamente aquela derrota. Essa vitória na derrota é o sinal da Sua presença”.
Com os docinhos. E a vida, na Sua companhia, “é bela e cheia de sentido”. Rita, do sul da Itália, repetia sempre isso, algumas semanas antes de morrer. Durante quase 60 anos suportou uma poliomielite que, no último período, lhe impedia de fazer qualquer movimento. No entanto, era uma referência para toda a sua cidade, pois muitos jovens iam falar com ela a qualquer hora. Dizia: “Eu sou grata por tudo: vocês perceberam que eu encontrei Jesus?”. Entrou para essa Fraternidade no último ano de vida, e embora não tenha participado de nenhum retiro, ela os acompanhava pelas transcrições que lhe enviavam via e-mail. E era preciso ver como cuidava do irmão que desde 2003 fazia diálise: “Para mim, é como estar com o Senhor no Calvário”. O primeiro a ver a mudança de Rita foi ele. Quando os amigos da São José vinham visitá-la (o grupo sempre se reunia com ela), ele ia comprar os “docinhos”. Dizia: “Precisamos fazer festa. Também são minhas irmãs, não?”. Entendeu que é uma fraternidade de carne viva.
O acontecido com Rita é fora do comum, mas no fundo a história de todos é um milagre. É assim para Angela, empregada em uma fábrica de luminárias, que desde 1990 guarda as palavras de um de seus amigos mais queridos: “A plenitude da vida está na morte e na virgindade”. Ele morreria aos 19 anos de um tumor, ela entraria para a São José. Ou Barbara que, recém-formada, tinha encontrado um bom trabalho e se sentia bem assim. Mas, num verão, bastaram duas palavras com uma amiga da São José “para me fazer cair do cavalo. Perguntava a mim mesma: por que essas pessoas me atraem tanto?”. Ou Gabriel, que durante anos teve todas as mulheres que queria: “Mas a vida era insuportável”. Até decidir voltar para a Igreja, intuindo depois que “só na virgindade possuirei tudo”.
A doze mil quilômetros de distância, as histórias mudam mas o coração é o mesmo: Ele lhe agarra aonde você está, do jeito que você é. Quem repete essas palavras são os doentes de AIDS que vivem na fazenda de padre Aldo, com quatorze hectares de palmeiras, laranjais e bananeiras a uma hora de Assunção. Acolhem-nos com cerveja e churrasco. Depois do almoço, Tomas conta sua história. Fala de quando pesava 30 quilos e do lugar que o acolheu (“a clínica à qual pertenço”, observa). E acrescenta: “Eu tenho que agradecer pela AIDS: foi o que me levou a encontrar Cristo”. Também por este “espetáculo”, valeu a pena vir do outro lado do mundo.
(Do arquivo de Passos n. 126, maio/2011)