Rober com sua mulher, Mamen.

Madri. Rober (ou a alegria de ser filho)

Como pode a vida de um homem frágil e enfermo ser tão útil? “Quem vai visitá-lo sabe: sai mudado”. Um modo de viver a dor e a doença que é um bem para a família, os amigos, os médicos, os outros pacientes... Um testemunho da Passos, set/2019
Guadalupe Arbona Abascal

É dia 18 de março de 2019. Rober se sente muito cansado, e o diz a Mamen, sua esposa. De início parece uma coisa de nada, mas no dia seguinte fica com febre e começa a não controlar mais os seus movimentos. Mamen o leva ao hospital, onde já esteve seis anos atrás. Ali têm toda a sua história clínica e o acolhem muito bem. Ao entrar, um dos médicos diz: “É um paciente muito querido por nós. O modo como ele e vocês todos viveram a doença dele há seis anos é uma coisa que não se esquece mais. Eu vejo muitas coisas no meu trabalho, mas nunca vi nada parecido”. Enquanto fala ele limpa uma lágrima. Ainda guarda gravado na memória tudo o que este paciente havia gerado em torno de si.

Não é um paciente comum. Após a primeira cirurgia, com o corpo esgotado, cheio de tubos e feridas, sorria e dizia que não teria mudado uma vírgula de sua vida, estava sereno. E o dizia com uma simplicidade desconcertante. Os médicos não acreditavam no que viam, e continuavam indo para perto dele para ver se realmente era possível viver assim a dor e a doença, por isso voltavam também após o fim do turno, mesmo não tendo obrigação. É uma estranha procissão: o cardiologista, o anestesista, o clínico geral entram para espiar um jeito diverso de viver a doença. Mamen conta: “No seu leito, despojado de tudo, sem falar, porque não tem nem mesmo a força de abrir a boca, é um homem comprometido com a vida. Olha para outro lugar, pergunto- lhe baixinho: ‘Rober, no que está pensando?’. Responde-me: ‘Estou rezando’. É impressionante ver como na fraqueza de sua existência se deixa tocar pela presença de Jesus”. Como pode a vida de um homem frágil e enfermo ser tão útil? Quem vai visitá-lo sabe: sai mudado.



Desta vez entrou no hospital delirando, a infecção invadiu todo o corpo, e ele passa diversos dias na terapia intensiva. Sua esposa não pode ir visitá-lo a não ser uma hora por dia. No segundo dia, quando Mamen volta para casa, Candela lhe pergunta chorando, desesperada: “Mãe, diga- me a verdade: o papai morreu?”. “Não, minha filha, mas está muito mal. Por que me pergunta?”. “Porque, quando ficou doente da outra vez, você ficava sempre no hospital com ele, e agora não. Mãe, diga aos médicos que lhes daremos todo o dinheiro do mundo, desde que curem o papai”. Então intervém o filho mais velho: “Pare de chorar. Você pode fazer alguma coisa? Não. Então reze. Papai está vivo agora, neste instante. A coisa extraordinária é que nós estamos vivos e não mortos. Você foi escolhida para estar aqui, seja grata. Por que se preocupa? Papai hoje está vivo”. É o fim do dia, eles vão tranquilos escovar os dentes, a menina abraça a mãe e lhe diz: “Você está serena e sei que o ama. Eu também quero ser como você”.

São palavras de dois meninos de 13 e 11 anos, mas que já viram muitas coisas. Quando o pai deles estivera a ponto de morrer, Mamen tinha dito: “Hoje me surpreende porque está vivo, amanhã não sei de que forma me surpreenderá”. É evidente que ela se confia ao Mistério e se deixa amar por Ele.

Enquanto ocorre essa conversa entre os filhos, Rober luta contra a infecção. Enquanto a febre não baixar, não podem fazer a cirurgia, a válvula que lhe substituíram há seis anos foi devorada pelas bactérias. Além disso, sofre de uma doença neurodegenerativa (tem 28 lesões cerebrais), insônia persistente e contínuas hemorragias. De seu leito ele sorri fracamente, olha para nós e diz: “Se eu morrer, repousarei com Jesus. Eu desejo só testemunhar ao mundo a minha fé. Toda a minha vida foi um deter-me aos pés da cruz: esta foi a condição da minha vida, mas não a mudaria por nada no mundo”. Como disse num encontro com os universitários de CL: “Eu tive muitos problemas na vida familiar e com a minha saúde, mas tudo foi iluminado pelo encontro com Jesus e pelo seguimento de Julián Carrón. Pude descobrir que a vida é dependência. É uma coisa que tinha lido em O senso religioso (Luigi Giussani, Paco Editorial: São Paulo, 2018) e que me acompanhou pela vida toda. Talvez uma pessoa que não tenha problemas de saúde não possa entender isso tão diretamente como ocorre comigo. Eu aprecio muito essa clareza. Obrigado, Senhor, porque dependo de Ti. Passei assim metade da minha vida e é uma bênção”.

Ele não exagera nem uma vírgula. Eu o encontrei quando estudava jornalismo. Seu pai o havia abandonado e sua mãe, para criar os filhos, de dia trabalhava como cabeleireira e de noite vendia jornal na estação. Eu lhe perguntava acerca do pai, mas ele não queria ouvir falar dele. Passavam os meses, os anos, e eu de vez em quando lhe perguntava: “Você não acha, Rober, que é melhor perdoar do que continuar carregando dentro de si essa amargura?”. Um dia o procurou, e depois de umas semanas tomou um café com ele; pouco tempo depois, convidou- o para almoçar em casa. O tempo passou, Rober começou a levá-lo ao médico para as transfusões de sangue, e por fim o pai morreu nos braços do filho, sabendo-se perdoado. Lembro o dia em que descobriu e se apaixonou pelo romance Os miseráveis. O gesto de perdão do bispo por Jean Valjean o comoveu profundamente. Será possível que lendo Victor Hugo lhe tenha surgido o desejo de perdoar a seu pai? Agora o vive como um dom de Deus, conta que é como se Deus lhe tivesse dito: “Olha, o que você achava impossível – o relacionamento com seu pai – eu lhe concedo para que você veja quão grande é a vida”.

A vida de Rober tem sido e é na cruz, como a de Etty Hillesum, escritora que ele lê e relê. Aprendeu com ela como é possível, até na espera de ser deportada para um lager, viver em diálogo com um Tu: “Tornastes-me tão rica, meu Deus, deixai que eu também distribua aos outros prodigamente. Minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto convosco, meu Deus, um único grande diálogo. Às vezes, quando estou num cantinho do campo, meus pés plantados na vossa terra, meus olhos voltados para o vosso céu, meu rosto se inunda de lágrimas que jorram de uma emoção profunda e da gratidão. Também de noite, quando, deitada no meu leito, mergulho em vós, meu Deus, lágrimas de gratidão inundam meu rosto: e esta é a minha oração”. Rober vive assim, é grato e reza, com a simplicidade de uma criança, em mãos um terço feito de miçangas coloridas do qual nunca se separa.

No dia 26 de março – eram necessários oito dias para erradicar a infecção –, os médicos decidem operá-lo de novo, sendo questão de vida ou morte. Rober sofreu de alucinações e diz a um amigo que o seu pedido é não separar-se da realidade. Quer aprender a não parar na aparência, deseja descobrir nesses momentos horríveis Aquele que lhe permite respirar. Mamen o olha, antes de ir à sala de cirurgia, e alguns minutos depois escreve: “Graças a Deus, estar com ele lava os meus olhos do medo e da dificuldade, não preciso inventar nada, basta olhar para ele”. A presença de um Tu na carne dele é tão evidente que fala de um Outro. Por isto a vitória sobre o medo e a dificuldade tem nome para Mamen: “Somente a Ressurreição de Jesus dá consistência à minha vida. Caso contrário, tudo o que eu faço escapa de minhas mãos”.

Rober sai da cirurgia muito fraco, os médicos declaram: “Foi possível operá-lo, e não tínhamos certeza. É o terceiro milagre que vemos nele. É incrível o modo como vivem ele e os seus”. Mamen está sempre ao lado dele; ela que superou pessoalmente a prova da doença diz que consegue viver assim graças ao trabalho da Escola de Comunidade e ao seguimento de Carrón: “Parece incrível que nos momentos mais difíceis a pessoa mais próxima seja alguém que se encontra em Milão, a dois mil quilômetros de distância ; por meio de Carrón eu compreendo a experiência que sou chamada a viver na condição da doença: é a experiência da ternura de Jesus”.

As primeiras horas após a cirurgia são muito delicadas, mas até os médicos estão confiantes. Já viram acontecer com ele muitas coisas que pareciam impossíveis. Um deles, durante uma visita, lhe diz: “Rober, no andar de cima há um paciente desesperado: gostaria que você falasse com ele”. O fato é que a sua paz se torna desejável para todos aqueles que o veem; ele é tão consciente da sua dependência, do seu ser filho, que perto dele as pessoas experimentam algo novo, um tipo de necessidade de mudança. Junto dele, amigos e desconhecidos percebem a densidade histórica e cultural da fé. É difícil não ser arrastado pelo desejo de participar do que ele vive. Um desejo de mudança antropológico, ou seja, de viver como um filho que depende de um Pai bom. E o desejo de que a sua alegria chegue a todos. Por isso, os médicos, acostumados a lidar com a doença, ao vê-lo, se dão conta de que pessoas como ele são necessárias, porque a sua vida faz bem ao hospital. Rober contribui para o bem comum com sua carne enferma e o seu olhar de filho grato.