Estados Unidos. «Por que eu tenho que seguir uma nuvem?»
É uma amizade nascida há três anos e que continua crescendo. De 14 estados americanos e do Canadá chegaram a Minnesota para passar alguns dias de férias juntos. Com eles, Julián Carrón, como foi no ano passado. Mas «não é mais a mesma coisa»Ficamos juntos muitas vezes, mas esta vez parece algo novo. Você falou muitas vezes, mas esta vez parece algo novo, cantamos na terça-feira antes da síntese das férias, e as palavras de Further on parecem ressoar o estranho paradoxo destes dias.
Passaram-se três anos desde o começo dessa fraternidade sui generis, nascida como reconhecimento das relações nascidas inesperadamente do trabalho de alguns jovens americanos para a mostra I am exceptional: The millennial experience (New York Encounter e Meeting de Rímini de 2015). Desde então, o grupo continuou crescendo – mais de sessenta adultos, jovens, muito jovens e menos jovens, de catorze estados norte-americanos e do Canadá – e inventando maneiras novas para se encontrarem, anulando as distâncias: encontros locais e on-line mensais, quatro fins de semana de convivência no ano, uma tarde durante o New York Encounter e umas férias de verão com todos juntos.
E, paradoxalmente, quanto mais o tempo passa, mais emerge a pergunta sobre o que é esse lugar, o que é a fraternidade – como se, quanto mais ficam juntos, mais ficam conscientes de estar diante de algo maior, misterioso. Como escreveu Marissa, que encontrou o Movimento há pouco tempo e foi às férias para acompanhar o marido: «Aqui há uma presença magnética que me atrai», profundamente familiar e desconhecida ao mesmo tempo.
As primeiras duas manhãs se abriram com breves assembleias, relatos do que aconteceu na vida de quem, este ano, se deixou atrair por esse lugar, deixando que Cristo se tornasse o centro da afeição através de rostos precisos. Nick, CEO de uma empresa de tecnologia em Minnesota, descreve os fatos dos últimos meses: uma situação de enorme estresse no trabalho, problemas de saúde da mulher, a chegada do terceiro filho em quatro anos. E dentro do furacão dos eventos, a mulher continua a chamar sua atenção para a fraternidade, «um lugar que, mesmo quando sinto que estou afundando, posso seguir e para onde posso levar todas essas preocupações». E assim, num fim de semana pôs os filhos no carro e dirigiu por sete horas para ir encontrar uma amiga. Em outro fim de semana, almoçando com aqueles amigos, pediu ajuda para olhar as circunstâncias de trabalho, e nas semanas seguintes pediu aos sócios que revissem as incumbências do seu papel na empresa a partir do que tinha surgido naquela conversa.
Marta, arquiteta de Nova York, contou da experiência vertiginosa na espera, «face a face com o Mistério», da resposta ao pedido de adoção, e de como um fim de semana em Washington DC com um casal da Cometa e dezenas de outras famílias a fez respirar perante aqueles dias dramáticos. Vlad, de Nova York, falou de como mudou o olhar para si no momento em que permitiu que alguns rostos entrassem na sua vida, até à decisão de largar o trabalho no escritório para se arriscar na aventura de uma empresa própria, na descoberta de que o verdadeiro milagre não são as coisas extraordinárias que lhe estão acontecendo, mas a relação de preferência que ele descobriu. A cada testemunho, padre Julián Carrón replicou com uma tempestade de perguntas – «Qual é a contribuição que a fraternidade te dá para viver o real? O que nos permite ficar na espera? Como é que esse caminho nos faz crescer na familiaridade com Cristo?» – escancarando todos para a ocasião de viverem os dias seguintes atentos: «Não precisamos responder agora a cada uma das perguntas. Se mantivermos essas perguntas acesas, nestes dias vamos poder identificar a resposta quando se apresentar para nós».
Os dias que se seguiram, entre jogos, passeios, cozinhar juntos e uma peregrinação ao santuário local de Nossa Senhora de Guadalupe, foram todos marcador pelo desejo de uma radicalidade maior, de que essa familiaridade com o Mistério chegue a abraçar e plasmar cada aspecto da vida – desde a forma de ficarem juntos até a concepção do trabalho e dos problemas do mundo, passando pelo uso do dinheiro e pela educação dos filhos. A busca de PJ, de St. Paul (Minnesota), na comparação entre os métodos educativos de Montessori e de Dom Giussani foi o pontapé inicial para uma conversa com Julián, repensando na forma de estar com os filhos sobretudo nas férias, a partir da descoberta de que «o problema da criança é o problema do adulto: só podemos introduzi-los ao real se estivermos abertos a nos deixar gerar. Estamos dispostos a depender de alguém desta forma? Só se nos comprometermos com o real e tivermos uma resposta às nossas reações é que poderemos ficar diante das reações e das necessidades deles!».
Na noite seguinte, Tim, de Nova York, contou sobre o seu trabalho no Observatório da Santa Sé nas Nações Unidas e das lentas negociações dos últimos meses para inserir nas linhas guia sobre a imigração o “direito de permanecer” pragmaticamente proposto pela Igreja – mostrando, dentro dos detalhes de procedimentos e termos técnicos, como essa companhia nos escancara para abraçarmos o mundo inteiro e para olharmos tudo a partir do olhar de Cristo.
E assim, quando numa tarde Gary, pai de cinco filhos, propôs a todos, inclusive trinta e cinco crianças e onze recém nascidos, um passeio de canoa de duas horas e meia, cada um ficou enumerando mentalmente mil razões para não ir. E mesmo assim, um após o outro, subimos nas pequenas canoas metálicas e nos deixamos arrastar pela correnteza, boquiabertos diante da natureza virgem e agradecidos pela repousante tranquilidade do rio. Um após o outro, voltamos maravilhados com essa tarde, tão paradigmática em relação ao que a fraternidade é para nós: um lugar onde, seguindo um outro, o que parece difícil para nossa própria medida já não é um obstáculo. Um lugar que constantemente nos leva para além da nossa zona de conforto e torna possível pedirmos o impossível.
Em cinco dias lado a lado, não faltaram cansaço, desatenção e discussão. E mesmo assim, nota Marta, «o que fica cada vez mais evidente para mim com o tempo é que as nossas contradições, dificuldades e limites são sinais de Alguém trabalhando entre nós». «As nossas contradições não são algo que um dia será resolvido, mas são parte da nossa luta com Deus e, por isso, são misteriosas», comentou o padre José. «Então, existe a possibilidade de um caminho para mim. Não para resolver os problemas, mas para abraçá-los. De modo que a tristeza que podemos experimentar perante as contradições não se dá porque as coisas não aconteceram como eu tinha na cabeça, mas porque eu não estava olhando para Ti, porque Tu faltas».
Como proceder, então? Quais são os passos para dar e como tomar decisões a respeito de questões inclusive práticas que uma fraternidade em expansão, como esta, coloca? «Por que é que eu tenho que seguir uma nuvem?! – poderiam ter pensado os israelitas», observou Julián Carrón, «a única razão para ficarmos juntos, aceitando sacrifícios, condições e a medida de um outro, é se percebermos este lugar como correspondente ao que estamos buscando. Não tenho nenhum outro critério para lhes oferecer». «Incrível! Mas», Greg fica no pé, «seguir a medida de um outro não está em contradição com usar a medida do meu coração como critério para a correspondência?». «A medida do coração é não ter medida! E o coração descobre isso em relação com um outro», um outro que, acontecendo, escancara a nossa pequena medida e nos revela que fomos feitos para muito mais.
Na assembleia final das férias do ano passado, Tim tinha reagido irritado às colocações: «Por que é que, diante das coisas que aconteceram nestes dias, vocês não param de dizer que é Cristo?! Como podem dizer isso e ter certeza de que não há outra explicação?». Na segunda-feira, no voo de volta, escreveu aos amigos: «Não posso mais voltar para casa sem dizer Tu. Eu Te vi, Te conheço. Eu vivi esse momento contigo, e não é mais a mesma coisa. Tu poder fazer isso de novo? Eu imploro, continua a acontecer de novo».
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