Aula de confeitaria na Piazza dei Mestieri (Foto: Ivan Fois)

Turim. Fábrica de surpresas

Fomos à Piazza dei Mestieri, que ensina a “assumir o trabalho”, mesmo a jovens com histórias difíceis. A covid nos forçou a rever tudo, e chegamos até a fazer aulas pelo WhatsApp. Mas sem renunciar ao desejo de que «ninguém se perca»
Davide Perillo

Ela começou a chorar de repente, diante dos versos de Dante e do beijo de Paolo e Francesca. «Eu perguntei: Stefania, o que você tem? E ela respondeu: professor, eu não sei se algum dia vou poder viver algo assim, entende?» Davide Iervolino, professor de italiano no curso de culinária da Piazza dei Mestieri, se emociona enquanto fala. «Eu disse a ela: olhe, você também vai encontrar o amor. Eles têm medo de não viver o que nós vivemos, no bem e no mal. E como podemos dar esperança a eles, como podemos fazê-los ver a beleza dentro da realidade?» O desafio, no fundo, está todo aí. Nessa pergunta dos jovens que ser tornou um grito neste ano de Covid «capaz de arruinar todos os meus sonhos», como me disse uma menina do segundo ano do ensino médio. E na reação dos adultos que acolhem esse grito, porque sentem que é para eles. Quando atravessamos os portões do antigo Curtume Fiorio, reformado, nos sentimos imersos. Vemos professores e alunos indo e vindo, e riem, e param no pátio; mas só conseguimos ver os olhos. O resto são máscaras.

Hoje há muitos deles; a partir da segunda-feira, quem sabe: voltamos para a fase vermelha e teremos que atualizar outra vez o calendário. Coisa complicada numa escola que mescla aulas e trabalho, teoria e prática, com cursos profissionalizantes, (confeiteiro, bartender, Chef, designer gráfico, cabeleireiro e muito mais) e talentos para serem descobertos. «Os jovens em formação são mais de 600, com idade entre 14 e 19 anos», diz Cristiana Poggio, vice-presidente da Piazza: «Depois, há aqueles que participam de projetos especiais, ou que são enviados pelas escolas. Além dos 400 que participam da Casa da Tarefa, uma atividade fora do horário das aulas, aberta também às turmas do ensino médio». E o ITS, um sobrado geminado que fazia parte da fábrica. Durante décadas foi o local de trabalho dos trabalhadores de San Donato, um distrito de Turim. Desde 2004, é a sede de um arquipélago que vai muito além da formação profissional. «Um lugar para que ninguém se perca», diz o slogan da primeira página do site, que acabou de ser atualizado (www.piazzadeimestieri.it). E um ótimo lugar para verificar o pulso da “geração covid”, ver de perto o que significa enfrentar a crise educacional de sempre, feita de jovens que muitas vezes têm caminhos irregulares e histórias difíceis, neste ano em que a pandemia obriga todos a rever tudo. Melhor, «a ver com novos olhos», como disse Monica Pillitu, que trabalha com os Projetos Especiais: «Você tem que aprender outra maneira de olhar para as coisas habituais. E ir até o essencial, estreitar a relação com o jovem: “Eu me importo com você, por aquilo que você tem a dizer. Vamos ver como descobrir isso juntos”». Um desafio.



Muitos adultos, aqui, o aceitaram. Inventando de tudo para manter o fio da relação. «O primeiro lockdown foi um período de muita criatividade», diz Mauro Battuello, chefe dos projetos especiais: «Nós dissemos: ok, o ensino é remoto? Vamos usá-lo para fazer coisas novas». Exemplos? Vários. As aulas pelo WhatsApp «para mantê-los engajados», diz Ilaria Poggio, diretora do escritório de Turim (os outros ficam em Milão e em Catania): «No início, o problema não era tanto “o que vou ensinar”, mas “vamos ficar ligados, senão você se perde”». Em abril, uma pesquisa constatou que apenas 30% deles tinha um PC. Resultado: as aulas foram adaptadas para o celular, com vídeos e aulas curtas, enquanto os laboratórios continuavam aos trancos, mas sem nunca desistir completamente.

Muitos professores começaram a usar as mídias sociais para trabalhar com os alunos. Sara Trinchero, uma professora de apoio, passou semanas ao telefone «para chamá-los, envolvê-los. Para os jovens em dificuldade, como os que eu acompanho, o lockdown é um esforço quádruplo. Tive que me reinventar: estudar, aprender os mapas on-line...». Matilde Battuello, que acompanha cerca de vinte alunos à tarde, pediu que escrevessem uma história sobre os bastidores das aulas on-line: os truques, as situações engraçadas. «Chegaram histórias interessantes. Mas, sobretudo, eles disseram: caramba, então eles nos conhecem bem.» «O contato humano nunca pode ser substituído», resume Cristina Bernardi, chefe da Casa da Tarefa: «Com as aulas on-line, descobri coisas sobre eles que eu não imaginava: há quem desenha muito bem, quem escreve... Um horizonte diferente vem à tona. E você pode encontrar a beleza».

Nem tudo é simples, claro. Muitos repetem que «estão vivendo algo extremo, têm muito mais dificuldade do que no início». Percorrendo os corredores, se vê essa dificuldade na sala da Cafeteria ou entre os cozinheiros iniciantes, ela aparece em todos os lugares. «Eles precisam de algo concreto», diz Desi Ruseva, Chef do refeitório, que também serve como laboratório culinário: «Outro dia uma garota que estava em quarentena me disse: “O que eu faço, professora? Cozinhe em casa, experimente as receitas do livro...” Mas não é a mesma coisa». Também não é a mesma coisa para Emily, que está no último ano do curso de cabeleireiro: «De que eu sinto falta? Dos abraços, dos sorrisos. Com a máscara, não conseguimos nem nos entender. E temos sorte: pelo menos podemos vir para a escola. Nossos amigos, nem isso». É um sofrimento, evidente. «Transparece nos olhos», diz Alessandra Migliozzi, que ensina cortes e penteados: «Mas quando você encontra a chave para engajá-los, mesmo que seja com um olhar, um mundo se abre».



Aí está, “encontrar a chave”. No fundo, esse é problema que fez esse lugar nascer. Que tem raízes firmes. Em primeiro lugar, uma amizade que se aprofundou na época da universidade, vivendo a experiência de CL. Depois, um drama: a morte de um deles, durante férias nas montanhas, em 1986 (Marco Andreoni, a Piazza tem seu nome). E raiva, revolta, questionamentos. Dom Giussani veio a Turim para uma assembleia da qual os que eram jovens na época se lembram quase palavra por palavra. Dario Odifreddi, presidente da Piazza, diz: «Nós perguntamos a ele: o que essa morte nos pede? Ele respondeu: o milagre da unidade. Vocês vão descobrir com o tempo: se permanecerem fiéis a esta amizade e a Nossa Senhora, vocês verão nascer grandes obras».

Olhamos ao redor, hoje, e essas frases parecem proféticas. Com certeza, lançaram uma semente naqueles jovens que tinham «vontade de fazer algo juntos». As obras cresceram pouco a pouco, por tentativas: primeiro, um centro de solidariedade, depois, os cursos de formação. «Mas víamos um obstáculo», diz Dario: «Muitos jovens até encontravam um lugar, mas o perdiam. Não eram capazes de ficar num ambiente de trabalho, porque vinham de situações desastrosas. O que fazer com alguém que é demitido por não aparecer em três manhãs de cinco? Um discurso sobre responsabilidade? Normalmente não têm as ferramentas para entender. Então, pensamos: vamos encontrar alguma coisa que os ensine a assumir o trabalho».

E quem encontrou uma maneira, quase por acaso, foi Cristiana: «Eu fui para Valência, para um projeto internacional, e vi uma coisa nova para a época: jovens que aprendiam fazendo. Estavam reformando uma abadia e eles aprendiam a carpintaria, trabalhando como carpinteiros. Simples, mas decisivo. Telefonei para Dario: “Encontrei. Precisamos levar o trabalho para a escola”».

Depois, veio o velho curtume. Nasceu uma rede de relacionamentos com instituições, empresas e escolas, «sem esquemas ou exclusões, pois estamos abertos a todos», diz Dario. E o método de aprender fazendo, de usar as mãos junto com a cabeça e o coração, mudou o futuro de milhares de jovens, normalmente difíceis. «Eles vêm aqui, e eles se sentem acolhidos. O verdadeiro problema para eles é encontrar um centro afetivo. Quando entendem que você está presente e os ama, muda tudo».

Assim como aconteceu com Luís, de família peruana, que chegou para um projeto de integração, «estrangeiro, sem falar uma palavra de italiano» e agora está a um passo de se qualificar enquanto, preciso e rápido, é garçom no Restaurante da Piazza. Em tempos normais é aberto a todos, assim como o pub-cervejaria e a Loja, que vende pão, focaccia e chocolate. Os meninos fazem prática de serviço e de cozinha. Mas, sobretudo, trabalham junto com os adultos, porque ter os professores ao lado é fundamental. «Você transmite o que você é, há pouco a fazer», diz Dario: «Um adolescente não faz nada com discursos. Ele olha para você, e vê».

Quando a proposta toca o coração deles, até os mais duros, começa outra história. «Alguns jovens têm uma energia de arrebentar paredes: se conseguimos canalizá-la, é um espetáculo», diz Maurizio Camilli, Chef do Restaurante. Entre seus alunos, havia um com quatro processos por briga. «Alguém assim, quando começa a trabalhar, se torna um trem. Porque tem uma força diferente. Mas é preciso fazer ela vir à tona da maneira certa». E como? «Não há uma receita. Alguma coisa se desencadeia quando há empatia. Ele, por exemplo, chegou dizendo: “Eu não vou fazer nada, não estou com vontade”. Em vez de bater de frente, eu disse: “Ok, fique aqui parado”. Eu o quebrei. E começou a fazer as coisas. Ele já passou por lugares importantes».

Levá-los a sério, do jeito que são. E chamá-los a deixar vir à tona o melhor deles. Davide Sanfilippo, professor do curso de panificação, argumenta que «os jovens precisam ser desafiados. Hoje, normalmente são protegidos, mimados... Se diante de um problema, você os defende, eles não crescem». «Aprender é uma das ações mais livres: é como amar», observa Cristiana: «Não posso forçar você a aprender. Mas posso tentar fazê-lo querer, vendo um mestre».

Quando a liberdade se coloca em movimento, é realmente um espetáculo. Há dezenas de exemplos. «Há algum tempo, chegou até nós jovens envolvidos em casos de bullying, vindos de uma escola do ensino médio. Pouco a pouco, eles mudaram». O ponto de virada aconteceu diante de mais uma nota de conduta: «“Professor, ninguém nunca escreve nada de positivo sobre nós”. O professor respondeu: “Você tem razão, a partir de hoje, todos os dias vamos escrever alguma coisa boa que vocês fizeram”». A partir daí, tudo mudou. Outro exemplo, é o dos aspirantes a garçom que, depois de uma noite complicada em que serviram convidados franceses, foram até o Chef e disseram: «Quando vamos começar a estudar idiomas?». E basta falar com Katia, que estudou Panificação e Chocolateria e agora trabalha na Loja, para ouvir que «a coisa mais importante que aprendi aqui é o amor pelo trabalho». Ou com Giacomo, de 19 anos, futuro cabeleireiro: «O que eu gosto nesse lugar? Ele abre a nossa mente».

E se constrói, no tempo. Sem rede, cometendo muitos erros, mas se constrói. Às vezes, de modo inesperado. «Há algum tempo, Zaira, uma jovem marroquina, veio até nós», diz Cristiana: «Depois da escola, tinha trabalhado conosco. Ela chegou com o filho recém-nascido nos braços: “Eu queria que ele visse a coisa mais bonita que eu encontrei”». História semelhante à que tocou Dario: «Uma manhã, vi aqui na frente uma garota, e pensei: eu a conheço... “Como você está? O que está fazendo aqui?”, e ela respondeu: “Bom, perdi meu emprego. E pensei: vou até a Piazza dei Mestieri”. Enquanto conversávamos, chegou outra: “Eu também perdi meu emprego”. Tinham marcado encontro aqui. Oito anos depois de ter terminado a escola». Podemos entender melhor o que significa “um ponto afetivo”, com Covid ou sem covid. «A verdade é que Carras, nosso amigo espanhol, tem razão (Jesus Carrascosa, ed): quem abraça mais forte, vence. Todo o resto é consequência».

É nesse abraço que a escola se torna uma fábrica de descobertas também para os adultos, um «crescimento recíproco», como diz Desi, a Chef. «Às vezes você olha nos olhos deles e o problema vem à tona: um pequeno vício, como me confessou uma delas meia hora atrás», conta Matilde Matteucci, professora de Letras: «Eles sentem o chão faltar sob os pés, mas se apoiam em você, te procuram. E são profundos, têm muito para dar». Em todos os sentidos. Basta pensar em Zakia, que venceu um concurso. O prêmio foi um voucher para um jantar. «E nos disse: não, eu sempre tive quem me ajudasse. Quero dar para quem precisa mais», conta Mauro. O voucher se transformou em mantimentos para o Banco de Alimentos.

«Os amigos sempre me perguntam: por que você trabalha com adolescentes?», diz, ainda, Cristiana: «Estando com eles, entro em contato com o melhor de mim. E se fazemos algo de bom, permanece. Se eu pensar em quando eu ia para a escola, eu não penso nas matérias, mas em fatos e pessoas. Porque me ajudaram a crescer». É a mesma coisa que nos diz David, o professor do episódio de Dante e as lágrimas de Stefania. Naquela aula de culinária, começou um percurso «sobre o significado da vida: o amor, a morte... O que estamos fazendo aqui? Essa é a pergunta mais forte que eles têm, especialmente agora. Isso faz você sentir todo o peso e a beleza do seu trabalho». E como é isso para você? «Só posso olhar para alguém que me dê esperança. Preciso ser educado. Porque eles precisam da mesma coisa que eu: uma certeza.»