Lucio Rossi.

Certos de coisas nunca vistas

Quanto mais conhecemos o mundo, menos o controlamos. Mas esse é “um sinal que nos fala” e nos indica que “ninguém vive sob risco zero”. Lucio Rossi, físico no CERN de Genebra, nos introduz no tema do Meeting de Rímini: a certeza (de Passos, junho 2011)
Alessandra Stoppa

Mostre-me uma certeza científica. Nós gostaríamos de tê-la a respeito de tudo. Sobre as escolhas a fazer, sobre o que acontecerá amanhã. Gostaríamos de estar seguros, sem hesitações, como um cientista quando publica os resultados definitivos de suas pesquisas, preto no branco. “No entanto, na ciência também quase não existe certeza – ao contrário do que como costumamos acreditar –, evidência absoluta, verdade avassaladora”. O físico Lucio Rossi sabe disso muito bem. Trabalha na maior experiência científica em ato no mundo, o superacelerador do CERN (organização europeia para a pesquisa nuclear), de Genebra. Cinco bilhões de euros e vinte anos de trabalho despendidos para comprovar uma hipótese: a possível existência da Partícula de Deus. Encontrá-la significaria explicar o mecanismo que dá origem à massa, a grandeza física primordial da matéria, sem a qual as coisas não existiriam para nós, tudo seria puntiforme. É chamada assim porque só Deus atribui os valores fundamentais às coisas.
“Não encontrá-la colocaria em xeque 90% das teorias físicas”, esclarece sem meias palavras. Na mão traz um fio com um milímetro de espessura. Dentro desse fio passam outros seis mil. Minúsculos, permitem produzir a mesma densidade de energia liberada poucos segundos após o Big Bang. “E desencadear uma luz capaz de iluminar detalhes iguais a um bilionésimo de bilionésimo”, diz ele, indicando o piso. Sob nossos pés, a cem metros de profundidade, passa um túnel circular de 26 quilômetros de extensão, onde milhares de partículas elementares se deslocam à velocidade da luz.
Caminhando entre os magnetos (atualmente em manutenção), resfriados a 271 graus centígrados negativos, mais frios do que o frio sideral, Rossi explica por que Ernest Rutherford é um dos exemplos mais claros de como “a certeza científica não é uma evidência imediata”. Foi ele quem descobriu o átomo, exatamente há cem anos. Mas nunca o “viu”. A ele será dedicada uma mostra no próximo Meeting de Rímini, que no tema escolhido (E a existência se torna uma imensa certeza) condensa justamente o desafio de um mundo onde a incerteza da vida parece insanável.

Se a certeza científica não é sempre uma evidência absoluta, o que é então?
Como a maioria das certezas, não é imediata, baseia-se num “através de”: substancialmente, é um conjunto de indícios que convergem para algo. Para uma realidade que, talvez, nem sempre “vemos”, mas da qual podemos estar racionalmente certos. Com o experimento que o consagrou na história, Rutherford formulou o “modelo planetário” do núcleo atômico em círculos e esferas, até hoje não superado. Mas a estrutura do núcleo ele apenas a deduziu: baseado nos indícios que havia encontrado, formou sua certeza. Toda a história da ciência apoia-se sobre certezas racionais. Foram alcançadas depois de verificadas só hipóteses positivas, não dúvidas. A ciência avança porque há homens convictos de algumas coisas, embora sem ter todos os elementos em mãos. Pense em Karl Alexanser Müller: examinou materiais (compostos de óxidos de ramos com terras raras), que já tinham sido estudados por outros sem resultados, porque ele tinha a convicção profunda de que todos os indícios indicavam a propriedade supercondutiva, que depois encontrou e lhe rendeu o Prêmio Nobel. Ou Einstein: estava certo por intuir do Princípio de Relatividade Geral bem antes de conseguir demonstrá-lo. De fato, sustentava que o conhecimento partia de “uma certeza de tipo religioso”: ele estava quase pré-convicto das suas teorias.

Mas ele as submetia à prova e podia também ser desmentido.
Porque a verdade se oferece sempre a uma comprovação. Tanto que a certeza nunca é estática: ou desaparece ou aumenta, não fica imóvel. Não só: o conhecimento da verdade também tem uma outra característica: é inesgotável. O homem vive tentando preencher uma distância – isso na pesquisa científica é claríssimo –, mas o ponto final “se opõe como barra elástica à sua superação”. É uma expressão de dom Luigi Giussani que em meu trabalho continua a ser comprovada.

A sala de controle do CERN de Genebra.

Em que sentido?
A resposta a determinada questão nunca é conclusiva. Por exemplo, se e quando encontrarmos a Partícula de Deus, abrirá mais perguntas do que as respostas que nos oferecer. Acontece sempre isso. Quando a gente consegue explicar certo nível da natureza, e a explicação é satisfatória e racional, há sempre a indicação de um nível ulterior, ainda mais profundo, de conhecimento. A mesma coisa experimentamos quando amamos uma pessoa. Nunca paramos de conhecê-la, nunca a esgotamos. Assim, nunca chegamos ao fim no conhecimento da realidade. E olhe que o mundo é finito! Esse, para mim, é o sinal mais evidente de que existe um infinito dentro do finito. Mas o fato mesmo de o conhecimento ser racional já indica um “outro” nível.

Por quê?
A racionalidade é um milagre em si. Porque nós somos distintos do mundo, mas o compreendemos. Temos afinidade com o mundo. Isso é um milagre. É também por isso que conhecer a verdade tem valor em si, vai muito além da utilidade que as descobertas possam ter. O CERN é, nesse sentido, uma das poucas fortalezas contra o enorme erro de se exigir que a ciência seja cada vez mais “prática”: limite de uma cultura dominante que está mais à procura do bem-estar do que da verdade.

Em que sentido a tentativa de preencher essa “distância inesgotável” cada vez mais se reduz ao esforço de “controlar” a realidade?
Sim, é uma redução porque quando o objetivo é o “controle”, bloqueamos para nós mesmos a possibilidade de conhecer verdadeiramente a realidade. A vontade de “controlar” o real é própria do homem, e isso é compreensível. O problema é que não nos deixamos interrogar pelo primeiro apelo que a realidade nos faz: o fato imponente de que não podemos dominar tudo, nem em sua totalidade. Ignorando isso, perseguimos o objetivo ilusório de viver sem riscos.

Recentemente o Papa disse: “Junto com as nossas capacidades não cresceu somente o bem. Também as possibilidades do mal aumentaram e se colocam como tempestades ameaçadoras sobre a história. Nossos limites permaneceram...”. O incidente na central nuclear de Fukushima é emblemático: o problema foi reduzido às suas consequências (“nuclear sim, nuclear não”), deixando totalmente de lado a potência com que a realidade nos atingiu.
Não somos capazes de aprender o que a realidade diz porque não é mais vivida como sinal. Encarar a realidade não é fácil: em minha experiência, vejo que só a visão cristã valoriza a realidade totalmente, permitindo ao homem estar de frente para ela. De modo não parcial. E essa é a única possibilidade de se dar uma resposta verdadeiramente racional aos problemas. Porque se a gente não pode estar totalmente frente à realidade, ela se torna ou uma coisa a ser explorada ou uma coisa a ser mantida tal como é, por medo de tocá-la. Forçosamente a gente cai na armadilha de um desses opostos. Ambos verdadeiros, mas parciais.

Por que a realidade não é mais vivida como sinal?
Porque foi tirado fora o destino. Vivendo como se ele não existisse mais, a realidade não me indica nada. É pela ausente consciência de um destino que ganha força a ânsia de “controle” e a ilusão de poder viver sem risco. Mas não existe o risco zero na vida! Pelo simples fato de se viver, e de termos que fazer escolhas. Só podemos viver arriscando, porque o simples fato de nos movermos afirma que alguma coisa vale. A ideia de eliminar o risco é fruto maléfico do espírito moralista moderno.

O moralismo bloqueia o conhecimento da realidade?
Absolutamente. Querer anular o risco significa cancelar a possibilidade do erro: e essa pretensão de eliminar o limite, essa ideia de perfeição, leva ao bloqueio total. O que é o moralismo? Quando a gente remove a origem mas mantém firme o comportamento; o qual, sem controle, precisa de uma jaula: a lei. Assim também com a realidade: se nos falta atitude para encará-la de um modo positivo e, ao mesmo tempo, não queremos errar, então se torna impossível aprender com ela. Eu entendi isso muito bem no que aconteceu dia 19 de setembro de 2008, quando um acidente no túnel bloqueou tudo...

O que aconteceu?
Poucos dias depois da inauguração do acelerador, transmitida para o mundo todo, uma conexão elétrica entre os magnetos queimou, provocando um desastre enorme. Em poucos segundos, uma joia tecnológica fruto de vinte anos de pesquisa ficou inutilizada, nos pareceu o fim de todos os nossos esforços: um erro ligado a um aspecto não especialmente difícil havia destruído um projeto de altíssima engenharia e de física teórica. Eu era e ainda sou o responsável por toda a parte de supercondutividade da máquina, portanto o golpe foi ainda mais feroz.

Como viveu essa situação?
Admiti o erro. E não por uma honestidade intelectual, mas porque se não ficaríamos prisioneiros dele. Coloquei em risco uma posição humana. Aqui é fácil a gente se considerar infalível, e nós fomos arrogantes na hora dos testes, não havíamos levado em conta o erro. Em geral, a tendência é não admitir o erro, ou pelo menos aceitar só um erro individual, casual, não de conceito. No entanto, com 420 dias de atraso e 50 milhões de euros perdidos, descobrimos que a máquina tinha uma fragilidade de design difusa. Reconhecê-lo nos tornou mais livres na construção e arrefeceu o clima de suspeita. Sobretudo, multiplicou as forças: se a gente abraça o erro, percebe que ele pode indicar o caminho para avançar. Mas se a gente quer cancelá-lo, ele retorna e nos captura. Eu pude olhá-lo de frente devido à minha experiência cristã, e só saí ganhando, porque aprofundei minha experiência e comprovei que Cristo é a única salvaguarda de positividade em relação ao real. Ou a gente vive o erro como lamentação ou o aceita como aquilo que de fato é: um sinal.

Portanto, aceitar o limite nos permite experimentar que a relação com a realidade tem sempre, em si, uma raiz que puxa para o infinito?
Revela a ligação com o infinito, mas não só isso: a consciência do limite e da nossa desproporção leva a descobrir que tudo é dom. O tsunami é um exemplo claríssimo: as placas tectônicas, que por causa do terremoto podem voltar-se contra o homem, é a mesma que permite o equilíbrio fragilíssimo que torna possível a vida sobre a Terra. O que isso nos diz? Antes de tudo, que aquilo que temos é demais. É tudo demais. E o que falta ou vem a faltar é um sinal doloroso de que tudo nos foi dado. Não temos o direito ao mundo, não nos é devida nem mesmo a existência. Tanto que o homem pode chegar a reproduzir inclusive coisas primordiais, mas a origem é inalcançável. É como uma assintota: podemos aproximar-nos dela, sem jamais tocá-la... Nenhuma técnica de fecundação artificial, por exemplo, pode por si dar origem a um bebê, o que permanecerá sempre um mistério. Na origem de tudo há – como diríamos com palavras que nos parecem completas – um ato de gratuidade.

Seus colegas também pensam assim?
Este aqui é o grande templo da ciência, gastamos um bilhão de euros por ano do contribuinte europeu para buscar fragmentos de verdade e quase ninguém se pergunta: mas existe a verdade? Acho incrível que não se coloque essa pergunta. É uma coisa que me atormenta, que muitas vezes me coloca em crise; eu me digo: mas será possível que outros não o vejam, será que sou só eu que coloco acima da realidade uma superestrutura de mistério? Mas não é que eu o considere algo óbvio, eu me questiono sempre. Hoje, muitas teorias racionais explicam que o mundo nasceu do vazio quântico. Mas o ponto é que esse vazio não está vazio! Está cheio de partículas e antipartículas. Esse vazio não é um nada. E o milagre é a existência em relação ao nada, sobretudo uma existência com leis. A ideia da racionalidade sem isso não se sustenta: o ato supremo da racionalidade é tomar consciência dessa gratuidade.

Mas nem todos reconhecem isso.
A verdade nos coloca a todos no mesmo plano, o que faz a diferença é o estofo humano: o mundo é uma grande testemunha do fato de que existe uma gratuidade, tudo foi feito para nos atrair, é um dom enorme, mas eu preciso me abrir para ele. Há a liberdade de reconhecê-lo ou não. Eu, por força da fé... e o digo tremendo, porque quem pode dizer: eu tenho fé?... Mas é por força da fé, por força do fato de que encontrei o cristianismo de maneira viva, que jogo toda a minha liberdade nesse reconhecimento. Continuo achando que há uma vantagem na posição humana tornada possível pela relação com Cristo e quero ser leal a essa vantagem.

O senhor está no CERN desde 2001, qual é a maior descoberta que o senhor fez?
Não tenho dúvida: descobrir de maneira existencial, na aurora dos meus 55 anos, aquilo que ouvi de dom Giussani quando eu tinha 24 anos. Lembro disso como se fosse hoje, em São Marcos, em Milão, ouvi-lo dizer a todos nós: “A coisa mais verdadeira é que eu, neste momento, não me faço sozinho!”. Eu estou redescobrindo que tudo o que tenho foi dado. É demais, já é tudo demais.


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“TERRA DESCONHECIDA”

A Partícula de Higgs (chamada também “de Deus”) toma o nome do físico escocês Peter Higgs, que em 1964, junto com outros cientistas, formulou o “mecanismo de Higgs”, pelo qual as partículas elementares adquirem massa interagindo com um certo “campo de Higgs” que – segundo a teoria – permeia o universo. Esse campo se manifesta através da Partícula, a única do modelo teórico de referência que ainda não foi observada. O superacelerador LHC (Large Hadron Collider) do CERN, de Genebra, tem entre seus objetivos a descoberta dela. Como? O acelerador é um anel de 1.700 eletromagnetos supercondutores, que são formados por bobinas nas quais o cabo elétrico conduz a eletricidade sem resistência nem perda de energia. No seu interior, dois feixes de prótons são acelerados até entrarem em colisão. No choque, a energia cinética se transforma em massa, dando origem a novas partículas muito pesadas, como existiram livres apenas logo após o Big Bang. Essas partículas não são estáveis e decaem, emitindo outras: entre elas se encontraria também a Partícula de Deus. Para observá-la, porém, é necessária uma luz ad hoc liberada pelo acelerador, que ilumina as partículas depois do choque e permite a enormes olhos (Reveladores) captá-las. Substancialmente, LHC é tanto uma “máquina do tempo”, porque reconstroi o estado da matéria nos primeiros instantes do universo, quanto um “supermicroscópio”, porque gera uma luz “finíssima” capaz de iluminar dimensões jamais exploradas.