No Quênia, escola e teatro
Duzentos jovens e crianças de uma favela de Nairóbi trabalham com o diretor italiano Marco Martinelli e a atriz Laura Redaelli, da Compagnia delle Albe, de Ravena. Eis o que o teatro está proporcionando a eles (de Passos, abril 2018)Dante desembarca em Kibera, em Nairóbi. Este não é um lugar qualquer: é a maior favela africana, onde vivem 800 mil pessoas. Ali, desde 2000 foi aberta uma escola, a Little Prince, sustentada pela Fundação AVSI, que traz números surpreendentes: uma taxa de evasão de apenas 8%, em comparação com uma média de 35% das outras escolas nas favelas da mesma região. Este alto índice de frequência também é devido ao teatro. Há alguns anos, os professores descobriram que este era um fator de grande atração e motivação para as crianças, conferindo-lhes uma adequada forma expressiva. O palco é um espaço para redenção e liberdade.
Os resultados atingiram tanta qualidade, que, em 2016, o espetáculo “Pinóquio” ganhou o prêmio internacional da Fundação Collodi. Mas aquele palco era pequeno, a sala teatral inadequada. Era necessário encontrar os recursos, pois não era possível ignorar a riqueza e a felicidade que o teatro dava às crianças.
O primeiro a ouvir os apelos que chegavam de Kibera foi o ator italiano Franco Branciaroli, que lançou uma coleta de fundos no final de suas apresentações no Piccolo Teatro de Milão. Depois, Emanuele Banterle e amigos, a AVSI e a Compagnia degli Incamminati. Os recursos foram conseguidos e foi possível continuar os trabalhos.
Mas, como muitas vezes acontece, esta boa ideia se demonstrou contagiosa. Relata Marco Martinelli, fundador da Compagnia delle Albe, de Ravena. “Quando fui convidado para participar da segunda etapa do projeto da escola de teatro, eu estava muito ocupado, mas ao ouvir algumas histórias sobre os meninos, cedi: tinha que encontrar tempo para ir a Kibera”.
E assim aconteceu. Foram duas viagens junto com a atriz Laura Redaelli, para desenvolver a ideia, de acordo com uma filosofia já experimentada com jovens na Itália. O modelo é o de espetáculos coletivos e corais, que introduzem a improvisação dos meninos na tela construída com as palavras-chave de alguns grandes autores. Na Itália o autor foi Vladimir Maiakovski. Em Kibera, Dante. “Um autor como ele é um arquétipo universal”, explica Martinelli, “no entanto, com as 200 crianças e jovens das quatro escolas envolvidas no projeto (além da Little Prince, também o Centro Ushirika, a Cardeal Otunga e a Urafiki Carovana), vamos desembarcar a Divina Comédia na situação e na imaginação da favela”. Começa na floresta escura, onde Dante se perdeu. “Com humildade, procura ajuda para sair dela. Ele se depara com as feras, que os meninos reinventaram em situações familiares para eles: haverá elefantes e cobras, por exemplo”.
Antonino Masuri, cooperando da AVSI em Nairóbi, comenta o método de trabalho de Martinelli: “É para isso que serve o teatro: ajudar nossas crianças a serem elas mesmas, a entenderem seu valor inestimável; a usar aquela energia acumulada dentro delas mesmas, por causa de tudo que sofrem, de forma positiva”. E conta um episódio da escola Ushirika: “Quando um dos jovens perguntou ao diretor qual era seu tesouro, ele disse ‘Minha mulher’. Todos perceberam que falava a verdade: tinha diante de si muitas crianças filhas de mães solteiras, nascidas num contexto no qual a AIDS tem taxas altíssimas. E ele estava testemunhando que o amor verdadeiro é possível, existe e dura”.
No final deste percurso, em outubro, o espetáculo será apresentado duas vezes, uma na escola Little Prince e outra na Cardeal Otunga, para permitir que todas as famílias possam vê-lo. Para finalizar, uma marcha dos jovens a um grande espaço aberto no centro da favela, repetindo os versos de Dante (“o amor que move o sol e as outras estrelas”). Martinelli conclui com um primeiro balanço: “Eu encontrei uma energia e uma força vital que eu não imaginava que pudesse existir em tal contexto. Fiquei impressionado com a disponibilidade absoluta de crianças, jovens e seus professores para acompanhar o projeto. Eles logo se identificaram com a ideia. Encontrando-os e trabalhando juntos, entendemos que a escola para eles é realmente um lugar de felicidade. Muitos deles eram crianças de rua, que comiam uma vez por semana, cheiravam cola, escondiam-se no lixo. Um prato de arroz e feijão para eles é valioso”. E o que o teatro pode dar mais a eles? “A consciência de se sentir como brotos, mesmo no meio dos resíduos. É o desejo de uma vida diferente que os motiva”.