Um final de semana especial

Amigos de longa data, que compartilham suas vidas na proximidade física, ou mesmo na distância entre as cidades. Porque reunidos por um encontro. Aqui, o relato de alguns momentos juntos na acolhedora São João del-Rei
Dener Luiz da Silva (org.)

“A festa já começou, a nossa vida encontrou um lugar...” (Alvorada, Virgílio Resi e Arlete de Belles). Alegria de reencontrar os amigos. Alegria, festa, por poder acolher um amigo especial, tão aguardado. Assim foi com a vinda do amigo Marco Montrasi (Bracco), responsável nacional de Comunhão e Libertação, à comunidade de São João del-Rei e região, no final de semana de 3 e 4 de fevereiro. Há muito aguardávamos esta oportunidade de apresentar a ele um pouco de nossa correria, acolhida e singularidades. Esta comunidade de CL é composta, atualmente, majoritariamente por casais – alguns deles já pertencentes à Fraternidade do Movimento e vindos de cidades distantes, tais como Juiz de Fora, Barbacena, Lavras e Alfenas –, amigos de outros Movimentos eclesiais que por vezes partilham conosco alguns momentos, jovens que iniciam sua caminhada como colegiais, e um grupo de Universitários.

A proposta era realizarmos um final de semana de convivência entre nós e com os amigos que vêm nos acompanhando desde Belo Horizonte e São Paulo. O desafio inicial foi acolher adequadamente a todos. Distribuição de colchões, proposta de momentos de refeições todos juntos, atividades para os adolescentes, generosidade de todos e pronto: o milagre da hospitalidade! Mas não consideramos isso óbvio. Primeiro vem o reconhecimento de que somos parte de uma história que nos ultrapassa. De fato, cada um de nós é convidado a reafirmar o instante em que foi tocado pelo Mistério na pessoa de um amigo ou amiga que, naquele momento, lhe comunicava Cristo. Em São João del-Rei, a memória de Pe. Virgílio Resi é muito cara. Este sacerdote, falecido em 2002, foi o primeiro a acompanhar a comunidade nascente e, após sua morte, os amigos mais queridos o trazem sempre em suas pupilas dilatadas. Outros ainda, por conta do trabalho na Universidade, puderam morar por um ano e meio em Londres e lá se sentiram acolhidos por amigos do Movimento de um modo excepcional: “Para mim e minha esposa, aquele foi um divisor de águas, voltamos para o Brasil mudados. Tanto que depois, no meu trabalho, consegui estar tão inteiro que isso favoreceu a retomada do CLU em nossa cidade”. De encontros em encontros, assim se comunica o Fato cristão.



A Igreja, através de sua dinâmica histórica, não nos abandona nunca e aqui, no interior de Minas, podemos verificar isso tranquilamente. São João del-Rei é uma entre tantas cidades históricas das Minas Gerais. Na Arquitetura impera o Barroco brasileiro, misto de imponência e clara manifestação da História da Igreja em afirmar suas verdades através da arte e dos recursos que se dispunha à época. Aqui, esbarramos, de fato, com casarões, betas, resquícios da antiga mineração, igrejas e construções religiosas, no centro histórico que ainda se mantém relativamente preservado. Uma cidade eminentemente católica, em um primeiro olhar, que preserva em suas tradições religiosas tesouros e verdades do Magistério Ordinário (cf. Luigi Giussani, Porque a Igreja, Ed. Companhia Ilimitada, São Paulo, 2015, pp. 270 e seguintes). Um exemplo marcante é sua Semana Santa, que se mantém tal qual há vários séculos, com celebrações específicas para cada dia da “Semana Maior”, na qual somos convidados a acolher cheiros, vibrações, cores que ultrapassam nossos sentidos imediatos e favorecem a comunhão e dimensão de Povo.

Muitas vezes, pode parecer que o Movimento só existe nas grandes comunidades, como São Paulo, Belo Horizonte, Milão. Porém, cada vez mais vejo como é concreto aquilo que o Papa Francisco nos indicou, de que é nas periferias, nas comunidades pequenas, que pode ocorrer tudo o que esperamos do Acontecimento Cristão. (…) Repito, onde estiverem dois ou três, ali já contém tudo o que é preciso para fazer a Experiência”, afirmava-nos Bracco ao iniciar a Assembleia que ocorrera no sábado, 3 de fevereiro. E convidava-nos, novamente, a retomar a experiência na primeira pessoa. Ou seja, que olhássemos para nossos desejos mais profundos como sinal de que somos feitos para ser preenchidos por Ele.
Tenho dúvidas se nestes anos todos que pertenço ao Movimento se estou crescendo. Penso que minhas dores, meus limites ficam sempre diante de mim, chegando antes, me impedindo de comunicar uma alegria constante. (…) Por que, pensando na metáfora da osmose, é tão difícil esvaziar, ser simples?”, afirmou uma entre nós. E, no entanto, “a primeira coisa que tem que fazer é isso que você fez agora, falar e abrir-se em um lugar como esse. O que significa ser simples? É a imagem de uma criança. Reconhecimento de que só Ele pode te preencher! Ele nos criou simples, abertos originalmente ao Mistério, mas tanto mais a gente cresce, parece que tanto mais é difícil ser simples. É o episódio de Nicodemos: ‘Para você é impossível, mas para Deus,[comigo] nada é impossível’ (Jo 3, 4-5)”, prossegue Bracco. Eis a importância de uma companhia, porque sozinhos, não conseguimos nos sustentar.

«Muitas vezes, pode parecer que o Movimento só existe nas grandes comunidades. Porém, onde estiverem dois ou três, ali já contém tudo o que é preciso para fazer a Experiência»

Ao longo da Assembleia, e também em todo o final de semana, fomos ajudados a comparar as perguntas que emergiam, sem censurar nada. “Como compreender o mistério da Preferência?”, colocou-nos outra amiga. Mais do que respostas teóricas, surgiam testemunhos e partilhas que arrastavam por sua presença. Para mim a preferência é me perceber sedenta d’Ele, independente de se aquilo que está ocorrendo é bom ou ruim”, conta-nos uma amiga de Belo Horizonte. “A pessoa mais preferida por Deus não teve o filho na melhor maternidade, não foi para Belém de carro, com todo conforto. E não tenho dúvidas de que foi preferida. E ela não foi poupada de nada!”, colaborou alguém da comunidade. Aprendemos com Dom Giussani que as palavras mais importantes para a cristandade não se exaurem em seu significado. Continuam a nos convidar a voltar para elas. “Nós tendemos a reduzir a palavra ‘preferência’ aos nossos significados. (…) A preferência é um caminho de simplicidade também. Quando sou simples eu consigo ver esta preferência através de quem Ele escolhe. E através de quem Ele escolhe eu vivo esta preferência d’Ele por mim! O mais importante é que a preferência é manter este vínculo, esta corda que me une a Ele”, completou Bracco.

Uma sede que se comunica. No domingo fomos todos à missa na Igreja Na. Sra. das Mercês ouvir as palavras de Pe. Geraldo Magela, pertencente à Ordem Mercedária, e que vem acompanhando a comunidade nos últimos 8 anos! Ali percebemos que Deus espera por nossa liberdade, suplica o nosso ‘sim’, mas toma a frente, comunica-se primeiro, irrompe diante de nós. A voz forte do celebrante, a música orquestrada, a singeleza daquele templo fundado nos anos 1750 (mas reconstruído em 1880) por mãos escravas auxiliadas por toda comunidade Mercedária, provocavam nossa liberdade, pois tudo parecia ser feito pra nós. A primeira leitura remetia-nos a Jó e ao Mistério da dor. “Todos nós verificamos que no mundo há dor que parece não ter nenhum sentido. Mas não desanimem, Ele não desiste de nós, nos acompanha sempre. Não desanimem!”, exclamava o celebrante. Uma conexão visceral com vários dos conteúdos da Assembleia no dia anterior.
Precisamos de Deus pra viver. Porque Deus nos comunica as verdades da vida, me dá o sentido das coisas. Sem o sentido das coisas eu não vivo mais. Se você não percebe uma verdade que é o amor para os teus filhos... Qual é verdade do amor pelos filhos? Qual é a verdade sobre você? Quem te dá dignidade? O trabalho, o fato de a escola estar de pé? De que ou de quem você consiste? A verdade é que você é um relacionamento direto com Deus. Essa é a tua dignidade, e a dignidade destas crianças. Quantas vezes nós nos esquecemos disso!”, alertava-nos Bracco.

Reconhecer que a vida “já é uma festa” é, certamente, um dos traços mais significativos da comunidade cristã (cf. Mt 22, 1-14). Acolher todas as coisas, interpretadas imediatamente como boas ou más, como dom e graça, permite que nos relacionemos com a vida como se fosse uma imensa festa. Para ela, nós não só fomos convidados, como intimados. Um sentimento de falta, um incômodo invade se não respondemos afirmativamente a este convite.