Pepe Rodelgo com o time de futebol americano do Colégio St. Brendan de Miami.

Madri. Uma partida sempre aberta

A carreira militar, a morte do irmão, o desejo de dar a vida por um grande ideal. Pepe Rodelgo conta como descobriu aquele "ponto irredutível" de sua pessoa, que hoje o faz viver, mesmo na doença. Da Passos, novembro/2021
Anna Leonardi

Um acidente de trânsito. Uma colisão traseira no caminho para casa. Foi assim que José Rodelgo-Bueno, conhecido como Pepe, diretor de uma escola em Miami, descobriu aos 51 anos que tinha câncer. Os exames, feitos no pronto-socorro para verificar se não havia lesões na coluna, mostraram a presença de uma massa tumoral em seu abdômen. «Os médicos me disseram que eu tinha sorte. É uma forma que não dá sintomas e que teria degenerado silenciosamente. Eles me propuseram um plano de tratamento e ficou claro que, a partir daí, algo diferente começou para mim.» O acidente aconteceu no dia 17 de abril de 2019, data que Pepe fixou ao lado de outros três momentos fundamentais de sua trajetória, devido à reversão que causam e que para ele sempre coincidem com uma "chamada dentro da chamada". Situações em que a vida se tornou frágil e o expôs à grande alternativa entre «ser esmagado por catástrofes ou encontrar o ponto irredutível que mantém minha pessoa de pé».

Quando aconteceu pela primeira vez, Pepe tinha 20 anos. Estava frequentando a Academia da Força Aérea em Madri, onde nasceu e cresceu. «Eu queria servir meu país. Era o maior ideal ao qual eu pensava poder dar a vida». Ele tinha uma promissora carreira militar pela frente, mas algo travou quando Hector, um de seus colegas, morreu durante um exercício de voo. «Chamaram-me junto com outro aluno, o então príncipe Felipe, agora rei da Espanha, para velar o corpo. Por uma hora ficamos em posição de sentido, olhando nos olhos um do outro, conforme exigido pelo protocolo, na frente do corpo do nosso amigo. E minha cabeça estava cheia de perguntas: «Onde estava Hector, que riu e brincou conosco de manhã? O que era a nossa vida, se em um instante podia acabar?». São perguntas que o acompanharam e o machucaram até no dia da formatura: «Finalmente era tenente, mas estava triste. Senti o desconforto de querer dar a vida sem bem saber mais o que era».

Designado para Madri, começou a frequentar a Faculdade de Economia, onde fez amizade com um grupo de jovens de Comunhão e Libertação: «Eu não era religioso, mas tinha me apaixonado por uma menina e comecei a participar das reuniões». Não demorou muito para entender que a fé que eles viviam tocava todas as suas perguntas e despertava o desejo de viver por um grande ideal. «Eu me joguei nessa nova vida. Eu estava noivo e queria me casar. Todos os dias, depois de trabalhar na base aérea, eu ia para a universidade e, às vezes, para a paróquia, onde a gente fazia caritativa com alunos do colegial». Para Pepe, parecia que tudo finalmente estava em equilíbrio. Mas havia um aguilhão que lhe sugeria que a partida ainda estava aberta. «Sentia crescer uma paixão por ensinar, sentia uma satisfação que não me deixava tranquilo em relação à minha carreira.»

Assim chega a segunda chamada, a da vocação. «Minha vida estava cheia de relacionamentos e encontros. Eu olhava para as pessoas sempre com sede. Minha pergunta sobre como dar a vida, em vez de se acalmar, inchava cada vez mais.» Um dia, em agosto de 1993, conheceu Enrique, dos Memores Domini (leigos que vivem a dedicação da vida a Cristo): ele o ouviu durante um depoimento. Mas acima de tudo olhou para ele. «Eu vi um homem que vivia apoiado não em suas próprias forças, mas "tomado", magnetizado por uma atração que tornava possível aquela vida particular. Comecei a verificar se era o caminho para mim também.»

Pepe (de pé com a camisa listrada) junto com os outros Memores Domini com quem mora em Madri.

Mas o horizonte era ainda mais amplo do que imagina. Seu irmão Ricardo adoeceu, e isso mais uma vez atrapalhou seus planos. «Era meu irmão mais velho, era brilhante, animado. Para ele, a vida tinha que ser uma aventura extrema. Fazíamos longas viagens de moto. Quando eu confidenciei a vocação, ele não aceitou bem. Dizia: "Eles fizeram uma lavagem cerebral em você"». Mas no final da doença algo acontece com Ricardo que sacudiu Pepe até o fundo. «Com o tempo, os cuidados de minha mãe e a presença dos meus amigos em casa o amoleceram. Um dia ele me pediu que chamasse para ele um dos "meus amigos padres". Não sei o que disseram, mas desde o momento em que se confessou, meu irmão nunca parou de sorrir. Era outro. Ele morreu quatro dias depois em meus braços, confiando-se a Jesus.» A ideia da missão entrou na vida de Pepe naquele instante: «Eu queria contar a todos o que tinha visto acontecer com meu irmão».

Em 2002 Pepe, que havia começado o caminho dos Memores Domini, deixou a Força Aérea para lecionar. Aceitou uma missão em Porto Rico, porque a diocese havia pedido pessoas do Movimento, e quatro anos depois mudou-se para Miami, onde, em 2012, se tornou diretor do Colégio St. Brendan. «Nestes quase vinte anos de missão eu sempre guardei no coração o que Dom Giussani me disse depois da Profissão nos Memores, em 2004: "Jesus chegou até você. Você é como o elo de uma cadeia muito longa. Vamos lá, vá!" Comecei a entender que poderia viver a missão por pertencer a essa história que, através dos homens, me ligava a Jesus.»

Quando o câncer chegou, a força dessas palavras tornou-se ainda mais radical: «Durante dois anos, tentei segurar firme: eu era um diretor em tempo integral e encaixava a quimioterapia, as ressonâncias e os exames de sangue. Tentei manter a notícia confidencial porque não queria que minha mãe na Espanha ouvisse sobre isso. Mas, na realidade, era eu que não queria desistir». Até que a gestão ficou insustentável. «Tive que me render ao aspecto mais misterioso da doença: é uma circunstância à qual você não pode dizer não. Ela está lá e você não pode escapar. Fui novamente chamado para viver uma vocação dentro da vocação.» O primeiro passo foi deixar Miami e voltar para Madri, onde encontraria uma condição melhor para lidar com o avanço da doença. «Foi difícil entrar naquele avião. Tinha que deixar morrer a ideia de que eu ficaria em missão até o fim, sentado lá à minha mesa como diretor. Mas entendi que, se não aceitasse viver a doença, poderia continuar fazendo tudo em nome da fé, com o risco de perdê-la. Agora a missão não é mais os Estados Unidos, sou eu.»

A vida de Pepe em Madri mudou de ritmo: dos 200 quilômetros por hora em Miami chegou a zero velocidade. As dores muitas vezes o forçaram a ficar em uma poltrona o dia todo. Em casa, os outros sete homens dos Memores com quem ele mora, alternando-se, assistem-no em suas necessidades. De manhã há a missa, depois café da manhã juntos, se ele está bem o acompanham até a piscina. Alguns amigos vêm visitá-lo à tarde. Depois, à noite se encontram para Vésperas. «Às vezes eu nem percebo a dor, não porque ela não esteja lá, mas porque há algo maior, porque estou em uma vida que me faz ver outra coisa.» Como quando, um mês depois de seu retorno à Espanha, ele recebeu a caixa, que havia sido colocada na escola após sua partida, com mais de quinhentas cartas de seus alunos e colegas. Ele levou um mês para ler todas. Bem a tempo de um correio entregar mais duas. «Eles me contam suas vidas. Colocam em minhas mãos as coisas mais preciosas que têm. Como se de algum modo minha doença os tivesse posto na frente de Deus. Você não pode sempre vencer o câncer. Mas esta é a minha vitória: notar estes frutos que amadurecem mais do que se eu tivesse ficado lá, a poucos metros deles.» Eles são outro elo daquela cadeia muito longa.