A voz no deserto
Nasceu nos Emirados Árabes, onde o aborto é proibido, exceto no caso da sua doença. Da "Passos" de novembro, a história de Giacomo Avallone, que viveu por oito horas e “disse” a todos o que é a vida. O diário escrito pela mãe conta o caminho que fizeramQuando Silvia começa a escrever o seu diário, Giacomo está em seu ventre, ainda pequeno e sem cérebro. Ela o acompanhava em seu desenvolvimento, mesmo sabendo que ele não poderia viver por muito tempo. Uma das frases mais bonitas que escreveu no decorrer dos nove meses foi uma que muitas vezes explodia em seu coração enquanto se dirigia a ele, e confiava: «Estou muito orgulhosa de você». É a admiração das mães pelos filhos quando os veem ser corajosos e enfrentar escolhas importantes. Silvia está orgulhosa de seu filhinho por tudo o que ele lhe ensina com grande força: «Você está me mudando». Giacomo nasceu no dia 28 de fevereiro de 2016 e viveu por oito horas. «Vida pura e plena», escreve a mãe.
A primeira consulta. Silvia e Roberto são italianos, ela obstetra e ele, engenheiro. Eles se casaram em 2009 e desde que eram noivos tinham o desejo de fazer uma experiência de trabalho no exterior e, assim que ele recebeu uma proposta partiram para Dubai, nos Emirados Árabes. Era o ano de 2011. Desde então, vivem naquele mundo muito distante, em todos os sentidos, da vida que tinham em Milão, junto com as três filhas pequenas: Viola, Rachele e Stella. Em julho de 2015, descobrem que esperam Giacomo, o primeiro varão da família Avallone. Com ele, começam seu caminho, no desejo de acolher até o fundo aquele filho e de fazer isso em Dubai, cidade cintilante, perfeita, que segue sempre em frente, sem mendigos, sem problemas, que fica em uma faixa de terra entre o mar e o deserto, entre a torre mais alta e o hotel mais luxuoso. Onde «não há lugar para a dor e a pobreza». E onde está em vigência a sharia, uma lei que proíbe o aborto. Exceto em um caso: a anencefalia.
No diário (que agora foi publicado em italiano como um livro), Silvia conta tudo o que viveu desde a primeira visita de controle, à qual foi sozinha porque Roberto estava na Itália. Perguntam-lhe se quer fazer o exame para verificar se o bebê tem Síndrome de Down. Diz que não. «Decidida e orgulhosa, pensou: “Quem quer que seja, amo você e estarei ao seu lado”». A médica começa a ultrassonografia. De repente, diz: “Há um problema na cabeça. Os ossos não se formaram”. Silvia lembra-se de ter sido invadida pela dor mais aguda que já sentiu. A vida se paralisa.
«A única coisa a fazer nesses casos é abortar», são as palavras que ouve. E depois: «Você já tem três filhas!». Ela sai atordoada do Fetal Medical Center. Roberto estará de volta no dia seguinte, mas decide não lhe dizer nada pelo telefone. Conversam, ele está feliz e envia fotos onde aparece sorridente junto com os amigos: «Chorei olhando para eles: percebi como, de repente, tudo pode mudar». Precisa voltar para casa, dar o jantar às meninas e colocá-las na cama sem se desesperar. «Acho que aquela noite foi o momento mais difícil. Sentia crescer em mim uma angústia imensa. Perguntava ao Senhor: por quê? Por que nos pede isso? E por que fez com que eu descobrisse sozinha?».
Naquele momento inicia-se uma luta: um desejo confuso de interromper a gravidez, o tormento apenas em pensar nisso, depois a oração, o grande amor que já sentia por aquele menino, o olhar para Nossa Senhora... «Começava a nascer em mim a ideia de que Deus estava nos pedindo algo grande, embora imensamente difícil». A partir do dia seguinte, Silvia e Roberto, entre lágrimas, começam a abraçar aquele desígnio misterioso.
«Confiarmos em Deus era a única possibilidade de verdade para nós», contam. E não abandonam mais este “sim”, nem mesmo nos momentos mais duros: ele é fruto do caminho de fé que percorreram até ali, dentro do Movimento de CL. Silvia é muito consciente de que não se trata de coragem: «Não sou mais corajosa do que outras mães, mas recebi uma graça grandíssima em todos esses anos, que me permitiu dizer o meu sim a uma gravidez tão especial». E também é fruto do “sim” de muitas outras pessoas «sem as quais não teríamos dito o nosso». É a companhia que chega do testemunho dos amigos ou de pessoas que nunca tinham visto, como Chiara Corbella, ou através das cartas de pessoas desconhecidas que ficam sabendo sobre Giacomo e rezam por eles; a proximidade de Elvira Parravicini, neonatologista de Nova York, ou de pais que viveram a mesma experiência que eles vivem.
No terceiro mês, vão à Itália para uma consulta, e o diagnóstico é confirmado: o milagre que pediam, não aconteceu. Mas a médica, diferentemente do que aconteceu em Dubai, olha através do ultrassom cada aspecto de Giacomo e o descreve a eles. «À parte o seu problema, o filho de vocês está bem». Roberto experimenta um grande incômodo por aqueles detalhes que lhe parecem nada. Mas, depois, percebe: «Aqueles particulares eram importantes. Meu menino existia e poderia acompanhá-lo, embora por um breve tempo, do mesmo modo como acompanhava as outras filhas».
Um leve respiro. Fazer o parto em Dubai significou peregrinar entre hospitais e médicos, ouvir um “não” após o outro, procurando alguém disposto a ajudá-los a levar a gravidez adiante, ter o comfort care para acolher aquele filho em tudo e por tudo. «Seu Giacomo é um evangelizador. É um pequeno missionário. O Senhor os faz andar pelos hospitais para dizer a todos que Giacomo existe e que sua vida tem valor». Foi isso o que Irmã Rachele Fassera, comboniana italiana que vive em uma das duas comunidades católicas de Dubai, disse a eles, certo dia. Ao ouvirem o diagnóstico, foi uma das primeiras pessoas que procuraram e, com ela, encontraram esperança, a liberdade de entregar todas as dificuldades e a simplicidade de se abandonar, passo a passo. Silvia começa a ir, todas as manhãs, ajudá-la com o catecismo. Anota em seu diário: «Vou para sentir o olhar dela sobre mim, que é o olhar de Deus».
No decorrer dos dias, cresce a consciência de que aquele filho está mudando, antes de mais nada, o coração deles: «O mundo precisa de você, Giacomo, para sair dos esquemas», escreve a mãe: «Eu, em primeiro lugar, preciso disso!». Quando até mesmo o Hospital do Estado nega acompanhá-los, não desistem, continuam a busca. Para os médicos, levar adiante a gravidez de um feto com uma malformação incompatível com a vida «não faz sentido». No fim, encontram alguém disposto a acolhê-los, a permitir que fiquem com Giacomo também depois do parto e que possam batizá-lo em um lugar público, coisa de modo algum natural em um país muçulmano.
Depois de quatro anos morando em Dubai com o desejo de comunicar a fé e a beleza que encontraram, Silvia e Roberto veem todas as suas imagens de testemunho superadas por aquele pequenino, sem voz, que “diz” a todos o que é a vida: «Você nos ensina que a coisa mais importante é deixar-se amar. E estar prontos a encontrar nosso Pai”. Silvia o agradece muitas vezes no diário: «Você me ajuda a olhar para suas irmãs, a amá-las com verdade. Você existe, e está mais vivo do que todos nós!». A vida cotidiana, com ele, se faz intensa, humana, leal. E também nos momentos mais difíceis, quando Silvia gostaria de estar serena e, no entanto, não para de chorar, quando é tomada pela revolta («frequentemente caio na tentação de achar que posso saber o que é bom e o que é mal»), também ali, deixa-se mudar: «Você faz crescer o meu relacionamento constante com Aquele que o desejou. Ensina-nos que o amor verdadeiro é gratuito, não espera nada em troca».
Nunca negou, «e nunca negarei», escreve, «a dor imensa e a grande dificuldade de deixá-lo ir. Vivemos na dor, mas também fizemos uma experiência verdadeira de paz e letícia inimagináveis». Sobretudo quando Giacomo nasceu. Chiara, uma amiga pediatra, estava na sala de parto naquele dia: «Sua chegada foi acolhida por um profundo silêncio, com um misto de estupor. Você não fez nada. Nenhum gemido, ou choro. Apenas um leve respiro, quase imperceptível. Nada o tirou daquela sua calma e compostura». Parecia que não respiraria por muito tempo, no entanto, viveu com eles durante oito horas. Depois de ter conhecido as irmãzinhas e os outros parentes, ficou na cama entre sua mãe e seu pai; eles seguravam sua mãozinha e ele lhes apertava o dedo. «Experimentamos uma paz que não é deste mundo», conta Silvia. Adormeceram ao lado dele, sem medo.
Foi a reverberação de uma vida em sua plenitude, porque amada. «A dor e a morte não são o mal absoluto: o mal absoluto é a falta de sentido», diz Roberto, que precisou, entre tantas dificuldades burocráticas, preparar o funeral do filho antes de vê-lo nascer. «Com Giacomo, aprendemos que nada está em nossas mãos», diz. Nem mesmo aquela «graça desconhecida» que havia entre eles, tão evidente aos amigos vindos da Itália para o funeral. Isso os ajudou a enfrentar também «a viagem mais difícil da nossa vida», com o pequeno caixão no bagageiro do avião, para levá-lo para a Itália: se o sepultassem em Dubai, não poderiam mais tirá-lo de lá.
Hoje. No fim do diário, Silvia se pergunta: «Como é possível continuar a viver depois de uma coisa assim? Como enfrentar o vazio imenso que sinto todos os dias?». Responde que o faz «vivendo», agradecendo «por tudo o que os meus olhos viram», e levantando-se com dificuldade todos os dias. «Nunca se para de dizer sim ao Senhor e à vida».
Giacomo é uma semente plantada em seus corações e no coração daqueles os acompanharam, como Lara, outra amiga: «Agora tenho o coração maior, mais maravilhado e cheio de certeza». E é assim para quem o encontra hoje através do livro. Neste ano, Silvia o apresentou muitas vezes, e ficou surpresa em ver como seu filho «continua a sua missão». «Estou encontrando uma humanidade grande», diz: «Muitas pessoas em caminho. E recebo muito. Alguns têm histórias parecidas com a nossa, outros, vidas bastante normais, mas isso não importa: o problema não são as situações que vivemos, mas como respondemos a Alguém que nos chama. Giacomo recebeu a sua tarefa e a viveu».
Como eles. Quando as pessoas dizem «vocês foram corajosos», ela responde que não, «fomos acompanhados. E dissemos sim. Até o fim, eu dizia a Deus: “Não consigo fazer o caminho que me pedes, não quero...”. Mas se você confia, vê o cêntuplo». Também hoje, quando «a saudade é mais intensa».
«Não basta nos lembrarmos de que temos um filho no Paraíso», diz Roberto, «mas viver este fato a cada dia. Para mim, acontece na necessidade. Deparo-me com toda a minha fraqueza, sobretudo nos relacionamentos, mas se antes era tudo uma questão de um esforço meu, agora é natural que eu peça, mendigue: Giacomo, me ajude, porque eu vi uma coisa excepcional e sei para onde quero olhar. É um olhar que “muda”, graças a uma experiência vivida». Como quando tremia, como todo pai, na sala de parto, sabendo que seu filho morreria, e dando-lhe o Batismo assim que nasceu: «Este foi o vértice do meu relacionamento com ele. Dar-lhe a coisa mais importante da minha vida».
Hoje, esperam o quinto filho. E há tudo: o medo, a preocupação e o «confiar-se a Deus, que aprendi com meu filho. É a única postura verdadeiramente humana», diz Roberto. “Mas há também mais consciência de quanto é essencial o nosso “sim”. Sempre dizíamos: não fizemos nada... Porém, as coisas que Deus faz passam através da nossa liberdade, da nossa adesão. A beleza que vivemos não é fruto do que fizemos por Giacomo, é uma graça. Mas, sem fazer esse caminho não a teríamos experimentado».