Terra Santa. O perdão no outro lado do muro
Abu Omar, palestino, foi capaz de perdoar aos assassinos de seu irmão graças a seus colegas de classe. Daniel, ex-soldado, descreve uma convivência possível. E o padre Gabriel, pároco em Gaza… Histórias onde a paz pode renascerSejamos claros. Há muita violência e muitas injustiças sofridas por ambos os povos. São muitas as razões e erros de ambos os lados, que não são capazes de se encontrar, começando por suas classes políticas. É por isso que de tempos em tempos voltamos a falar de Jerusalém, de Gaza, de Tel Aviv… de Israel e Palestina. De uma faixa de terra tão pequena, mas tão combatida, que os recentes acordos de Abraão quiseram deixar de lado. No entanto, aqui ainda estamos discutindo, e tentando desemaranhar tais fios entrelaçados, manchados de sangue que mais uma vez voltou a banhar a terra de Jesus.
Porque sabemos que é impossível conceber uma paz no Oriente Médio sem o conflito palestino-israelense. Que caminho seguir? Que tentativa de reconciliação é possível depois que os grandes projetos da política, tão cheios de retórica, fracassam tantas vezes?
Há histórias que a História nos deixou e que abrem uma perspectiva diferente. Como a de Abu Omar, por exemplo, que cresceu em Jerusalém Oriental, palco dos últimos confrontos pelo caso das desapropriações em prejuízo da população árabe. Com um irmão morto pelas feridas causadas na repressão militar de um dos últimos protestos. «A justiça consiste em se vingar devolvendo o mal sofrido». Isso é o que diziam a Abu Omar os jovens que encontrava nas ruas de seu bairro, mergulhado na degradação, onde a água chega de forma intermitente. Em função de seu trabalho, ele deve estudar a língua do “inimigo”. «Se não tivesse aprendido hebraico, não teria podido trabalhar. Isso me custou, mas a minha família já não podia sobreviver e tinha que os ajudar trazendo algum dinheiro para casa». Assim foi como ele entrou em um curso para aprender o idioma, cuspindo nos degraus da escada. «Lembro-me que esperava encontrar militares nas aulas e topar com os rostos daqueles que tinham matado alguns de meus amigos, assim, ia de cabeça baixa, cheio de medo e de raiva». Então chegou a surpresa. «Sentei-me na carteira e vi o rosto dos que me rodeavam, estavam tranquilos. Um deles sorriu para mim e começamos a conversar». Sobretudo, de esportes. E logo também das outras coisas, como costuma acontecer. «Eles também estavam cansados da guerra. E desejosos de conhecer os que vivem no outro lado do muro. Eram como eu». Com o passar do tempo, Abu Omar também conheceu o que angustiava seus novos amigos, as histórias de alguns que tinham perdido filhos, maridos ou esposas nos atentados. E se deu conta de que “sua” lei de Talião não funcionava. «Se arrancamos os olhos uns dos outros ajustando contas, acabaremos todos cegos. Por isso decidi perdoar o assassino do meu irmão».
Daniel também entendeu isso depois de muito tempo. Soldado ativo durante a segunda Intifada, matou e viu morrer. Palestinos, israelenses, amigos e desconhecidos… que caíram naqueles dias que se seguiram à visita de Sharon na esplanada das mesquitas. «Ao terminar o serviço militar tive que fazer terapia porque não era capaz de enfrentar tanta dor». Mas a terapia nunca chegava a responder a sua pergunta mais urgente: «Como posso viver em paz, esquecer e perdoar aqueles que mataram meus amigos? Por outro lado, via que meu “inimigo” também não era capaz de me perdoar».
Naquela época, já preparado para deixar o país e partir para reconstruir sua vida em outro lugar, ele conhece os pais e mães de Parent’s Circle, uma associação de pais israelenses e palestinos que doam sangue: os israelenses aos palestinos e vice-versa. «Pareceu-me uma estupidez, mas nunca poderei esquecer os olhos daquela mãe que me deu o folheto no Portão de Jafa, em Jerusalém. Tive que voltar e perguntar-lhe: “Por que você sorri? Não vê que não há esperança?”». A resposta que recebeu dessa mulher iria mudar para sempre a vida de Daniel. «A esperança está no coração de cada um. O meu filho morreu há alguns anos, mas se não tivesse tido a coragem de olhar até o fundo do meu coração, nunca teria podido perdoar. E provavelmente hoje não estaria aqui». Aconteceu algo que fez com que Daniel não quisesse se separar nunca desses novos amigos. Depois de alguns meses começou os tours para israelenses e palestinos, todos juntos num ônibus, para passar alguns dias de convivência e descobrir que o verdadeiro inimigo não é o que você tem na sua frente, mas o seu coração quando não é capaz de encontrar com ele. «Perguntavam-me se não tinha medo de cruzar o Muro. E sempre respondia que o que mais me dava medo era não o fazer. O perdão só pode nascer do encontro consigo mesmo e com os outros».
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Após a recente operação militar que atingiu parte da Faixa de Gaza, o pároco Gabriel Romanelli sabe como é difícil e valioso recolher estas sementes de esperança. Sacerdote argentino do Instituto do Verbo Encarnado, em um encontro organizado pela Associação “Pro Terra Sancta”, descreveu a luta que significa viver dia e noite sob bombas. Alguns de seus fiéis fugiram, a eletricidade é intermitente e as vias de comunicação são constantemente bloqueadas. A pequena comunidade católica local (113 fiéis de quase dois milhões de habitantes) enfrenta com os demais a enésima prova, devido às provocações do Hamas e da direita israelense. Mas que as palavras, são seus olhos que falam por ele. «Nós somos um pequeno grão de mostarda em todo o Oriente Médio. Neste momento pedimos o perdão para as vítimas e também para os algozes, pois quem mata um inocente mata a si mesmo». As crianças que ele tenta ajudar costumam viver abandonadas à própria sorte, e toda a injustiça sofrida clama por vingança. «Mas o perdão não é impossível. Eu sei que habita no coração de cada homem. Buscamos a paz e a justiça, mas não devemos esquecer o que nos disse São João Paulo II quando visitou a Terra Santa: “A justiça que vocês buscam nunca chegará sem o perdão”». Porque esse é o negociador mais eficaz. E mesmo que seja também o mais ausente nas mesas de negociações, vive timidamente entre as pessoas corajosas e contagiantes.