Enzo Piccinini na sala de cirurgia

O médico, o paciente e a felicidade

“Tratar é cuidar”. Da amizade com ele e de seu “método” nasceram uma clínica e um curso de graduação. Os caminhos percorridos por alguns, seguindo os passos de Enzo Piccinini. Da Passos de jan/fev
Davide Perillo

Na janela, há uma frase que funciona como programa: “Tratar é cuidar”. Logo acima, o nome da clínica: “Amigos de Enzo Piccinini”. Ao lado, a foto do médico que, de alguma forma, também está na origem dessa história, junto com dezenas, centenas de outros que continuam propagando uma vida fora do comum: a vida de Enzo Piccinini. Ele é um cirurgião italiano, amigo e discípulo de Dom Giussani e durante muito tempo foi um dos responsáveis de CL, morto em um acidente de carro aos 48 anos, em 1999. Há três anos é Servo de Deus, e no dia 10 de dezembro, em Módena, foi aberto o inquérito diocesano de informação sobre a vida, as virtudes e a reputação de santidade, um novo passo no caminho que conduz aos altares.
Naquela clínica de Ferrara, sua foto se destaca há alguns meses, desde que Francesco Turrini, jovem médico, e Matilde Turchetti, amiga e colega de profissão, abriram juntos aquele lugar decidindo «não entrar numa clínica já existente, mas começar juntos do zero», diz Turrini.

Quando encontraram as instalações, já tinham o nome em mente. «Não conhecemos Enzo pessoalmente, mas sempre gostamos dele por duas razões», explica o médico ferrarense. «A primeira é a superabundância de graça que a amizade entre ele e alguns amigos nossos mais velhos gerou em nossa comunidade. Enzo chegou a nós através de outras pessoas, um povo que para nós é sinal de Cristo presente na nossa vida.» E o segundo motivo? «Seu testemunho como médico. O “método Enzo” nos fascina: gostaríamos de viver nossa profissão tendo presente que nos convém cuidar do paciente, e não apenas curá-lo quando possível.»

Turrini resume assim o “método”: «Ele não se limitava à cirurgia: para Enzo era essencial conhecer o paciente. Isso significava acompanhá-lo, falar com ele – também sobre a morte, se fosse o caso –, levando em consideração seu limite e sua necessidade. Piccinini era um cirurgião, mas estamos convencidos de que sua maneira de trabalhar e seu testemunho são decisivos também para quem exerce a profissão de médico da família, como nós. A medicina regional normalmente corre o risco de sucumbir à burocracia…»
A consequência disso foi a clínica, o nome na placa e a nova etapa de um percurso que, em Ferrara, tem gerado outros passos surpreendentes. Começando pelo momento em que o professor Luigi Grassi, docente de Psiquiatria da universidade local, ficou impressionado com um grupo de estudantes. Ele percebeu o modo como agiam na faculdade. Tornou-se amigo de alguns deles. Envolveu-se com eles quando organizaram um concerto do pianista brasileiro Marcelo Cesena em homenagem a um rapaz que havia falecido. «Era um de seus alunos, e o professor ficou muito tocado com a história», diz Turrini. E ele foi tocado por eles, queria entender mais de onde vinha essa sensibilidade. A amizade continuou até que ele abriu um curso de musicoterapia com Cesena. «E quando, no ano passado, o professor assumiu um curso aberto a todos os alunos de Medicina, nos pediu para ajudá-lo», diz Turrini.

O título era “Humanização da Medicina: o tratamento dentro do cuidado”. Entre os livros didáticos acabou entrando Fiz de tudo para ser feliz, a biografia de Enzo (Bur-Rizzoli, sem tradução brasileira), assinada por Marco Bardazzi. No projeto estava presente a ideia de «abordar temas “incômodos” tanto para quem está iniciando na profissão médica como para quem já a pratica há tempos: é possível estar junto do paciente e não se limitar a aplicar procedimentos e diretrizes? É possível olhar para os próprios erros? Como trabalhar em equipe?» No plano de estudos, quatro seminários constituídos de vários encontros.

Enzo e Giussani (© Fraternità di CL)

O primeiro, com Fabio Catani, professor de Ortopedia e Traumatologia em Módena (além de amigo de Enzo), foi dedicado justamente a “Uma experiência de cuidado no tratamento. O método Enzo Piccinini”, com testemunhos e discussões abertas sobre questões que com muita frequência são deixadas de lado na formação e, no entanto, são centrais. A própria tarefa do médico, «que não é apenas curar, mas também e acima de tudo tratar». A experiência do limite de quem trata e de quem é tratado: «No “choque com o limite” emerge um desejo de bem, de felicidade que une médico e paciente. O limite deve ser acolhido e abraçado, antes de ser resolvido. Esse abraço só é possível quando se coloca coração no que se faz», lemos nos materiais do curso, e isso é puro “método Enzo”.

Depois, um Seminário sobre o “Percurso Giacomo”, um protocolo que nasceu no hospital Sant’Orsola de Bolonha para acompanhar pais de crianças destinadas a nascer com um prognóstico desfavorável. Na mesa, juntamente com a neonatologista Chiara Locatelli, estavam Alessia e Enrico Lionello, pais que estavam nessa situação. Outro encontro foi sobre o “senso do Mistério” e o caminho que pode se abrir também numa experiência ferida por um erro (protagonistas, Silvio Cattarina e os meninos de “O imprevisto”, comunidade terapêutica e educativa para menores infratores e toxicodependentes de Pésaro). O último seminário (com Mattia Altini, Secretário da Saúde da Romanha) foi sobre “Obedecer aos dados para cuidar do paciente” e a relação entre medicina e pesquisa.

«Foi uma oportunidade para repensar em como iniciar a atividade de médico de uma forma diferente», diz Turrini. «Fazer as provas não só para alcançar uma nota, mas para aprofundar conteúdos que na faculdade raramente são tratados». Na sala de aula, mais de duzentos inscritos, um diálogo contínuo com os professores e uma janela aberta para muitos daqueles jovens, destinados a usar um jaleco branco, como fica claro em muitas passagens dos trabalhos apresentados no final das aulas.

Exemplos? Aqui estão (anônimos por razões de privacidade). «Este curso abriu a minha mente sobre a relação médico-paciente. A palestra sobre a abordagem “Comfort Care” e o “Percurso Giacomo” teve para mim o efeito de uma luz acesa num lugar escuro. De modo superficial, eu achava que certos exames, de que tinha ouvido falar e a que as mulheres grávidas são submetidas, servissem apenas para permitir que a mulher pudesse solicitar um aborto em caso de malformações muito graves…» Outro: «O curso reforçou a convicção de que ser médico não significa apenas ter as ferramentas, os conhecimentos e as habilidades necessárias para salvar vidas e ajudar o doente; significa tomar conta daquela vida». E ainda: «Pessoalmente, sempre fui levada a pensar que o distanciamento era algo necessário para deixar espaço para o paciente: parecia-me a maneira certa de não fazer um paciente se sentir doente. Mas entendi que estabelecer uma relação humana, mais afetiva, é algo que faz com que o paciente se sinta completamente cuidado e certamente não é sinônimo de falta de profissionalismo…»

Mas há também aqueles que, nessa maneira de atuar, se viram refletidos duas vezes, como aspirante a médico e como paciente: «Escolhi este Curso porque também estive doente. Conheci muitos médicos, muitos contextos diferentes. Sei o que significa ser visto apenas pela doença. Mas também encontrei médicos apaixonados e humanos. Consegui superar a doença também graças a eles. Estou aqui para tentar fazer a minha parte».

Um deles resume o que aprendeu no curso em uma frase célebre: «“Homo sum, humani nihil a me alienum puto”, sou um homem, nada do que é humano me é estranho. O curso me transmitiu isso». É uma máxima de Terêncio, de cento e sessenta anos antes de Cristo. Mas parece escrita para descrever Enzo, o “método Piccinini” e a vida de um médico que fez de tudo para ser feliz.