Sim, a tudo
Marcos Pou faleceu aos 23 anos, quando tinha acabado de entrar no Seminário de Barcelona. Um ano depois de sua morte contamos um pouco de sua história: uma vida “normal”, mas que está mudando a vida de muitas pessoas (de Passos set/16)Quando fez as malas para o Seminário, toda a família estava feliz e ao mesmo tempo cheia de melancolia. Ele também estava. Então, seu pai e sua mãe lhe escreveram esta mensagem: “Adelante, Marcos, sempre!”. Em frente, porque a ferida era grande, mas a promessa, infinita. Assim foi, e é. A vida daquele filho tornou-se maior, muito maior, e o dom que ele era para eles ofereceu-se a todos.
Marcos Pou é o mais velho dos cinco filhos de Itziar e Paco, ela professora, ele jornalista, de Barcelona. Entrou para o Seminário aos 23 anos, no dia da Virgem de Lourdes, 11 de fevereiro do ano passado, e morreu em um acidente quando dirigia sua vespa dez dias depois, num sábado à noite. “Deus nos preparou uma arapuca”, disse seu tio, padre Yago, no funeral: “Não com a morte de Marcos, mas com a sua vida”. Para começar a entender esta frase é preciso escutar e olhar para seus pais e irmãos, seus amigos, ler os testemunhos de muitas pessoas e a história da sua vida, que ele mesmo escreveu um ano e meio antes de morrer, e que agora está publicada online em espanhol (www.marcospou.com).
Um jovem luminoso, um coração simples e viril. Sua história teria sido “monótona e banal”, segundo ele, mas as coisas não aconteceram assim. Na noite do dia 21 de fevereiro, obrigou todos a olharem para o que já tinha acontecido: algo havia explodido dentro daquela história normalíssima, e teve o poder de mudar a vida de tantos. Todos os que, como conta seu irmão Nicolás, “foram acariciados por Deus através dele”.
No entanto, Marcos “era comum”. É a primeira coisa que diz o pai: “Um filho normal, que nos últimos anos fez muitos amigos”. Quando disse que entraria para o Seminário “simplesmente revelou o enigma”, conta seu tio. Revelou o segredo pelo qual vivia como vivia. Por causa do qual se interessava por tudo e queria doar-se, por causa do qual estudava todos os dias, “era muito obediente”, conta a mãe, e se não conseguia realizar algo, “se não usava bem o tempo, ficava triste”, diz seu amigo Lluís. Lavar os pratos em casa ou passar alguns dias num hospital para leprosos na Índia: para ele, as duas coisas tinham o mesmo valor. “Estava atento à sua experiência, a tudo o que acontecia fora e dentro dele”, e anotava tudo num diário.
A família Pou é católica. Paco e Itziar sempre deram todo o afeto possível a seus filhos e sabiam que tinham ensinado a eles o que é bom e o que é mal. Até que aos dezesseis, dezessete anos, viram no primogênito algo que não tinham transmitido: “Uma alegria incomum. Eu, como mãe, tinha certeza de que não a tinha recebido de mim”, diz Itziar. “Era a alegria plena da fé”. Eles sentiam-se cristãos que buscavam. “Nunca conseguíamos estar à altura do Deus que conhecíamos”. Com humildade, começaram a seguir Marcos, que estava mudando graças à amizade que nasceu no Colégio Abat Oliba-Loreto, com o diretor e alguns professores. Assim, encontraram o Movimento Comunhão e Libertação. “Nós também começamos a fazer um caminho”. Em seus escritos, Marcos aponta como um dos maiores dons de Deus exatamente poder fazer esse caminho junto com eles, ouvir a mãe dizer, comovida: “Não sabia que Deus é amor”.
Foi ele o primeiro a dizer: “A única coisa interessante de toda a minha vida é aquilo que Cristo fez comigo”. Nas páginas que escreveu seguindo a sugestão de um amigo, fala de todas as descobertas, pequenas ou grandes, que fez enquanto crescia. A que mais o maravilha, no fundo, é a que agrega todas: “A infinita ternura de Deus por mim” e “a Sua imensa capacidade de ser discreto”. Diz isso em seu último testemunho a um grupo de jovens: “Deus é capaz de colocar uma coisa em seu coração e permitir que você viva como se não a tivesse colocado. Deus nunca força. Apenas faz uma proposta. Depois, há as consequências de ir atrás dela ou não. Mas esse é outro assunto...”.
PORTA FECHADA. Aos 12 anos, “sem saber bem porque”, exprime o desejo de tornar-se padre, mas com o tempo, conta, “perdi essa convicção e essa inquietude”. Começa a não se interessar mais pela Missa e por Deus, um desencanto que pouco a pouco permeia tudo, nada o entusiasma de verdade: “A vida reduziu-se ao futebol e às meninas”, e com isso vive sempre um desconforto. Numa tarde em que está um pouco irrequieto, vai à casa de uma menina com quem havia se envolvido: sai da casa dela, volta-se para se despedir e a porta já está fechada. “Ali, tive uma intuição: não, eu não fui feito para tratar e ser tratado assim”. Frequentemente experimenta um vazio que não conhece. No entanto, nunca deixa de acreditar que há algo maior: “Tentava entrar em relacionamento com esse ponto misterioso de modo sentimental”. Lê, escuta músicas que despertam nele nostalgia, para diante do silêncio do mar ou de um pôr do sol. Quando surfa, olha para o horizonte.
Quando começa o ensino médio percebe que é “um velho de 16 anos”. E, ali, encontra professores que falam do homem como nunca tinha ouvido antes, falam da felicidade e “essa palavra me fascinava”. A paixão pelo cinema compartilhada com o professor de catalão, a descoberta de Leopardi, a amizade com alguns colegas com quem começa a fazer Escola de Comunidade. Na beleza de certas amizades desperta também a provocação da vocação, mas, depois de tê-la confiado à Virgem numa peregrinação a Czestochowa, essa questão novamente adormece. E ele volta a viver de forma incerta. Até participar das férias do Movimento em Picos de Europa. Foi ali que, uma noite, conversando com quatro amigos, aconteceu-lhe algo excepcional: “Fui invadido por um grande silêncio. Não sei o que aconteceu. Mas corresponde totalmente àquilo que sou e que desejo. Deus, este ponto misterioso que nunca tinha entrado na minha vida, entrou”.
Matricula-se na Faculdade de Física (“a Física sempre me fascinou porque torna evidente que existe uma inteligência criadora”) e o primeiro ano da universidade foi marcado por um ponto de dúvida: “Uma distância abissal entre aquilo que eu vivia e a possibilidade de verificar verdadeiramente a fé”. Mas algumas conversas e rostos nos quais vê alguns traços inconfundíveis são mais fortes do que isso: “Conheço este olhar. É o mesmo que vi em Picos e que preenche meu coração. Um olhar de infinita ternura”. Este fato em carne e osso repete-se outras vezes: “Toquei Cristo. É uma experiência tão misteriosa quanto simples”. Reconhece que é “exatamente a experiência dos discípulos” que tanto pedia a Deus para experimentar.
O ponto mais intenso de Mistério é a ligação que tem com uma jovem de Madri por quem se apaixona, “o coração mais bonito que eu já conheci”. Desde o início, o relacionamento entre eles é imerso em um desejo de eternidade, mais real do que podem entender. O coração de Marcos nunca parou de se converter neste relacionamento. Sobretudo quando, por causa da inquietude pungente – “há como um alarme entre nós” –, com grande sacrifício e numa luta muito humana, decide deixá-la, porque o Senhor está lhe pedindo outra coisa. Ceder requer um caminho. É conquistado por um fascínio cada vez mais imponente por Jesus e pela vocação à qual o chama. Segue aqueles que percebe apaixonados, experimenta plenitude no serviço, especialmente aos pobres, por quem tem uma predileção, acompanha a vida de seu tio padre e de Irmã Maria Ruah no hospital para leprosos de Asansol, perto de Calcutá. É a ela que, um dia, pergunta como é possível falar de Jesus com tanta familiaridade: “Você já sabe, Marcos, oração e diálogo em tudo aquilo que faz”. Este se torna o seu desejo e a sua busca.
Com o tempo, o relacionamento com a ex-namorada “ao invés de perder-se, cresce”, mesmo no silêncio e na distância: “É uma afeição cheia de vertigem”. Quando entrou no Seminário, ela lhe escreveu: “Aquilo que Deus colocou no seu coração foi para mim. Porque a ferida que me acompanha faz-me buscar a única Presença que pode encher de afeto a minha vida. Aos olhos do mundo nossos caminhos tomam rumos diferentes, mas aos olhos de Deus serei sua para sempre e você será meu para sempre. Na história que vivi com você, conheci aquilo que tenho de mais caro: Cristo”.
A de Marcos, é uma história de virgindade, de um amor que caminha para tornar-se verdadeiro. Rumo aos outros e também rumo a si: “Quando era criança, pensava que ser amado era ser reconhecido. Mas somente afirmar Cristo é afirmar a mim mesmo”. Ele que, quando menino, tinha dificuldade de rezar (“preciso me convencer de que existe um Deus que me escuta?”), ele que luta para não dizer “Cristo” com leviandade, pouco a pouco conhece cada vez mais o Seu rosto singular e se apaixona por ele: é “o seu amigo do coração”, como escreveu padre Julián Carrón depois da sua morte.
DUAS ANOTAÇÕES. Essa paixão explodirá na amizade com padre José Miguel García, que um ano e meio atrás viu seu “filho” tornar-se, de repente, seu pai. “Comecei a acompanhar Marcos, como tantas coisas grandes na vida, por acaso”. Embora tivesse uma intensa vida sacerdotal, “tinha muito forte em mim a pergunta: Senhor, o que quer agora de mim?”, conta García. E acompanhar Marcos foi a resposta. “Uma graça imensa: ver a intervenção tão forte do Senhor em sua vida e ele tão simples e disponível”. Nos últimos anos vê desabrochar sua paternidade em relação a muitos, sobretudo na responsabilidade que lhe é confiada de acompanhar os universitários de CL de Barcelona: “Não era apenas uma humanidade sua, era o coração misericordioso do Senhor que batia no seu”.
Marcos acompanha García no serviço pastoral e frequentemente o observa rezando, pedindo para “depender como ele depende”. Na cotidianidade deixa-se educar por duas coisas em particular, todas as semanas: a caritativa que faz com as Irmãs de Madre Teresa e a adoração do Santíssimo no Santuário da colina de Tibidabo. García imaginava que ele seria um grande padre numa cidade “necessitada de Jesus” como Barcelona. “Quando ele morreu, lutei com as lágrimas durante meses também pensando nessa questão. Mas vejo que Deus está operando mais através da sua vida, agora. Em mim, e em muitos. Pessoas distantes da Igreja aproximaram-se de Deus e não poucos jovens começaram um caminho de consagração”. A vida de Marcos “é um fruto claríssimo do carisma de Dom Giussani e ensina a todos que o Senhor realiza coisas grandes em quem se abre ao Seu chamado. Pode fazê-lo em mim, em você, em qualquer pessoa. Marcos era muito normal, com todos os seus limites e faltas. Mas disse sim”.
DUCHA GELADA. Também seus pais continuam deixando-se educar: “Marcos me ensina um modo novo de tratar tudo”, conta a mãe: “Nós dizemos que amamos, mas na verdade tentamos aprisionar o outro para nos sentirmos amados. Com Marcos, não posso exigir nem aprisionar, e aprendo a amar sem pretensão”. A dor, às vezes, é um abismo, nada acalma o coração, mas na noite de sua morte ela começou um diálogo com Deus dizendo “sim, Senhor, sim a tudo”, e pedindo ajuda. Diz, cheia de certeza: “Marcos está vivo. Essa é uma experiência que fazemos”. Na intimidade do coração e em muitos fatos, porque a morte não pode gerar vida. “Ter um filho no Céu é uma vocação”, explica o pai: “Um presente doloroso, mas um presente. Não é possível não ver o que está florescendo em nossa volta”.
Um seminarista os convida para sua ordenação e eles, espantados, perguntam por quê: “No funeral, fiquei olhando para vocês: como é possível viver a morte assim? Que fé vocês têm? Desejo-a para mim”. Outro companheiro de seminário que antes de conhecer Marcos estudava sozinho, não quer perder a intensidade que experimentou com ele, assim, compartilha receoso esse desejo com outros seminaristas e nasce entre eles o Grupo São Marcos, para se acompanharem no cotidiano. Um jovem que estuda com Nicolás, e que sempre zombou da Igreja, lê os testemunhos sobre seu irmão e o procura: “Vocês me aproximaram de Deus. Passei na frente de uma igreja e entrei”, lhe diz, chorando: “Eu nunca tinha me ajoelhado. Nunca. De repente, sinto-me incompleto de algo que não sei o que é. Mas sei que é a maior coisa que já me aconteceu”.
“As pessoas dizem que a morte é negativa, mas eu não consigo vê-la assim”, explica, aos 10 anos, um dos dois irmãos gêmeos de Marcos, Matteo e Juan, que ele adorava e chamava de “Minions!”. “Quando me perguntavam se acredito em Deus, dizia que sim, sem pensar a respeito”, diz o pequeno Juan: “Agora, porém, acredito”. Natàlia, a terceira filha, viu como o irmão Nicolás vivia a dor, e perguntou-lhe por quê: “É a fé”, respondeu ele. “Por causa dessa resposta comecei o caminho no Movimento”, diz ela, hoje: “Sempre procurei um amor para sempre, infinito. Mas fora da Igreja. Com Nicolás e a morte de Marcos, descobri que existe um lugar que me promete que aquilo que procuro existe”. Seus pais viram morrer também outro filho, Gonzalo, apenas dois dias depois de seu nascimento: “O relacionamento misterioso com ele e com Marcos nos ensina que os filhos não são nossos: não porque poderiam morrer amanhã, mas porque poderiam não ter nascido. Tudo é dom”.
Inclusive o coração sacerdotal que Marcos tinha. Bem antes de se tornar padre. O impacto no Seminário foi a ducha gelada em um quarto gelado. “Cristo me dizia: ‘Você não deseja dar-me a vida? E isto não faz parte da forma que lhe é dada para dá-la a mim?’. E vivi a circunstância com gosto!”. Escreveu sobre isso a padre Mauro Lepori, Abade Geral dos Cistercienses que, a partir daí deixa-se acompanhar pelo sim desse jovem: “Faz com que eu tenha com cada circunstância um relacionamento que muda seu sentido. Converte-me”. Porque Marcos consentia sempre, toda ocasião era boa para amar mais a Cristo, para um movimento da liberdade em direção à meta que tanto desejava: “Quero ver o rosto do Senhor”.
No dia de ingresso no Seminário, Marcos escreveu: “Vertigem e plena confiança, sou Teu, Cristo. Que seja um caminho de santidade. Feliz por dar-Te a vida! Domina mais isto do que aquilo que não vai bem, que eu não gosto ou que parece ser uma dificuldade. A ti me confio, Maria. Virgem de Lourdes, faça-me feliz! Faça-me Santo!”.