Maltrainsema, ou seja, abertos a todos

Mais uma história daqueles que experimentam esta estranha companhia em lugares e circunstâncias muito diferentes. Aqui, sobre uma Fraternidade de Como, na Itália
P. Bergamini, A. Leonardi, P. Ronconi e A. Stoppa

A casa de Patrizia e Fabio é uma casa de campo no fim da estrada. Estamos em Carate Brianza e entrando na casa, não esperávamos encontrar ocupadas todas aquelas cadeiras dispostas em filas. São cerca de cinquenta, uma pequena sala de cinema, dirigidas para o centro do salão, onde os lugares estão todos ocupados incluindo os sofás. Homens, senhoras, uma pessoa de cabelos brancos, está também um homem idoso que foi transferido da cadeira de rodas para a poltrona. Ao lado dele alguém lhe pega na mão.

Quando entramos, está a falar o Michele: «decidimos ir sábado à noite a uma sessão de cinema: fomos ver A bela e o monstro. A minha filha preparou sandes para todos e saímos logo de seguida. Quando voltámos a casa estava completamente virada do avesso. Janela arrombada. Não havia um centímetro quadrado de chão livre mas, em compensação, os ladrões não encontraram nada para roubar…».

De um canto da sala ouve-se uma voz: «Eram albaneses? Zef, diz-lhe que foste tu…». Risada geral. Michele continua: «No dia seguinte começámos a pôr tudo em ordem. O meu filho mais novo recolheu o quadro do Padre Pio : “ deve ter olhado para o ladrão nos olhos”, disse-me e “ quem sabe o que não estará a fazer por ele no Céu…” parou por um instante e disse-me ainda: “Não. Deve tê-lo amado e continua a gostar dele ainda que tenha feito uma coisa feia. Como nós que gostamos dos nossos amigos mesmo quando erram, continuam a ser nossos amigos. Ainda para mais ele é santo…”».

Mas quem são estes «amigos que erraram»?
Um é Ed, Edmond. Está sentado ao pé da janela com a sua mulher Rosanna. Perderam há pouco tempo um filho antes do nascimento. Nesses mesmos dias morreu o pai dela e um tio dele. «Não estou contente mas estou feliz», diz Ed. «Estes factos dolorosos fizeram-me perder um pouco o rumo. Mas eu estou nesta companhia que, quando estás perdido, agarra no leme e volta a colocar o barco no rumo certo». Ed e Rosanna têm o Francesco de ano e meio. «Deixei de medir o cansaço porque é enorme», continua. «Mas aquilo que me é dado, tendo-vos encontrado, é tão grande que é impossível medir. Nós temos a graça de sermos compreendidos neste lugar. Fomos preferidos».

Ed é um daqueles que Patrizia encontrou no seu trabalho no Bassone, a prisão de Como. Ela entrou ali, há alguns anos atrás, como professora de italiano. Ele, porque tinha feito “trinta por uma linha”. Patrizia chegou ao Bassone depois da falência da empresa da família. Ela e o seu marido Fabio, com os cinco filhos, vêem ser-lhes tirados casa, carro e conta bancária. Para arredondar o ordenado de directora de pré escolar, Patrizia aceita o trabalho na prisão, no centro de imprensa onde ensina um ofício aos presos. É assim que entra em contacto com pessoas «que erraram» de um modo muito grave. Todos homens, alguns perigosos, mas percebe que a dor pela situação da sua família não é diferente da dor dos presos que encontrava. E o sofrimento de cada um tem necessidade do mesmo sentido, do mesmo abraço.

Entretanto são os amigos, principalmente os da Fraternidade de Varese, que os ajudam a recomeçar, a perceber que nada acontece por acaso e que Deus se serve também de todos os nossos falhanços.

NO COFRE
O dia na prisão começa com o Angelus, para quem acredita, para quem não acredita, para quem não é cristão… E, pouco a pouco, naquelas horas aprende-se a trabalhar bem, a olhar os outros por aquilo que são e não por aquilo que fizeram. A querer bem e a sentir-se queridos. Também para o Ed é assim. Quando saiu da prisão levava no bolso o número de telefone da Patrizia: «O meu pai não me quer ver nunca mais», disse-lhes. O Fabio foi buscá-lo e levou-o para casa deles. E ficou a viver com eles durante três anos.

Antes dele, já Bing, o chinês, tinha feito aumentar o número de lugares à mesa na casa de Fabio e Patrizia. Também ele esteve na casa dos Mazzoleni durante três anos depois de sair da prisão. Hoje é casado, tem duas filhas e um trabalho importante na China mas sempre que vem a Itália pede à empresa para dormir num hotel perto de Carate para poder “voltar a casa”. Depois de Bing é a vez de Paolino que acabou por morrer de cancro de fígado e, pouco tempo antes, tinha decidido seguir, já não quem tem gorro e pistola mas sim a misericórdia de Deus na sua dura vida.

Depois chegou o Zef, vindo há 17 anos da Albânia num barco de borracha à procura de um lugar melhor. A vida levou-o para a cadeia. Hoje está aqui, no salão, mas esta noite vai voltar à prisão. Brincam com ele por causa do seu passado negro também como ladrão. Podem brincar porque sabem que ele agora é outra pessoa. Porque também ele diz que foi «preferido»: «Todas as coisas que fazemos são para procurar a verdade, até mesmo escrever na parede quando estava na solitária», afirma. «Tudo é para procurar o nosso rosto. Estive onze anos na prisão. Pensei tantas vezes que conseguia fazer tudo sozinho mas dei por mim derrotado. Mas, depois, vem Jesus que te diz: “Tu amas-Me?”. Continua sempre a perguntar-te e tu não respondes. Até que desce ao teu nível, ao nível da simpatia humana: “Queres-Me bem?”. E faz-te a pergunta quando preparas o café, quando tens ladrões em casa, quando perdes um filho no ventre. Como diz o manifesto de Natal: “Despertai! Vós que jazeis no pó da terra porque vem o médico para os doentes… Vem Aquele que afundará no profundo do mar todos os nossos pecados… porque assim quis vir Aquele que se podia ter contentado em dar-nos uma ajuda”». E Zef respondeu a Jesus.

A última intervenção é de Patrizia. Conta um passeio ao mosteiro de clausura na ilha de San Giuglio, no lago d’Orta, com as 150 crianças do infantário onde é directora. Uma delas pergunta à madre superiora que os recebe: «Porque é que vocês estão na prisão?». Ela responde: «Não estou na prisão, estou num cofre, porque para Jesus nós somos pérolas preciosas. E quanto mais nós mantivermos esta pureza, melhor conseguimos chegar, através das nossas orações, a tua casa».

Todas estas pessoas reunidas na sala da casa dos Mazolenni (e outros que naquele dia não foram ou que talvez comecem a ir na próxima vez) são os , os que “foram postojavascript:format('em',true);s juntos, mal”, presos, ex-presos, os seus familiares, as mães do infantário da Patrizia, amigos que se encontraram… uma fraternidade absurda. Ou simplesmente aberta a todos aqueles que começam a perceber o que se responde à pergunta: «Tu amas-Me?».

AS LAUDES ÀS 5H30
Nesta fraternidade onde não é difícil cada um falar de si porque se percebe que, o limite de cada pessoa, pequeno ou grande, não escandaliza, existe uma regra para quem a consegue cumprir: a oração das laudes às 5h30, para quem está na prisão e para quem está em casa: «Viver a fraternidade com aqueles que vivem na prisão, um lugar tão difícil, permite unir as nossas vozes, o nosso desejo. O nosso pedido torna-se uno», tinha contado uma vez a Patrizia. «Tenho os seus rostos diante de mim e eles o meu. E isto faz que sejamos ainda mais amigos».

A reunião está a acabar. É hora de jantar. Mas Fabio tem os avisos para dar: os Exercícios Espirituais, o passeio na segunda-feira depois da Páscoa. E ainda: «conseguimos autorização para entrarmos todos (facto extraordinário) na prisão no dia 28 de Maio para festejarmos juntos o Crisma e a Primeira Comunhão dos nossos filhos. Depois, jantamos todos juntos na Cometa. Preparem os vossos documentos de identificação. Com os ex-presos encontramo-nos directamente no jantar. Também podem vir as crianças. Não os levamos connosco para lhes dizermos: “olha o que não deves fazer na tua vida” mas para que se encontrem com pessoas de quem gostamos».