Um momento de oração no Mosteiro. O quinto, da esquerda para a direita, é Paulo Oliveira, brasileiro que frequentava o Movimento em São Paulo/SP nos anos oitenta, e desta experiência floresceu sua vocação. (© Monastero Cascinazza)

Cascinazza. Cinquenta anos como o primeiro dia

Em 29 de junho de 1971, nasceu o mosteiro beneditino da Cascinazza, nos arredores de Milão. Para a Passos, o prior conta o propósito e a experiência deste lugar. Uma história em que «a origem é agora»
Padre Sérgio Massalongo

Se o grão de trigo não morre
O fluxo silencioso dos dias nos leva este ano a uma data importante do nosso Mosteiro. Em 29 de junho, Festa de São Pedro e São Paulo, completam-se de fato cinquenta anos desde seu nascimento. Este é um momento que nos abre para o assombro e a gratidão pela fidelidade de Deus a cada um de nós e a este lugar.
A centelha do início deste Mosteiro foi acesa no final dos anos sessenta por um abade da Congregação Beneditina Sublacense, o padre Bernardo Cignitti, que, fazendo sua a palavra do Papa Paulo VI, que convidava a uma renovação da vida monástica, reuniu aqueles que estavam dispostos a participar desta obra, e ofereceu sua vida para o nascimento deste Mosteiro. Ele fez um verdadeiro sacrifício; com efeito, morreu dois meses após a inauguração do Mosteiro, oferecendo «sua vida como adubo para o nascimento desta nova Comunidade monástica».

A Cascinazza, o Mosteiro beneditino na zona rural de Gudo Gambaredo, em Buccinasco (Milão), onde vivem hoje em 23, entre monges professos e noviços

Um momento providencial
É neste terreno fértil que foram acolhidas e imediatamente enxertadas as primeiras vocações monásticas vindas do movimento Comunhão e Libertação, que depois cresceram com o tempo. Dom Giussani sempre sentiu a história beneditina como próxima à do Movimento, por causa das implicações orgânicas do acontecimento cristão que ela enfatiza. Todo o humano, na verdade, é permeado pela proclamação de que Deus se tornou um de nós, que Ele está presente aqui e nos reúne em um só Corpo.
Não estamos, portanto, no Mosteiro para vivenciar as consequências do encontro inicial feito no Movimento, mas para explicitar agora, em condições diferentes, o que aconteceu conosco no início. A origem é agora! Vivendo com sinceridade e paixão o seguimento de Cristo encontrado no Movimento, não podemos deixar de ser atraídos por uma plenitude da vida que vem de estarmos com Cristo e que investe todos os momentos e circunstâncias do cotidiano, dando um novo sentido a todas as coisas. Existir para dizer que só Cristo salva, que Cristo é suficiente, é uma exaltação do ser humano. A vida monástica é chamada a testemunhar apenas isso, a verificar que tudo é verdade agora, que uma vida nova é possível agora, como antecipação de uma definitividade já iniciada com a Ressurreição de Cristo.
«Você quer vir comigo?» Este foi o convite com o qual o Senhor entrou em nossas vidas.
Esta é uma pergunta que não deixa escapatória, é um compromisso imperdível, no qual todo o nosso eu é tomado e conduzido por Ele, dentro do grande Mistério do Ser.
Nosso “sim” desde então repousa inteiramente em sua iniciativa que nos guia e, com o tempo, nos ensina a abandonar-nos a Cristo e a amar como Ele nos amou. É uma oferta total de nós mesmos para que Ele possa dispor de nós como desejar, para o benefício de todos. Superados de todos os lados por Seu acontecimento, trata-se de jogar nossos corações no Mistério com os olhos fechados, com a máxima confiança e simplicidade, tais como somos, pobres e pecadores; contentes com a utilidade até de nosso nada tomado por Deus. E tudo isso se expressa no silêncio, sem a necessidade de palavras ou explicações, pois já está cheio de resposta, já cheio do dom que só deve ser aceito. Aqueles que são chamados sabem o quanto sua oferta excede a nossa.

O refeitório (© Monastero Cascinazza)

No coração da Igreja
A vida monástica não é, portanto, um método particular de seguir Cristo, mas no corpo da Igreja é um sinal paradigmático dessa dedicação total a Cristo que é própria para cada pessoa batizada. A comunidade cristã – dizia-nos Dom Giussani – não tem saudade “desta vida”, tem saudade da manifestação de Cristo (cf. L. Giussani, Uma morada para o homem). Por essa razão, a conversão a Cristo torna-se um projeto radical e abrangente no Mosteiro. Isso significa que a oração, o trabalho e todos os aspectos da realidade expressam e ampliam a consciência de que tudo se torna vida do corpo de Cristo. Este trabalho de assumir a realidade de acordo com seu verdadeiro significado requer uma educação contínua na comunidade, que São Bento chama de «escola onde se aprende a servir o Senhor». Com efeito, à medida que avançamos na fé e na conversão, associamo-nos com o sofrimento à paixão de Cristo e o coração se expande em um desígnio positivo da existência.
Aqui, dentro destes quatro muros, onde Cristo realmente plantou Sua cruz em nós, neste lugar que é Seu, há de fato a possibilidade, através do caminho da obediência, de morrermos para nós mesmos e de renascermos ao amor verdadeiro. Devemos aceitar a morte de nossa medida, para que a medida maior de Outro se possa afirmar em nós. É um novo nascimento que nos faz descobrir irmãos além da carne e do sangue. Somos, portanto, chamados a nos permitir ser moldados pelo Pai, para nos conformarmos com sua vontade de expressar os traços autênticos do Filho.
De fato, o novo eu brota na cruz de Cristo abraçada e acolhida. É aqui que o novo nascimento acontece: «Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim» (Gl 2,20).

A construção do sinal de comunhão
Em 1° de maio de 1990, quando o arcebispo de Milão Carlo Maria Martini – tendo o consentimento da Santa Sé – erigiu nosso Mosteiro como Priorado sui iuris de direito diocesano, a Comunidade assumiu seu aspecto jurídico definitivo. Esse fato, em vez de ser um ponto de chegada, foi uma oportunidade para cada um jogar ao máximo sua liberdade na vocação recebida, cada um foi chamado a ser responsável pelo aumento ou extinção do carisma recebido como um dom. Qual é a finalidade para a qual este Mosteiro nasceu, qual é o significado de uma renovação e, portanto, a responsabilidade de cada um, podemos encontrá-lo nas palavras daquele que iniciou esta experiência monástica, o abade Bernardo Cignitti, quando disse: Vamos pensar em uma família monástica simplesmente beneditina, onde fique evidente e em primeiro plano a comunidade como “sinal de Cristo”, onde todos os irmãos estão a serviço da caridade, onde a comunhão fraterna é uma realidade vivida e sofrida e renovada a cada dia.
O que se propõe é a comunhão como o acontecimento de Cristo já em ato entre nós. Claro, isso não é o resultado de nossa habilidade, o que somos não é o resultado do que nós construímos, mas é o reconhecimento de Alguém que nos aconteceu e nos reuniu. É a fé n’Ele que continuamente nos reconstrói através de Sua fidelidade e de Sua misericórdia. Trata-se, portanto, de permanecer dentro desse método original de um Outro que nos faz e nos gera, para revivermos hoje a mesma experiência do início. Por isso olhamos para o carisma do movimento de CL, para vivermos mais vigorosamente hoje o carisma de São Bento. Isso acontece na medida em que estamos dispostos a afundar toda a nossa face na face de Cristo, dentro do que nos é dito, dentro das circunstâncias pelas quais Ele nos pede que O amemos hoje. Viver o presente como desígnio de Deus significa não saber o que será amanhã, mas saber que o amanhã sairá da obediência ao hoje. É neste trabalho pessoal de lealdade com o sinal da vocação, que nos é dado descobrir uma familiaridade com o impensável Mistério, uma amizade e uma unidade entre nós, humanamente impossível.
O que cada um de nós estava procurando é um Fato presente que nos encontrou e nos reuniu neste lugar, para ser Seu Corpo visível no mundo.
Faz 50 anos que, todas as manhãs, quando acordamos, esta companhia, com sua própria existência, nos traz o anúncio do destino presente, pronto para doar-se a nós, apesar de todos os nossos erros. Dom Giussani uma vez me disse: «Se você não perde, não ganha nada». Então eu entendi que nosso pertencimento a Cristo é dado pelo sacrifício de si mesmo que faz nascer o outro. É dentro desse perdão aceito que os muros entre nós caem. Nasce o milagre de uma afeição capaz de abraçar o outro e construir uma casa que chegue aos extremos confins do mundo, eliminando qualquer estranheza.

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