Pe. Luigi Valentini (Gigio)

Além do mar, além do homem. Um sacerdote em missão

Um livro que detalha a experiência missionária de Pe. Luigi Valentini, conhecido como Pe. Gigio, numa entrevista para o jornalista italiano Adolfo Leoni e com depoimentos de amigos incluídos na edição brasileira
Ana Luiza Mahlmeister

O que leva um padre italiano a deixar sua terra, vir para o Brasil, se comover com as pessoas, principalmente com as crianças desassistidas, e começar uma obra cujos frutos até hoje se multiplicam, apesar de seus 82 anos? O Pe. Luigi Valentini, conhecido como Padre Gigio, conta essa aventura no livro Além do mar, além do homem: Um sacerdote em missão, lançado pela editora Companhia Ilimitada. Escrito pelo jornalista italiano Adolfo Leoni e lançado há dois anos na Itália, o livro foi revisado e ampliado em sua edição brasileira com depoimentos de amigos que convivem e trabalham com ele. Em formato de entrevista, conta um pouco dessa história que tocou e ainda toca tantas vidas, por meio das creches, unidades profissionalizantes e atendimento a idosos.

Desde cedo, Padre Gigio foi marcado pela inquietação e o desejo das «coisas que não passam», optando pelo sacerdócio. Em 1965, em sua cidade natal, Porto San Giorgio, começa a participar da Gioventù Studantesca (GS), semente do movimento Comunhão e Libertação, que influenciaria de forma decisiva sua trajetória. Em 1967 viajou para diversos países, incluindo o Brasil, onde ficou por 40 dias. Ao voltar, confidenciou ao seu bispo o desejo de iniciar uma missão no país. «Uma das coisas que mais me tocaram e contribuiu na minha decisão foi o olhar vivo das crianças, e também a certeza de que os brasileiros um dia iriam revitalizar a fé na Itália», contou o Padre Gigio, no lançamento do livro, em São Paulo.



Ele define sua história missionária como um conjunto de surpresas que Deus foi colocando em seu caminho: «Desde o início da minha vida me coloquei nas mãos d’Ele, que fez para mim um projeto cheio de criatividade».

Sua primeira estada no País, nos anos ’70, foi na periferia de São Mateus, em São Paulo. Padre Gigio descreve a experiência como muito dura, pois não sabia nada de português, quase desistindo nos primeiros seis meses. Nesse período, em plena ditadura, foi preso junto com operários de São Mateus, pelo delegado Fleury, e solto por intercessão de um vigário episcopal de sua região, que tinha sido avisado a tempo. «De novo o Senhor vai me seguindo e me encaminhando.»

A semente do primeiro projeto começou nos anos ’80. Um grupo de estudantes do movimento Comunhão e Libertação que trabalhava na favela Minas Gás ficou sabendo de um incêndio que matou três crianças que estavam trancadas em casa enquanto seus pais trabalhavam. Movidos por essa tragédia, tiveram a ideia da primeira creche no bairro da Freguesia do Ó, em São Paulo, a Associação Menino Deus. Outros frutos foram surgindo, em São Paulo e outras cidades do país, multiplicando a experiência de acolhimento em lugares carentes. Hoje as creches e centros de educação infantil estão em Belo Horizonte (MG), que atende 700 crianças; Brasília (DF), com 150 crianças; Salvador (BA) e até Buenos Aires, na Argentina, onde foi aberta uma escola. Em São Paulo, além de crianças e adolescentes em cursos profissionalizantes e reforço escolar, são atendidos também idosos, somando 1070 pessoas em dez unidades. Além do apoio do Movimento, Padre Gigio foi diretor espiritual de um grupo das Equipes de Nossa Senhora, cujos casais também ajudaram na construção e financiamento das unidades.

Partindo da esquerda: Denise, Sônia (organizadora da edição brasileira), Pe. Gigio, Silvia e Solange

Dinheiro para todas essas obras nunca faltou. A doação da herança de uma família italiana financiou a primeira creche, em São Paulo. Assim outros patrocinadores foram aparecendo de forma providencial. «Deus sempre dá um jeito quando precisamos», diz o Padre Gigio.

A missão que hoje vemos coroada de êxito não excluiu momentos duros, como períodos de desânimo e depressão. Em 1975 Padre Gigio sofreu um infarto e se submeteu a duas cirurgias do coração, o que tornou sua saúde mais delicada e limitou as atividades nas favelas. Em 1988 voltou à Itália debilitado por uma arritmia cardíaca. Com a ajuda de uma amiga cardiologista, venceu a prostração e desânimo, iniciando uma nova fase em sua vida, que ele define como de santidade, isto é, estar à disposição de Deus, fazer as coisas por Seu amor, em qualquer lugar.

Essa disponibilidade o coloca “na estrada”. Mesmo com a saúde fragilizada pela idade, continua a fazer constantes viagens entre Itália e Brasil, celebra casamentos de filhos de amigos, visita várias vezes por ano as creches em diferentes cidades, além de manter o contato com os patrocinadores. Em suas palavras: «A certeza de que o Senhor vive comigo me guiou até este momento e, estou certo, me guiará enquanto eu puder fazer alguma coisa. O que hoje está muito presente para mim é a espera desse encontro final e definitivo com Ele. Isto de um lado me conforta, de outro me mostra que não sou completamente consciente de Sua infinita misericórdia».