Cláudio Pastro.

Às portas da Jerusalém Celeste

O artista plástico Cláudio Pastro é o responsável pela iconografia da Basílica de Aparecida do Norte, no interior de São Paulo. Nesta entrevista ele nos conta como vive o seu trabalho e as formas de comunicar a fé por meio da beleza (de Passos, maio 2012)
Ana Luiza Mahlmeister

Ao entrar no Santuário, em Aparecida do Norte, nos deparamos com a cruz de Cristo vazada que domina o espaço. Ao fundo uma coluna dourada de anjos brancos guarda o nicho da pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida, humilde e grandiosa: por ali passam mais de 10 milhões de peregrinos por ano para rezar. Ao longo dos anos as paredes de azulejos foram ganhando cenas do Evangelho, mulheres bíblicas que prefiguram a Virgem e a História da Salvação que chega até os nossos dias. “Assim, todos nós ao nos dirigirmos à Basílica, buscamos o eixo, a centralidade de nossa fé e a vida que é o Cristo Senhor, a Igreja, sua Esposa, e a sua Mãe”, define Claudio Pastro. É ele quem pensa cada detalhe da Basílica, na qual trabalha há dez anos.

Como você pensou o espaço da Basílica? De que forma ela expressa a evangelização para os peregrinos?
Penso que tudo isso é um reflexo do nosso tempo. Antigamente, Aparecida era um espaço apenas devocional. Mas tanto eu como as pessoas que me convidaram, como Dom Aloisio Lorscheider, o grande reiniciador de tudo e também o padre Darci José Nicioli, e os atuais padres que trabalham na Basílica, nosso desejo é que seja um espaço de evangelização para todo o Brasil. Sistematicamente todas as dioceses do Brasil, uma vez por ano, passam por Aparecida com seu bispo. Não tem sábado ou domingo que não vá pelo menos uma ou duas dioceses com todo o povo do lugar com o bispo. No início não estava muito claro o que se queria do espaço. Eram mais de 20 arquitetos e artistas e nas nossas reuniões de pré-escolha, ninguém do grupo colocou tanto a questão da liturgia, da evangelização segundo o Vaticano II como eu. E ali já fui sugerindo todo o espaço. Por exemplo, para o painel central, no retábulo da Virgem, chamado popularmente pelo povo de trono de Nossa Senhora, imediatamente pensei nas mulheres que prefiguraram a Virgem. Que quer dizer que a Virgem é a nova Eva, a nova Sara, a nova Raquel, até a rainha Ester. As mulheres do Antigo Testamento são as mulheres que prefiguram a Virgem. A nave Norte e Sul é feminina, a nave Leste-Oeste é masculina. Pensei em colocar ali toda a escritura partindo do esquema da Liturgia que é também o esquema do Apocalipse. Para que as paredes e tudo que se vai fazer fosse uma continuidade daquilo que acontece na Liturgia e não uma decoração qualquer. Havia outras ideias e outros grupos que queriam colocar ali todas as Nossas Senhoras dos diferentes Estados do Brasil, de cada país latino-americano, etc, ou seja, um esforço repetitivo. Penso que ali deve se manifestar a Igreja como imaginário na iconografia, o que é ser cristão. Este foi o grande desejo e ainda bem que eles acolheram. Assim foi pensado todo o espaço.



Como foram escolhidos os materiais?
Escolhemos os azulejos pela durabilidade e pela tradição ibérica, mas também porque a origem dos azulejos é a Babilônia, é a Mesopotâmia, a fonte, a origem do judaísmo e cristianismo, a terra de Abraão. Nossa fé tem a mesma raiz dos azulejos. Depois, para o resto de todas as paredes optei pelo tijolinho, a terracota usada nos palácios, nos edifícios basilicais que também conta por ser térmica e acústica. Também há uma outra questão que é simbólica. A Virgem é feita de barro, terracota, barro cozido, e nós também, os humanos, somos de barro. O revestimento interno em tijolos foi se tornando a marca da Basílica de Aparecida. O espaço também foi se transformando do ponto de vista das pessoas. Quando terminamos de colocar o piso, um funcionário ficava o dia inteiro com um formão tirando chicletes do chão. Com o tempo isso foi acabando. Ninguém mais joga lixo no chão. O espaço provoca um respeito, as pessoas o valorizam, são tocadas. O interesse cada vez maior pela Basílica me deixa maravilhado.

Qual a simbologia do ouro?
As cúpulas e o retábulo principal, onde fica a Virgem, tem muito ouro. Os três anjos estão no meio de um grande painel de porcelana revestida de ouro e queimada a mil graus. O ouro em todas as culturas é símbolo da divindade, porque é o minério mais nobre que temos. Sempre em todas as religiões a divindade é colocada no ponto melhor e mais alto, sempre com ouro. O ouro é sempre reluzente de si mesmo, a luz sai dele. Na realidade é um reflexo, mas a luz que sai dele indica também um fato teofânico ou hierofânico, quer dizer, o lugar onde o totalmente Outro se manifesta. No retábulo principal quis mostrar que há uma intervenção de Deus nesse lugar. Na Basílica, Deus interfere e se manifesta através da pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida. É por isso que também o retábulo da Virgem apresenta em ouro três arcanjos: embaixo Gabriel, no meio Miguel e em cima de tudo Rafael, indicando também a escada de Jacó. Como diz o texto bíblico do Gênesis, é um lugar terrível, é o ponto de unidade entre o céu e a terra.



A interação do espaço com a evangelização é perceptível para quem visita a Basílica?
No começo o interesse pela Basílica era apenas devocional. As pessoas me perguntavam: mas o povo entende isso? Percebo que as novas gerações de padres estão mais preocupadas com uma evangelização séria a partir da própria Basílica e também com uma liturgia melhor. A liturgia é a grande catequese. As pessoas podem não se dar conta no sentido intelectual, mas o que mais me interessa é que ao entrarem na Basílica se sintam fascinadas, maravilhadas porque a função do lugar é indicar a beleza da fé daquela pessoa, daquele povo, que é o povo de Deus. É isso que me interessa. O que estamos fazendo em todo o interior da Basílica – edifício real no estilo neobasilical romano – o mais importante é que todo o espaço sagrado, e portanto a Basílica de Aparecida em particular, é a Jerusalém Celeste, como indica o final do livro do Apocalipse. Acabo de projetar a Porta Santa que indica que da soleira para dentro é a Jerusalém Celeste. Na Porta Santa (ainda em fase de aprovação) do lado externo ficará a anunciação do anjo à Maria, na realidade a anunciação do Senhor à Maria, com a interferência do anjo, que vem do alto, e ela está respondendo sim ao Mistério. Ela também é chamada, em uma das ladainhas de Nossa Senhora, de jardim fechado no Cântico dos Cânticos. Ela também é a porta deste jardim, desse sacrário, desse sagrado. É por ela que nós entramos no paraíso. Do lado de dentro, quando as portas são abertas cada uma delas terá um anjo das portas do paraíso. De cada lado um trecho do Salmo 122 e do Salmo 84, são salmos de peregrinação que correspondem à subida de Jerusalém.

Como as pessoas são tocadas pelo espaço sagrado?
O espaço tem a função de fascínio, maravilhamento. Não precisa de um entendimento racional, mas amar a própria fé através desse espaço, onde é celebrado o Mistério Pascal. As outras coisas vêm com o tempo. Se sentimos esse maravilhamento, sempre temos vontade de retornar a esse espaço. Todo espaço sagrado onde é celebrado a memória do Cristo deve ser bem arrumado, belo, e no caso do principal Santuário do Brasil, mais ainda. No ritual da consagração ou dedicação de uma igreja, uma vez que é construída, ela é dedicada sempre a Deus em honra de um mistério do Cristo ou de um santo. No ritual de consagração várias vezes é dito que esta é a soleira da Jerusalém Celeste. E como no livro o Apocalipse nos diz, a Jerusalém Celeste é aquela cidade quadrada, com uma praça e uma fonte no meio, com 12 árvores na avenida central dessa praça cujas folhas curam os povos, porque corresponde à própria árvore da vida na qual os apóstolos participam. É muito bonito a imagem da Jerusalém Celeste que desce do céu no livro do Apocalipse, é portanto o lugar da celebração cristã. Pode ser uma capelinha da roça ou uma Catedral ou uma Basílica, todas têm o valor de Jerusalém Celeste, quer dizer, do espaço da porta para frente não se discute mais as coisas humanas, as preocupações sociais. Da porta para dentro as coisas são divinas. Quem celebra, quem preside a liturgia, é o próprio Cristo. As coisas humanas, a corrupção e coisas políticas, ficam da porta para fora. Por isso que a primeira parte da missa, que também está calcada no livro do Apocalipse, é a grande aula Magna, a liturgia da palavra, e a segunda parte é a participação no Banquete do Cordeiro, onde nós nos identificamos e nos alimentamos do próprio Cristo. Acredito que uma tradição de 2 mil anos, com vários nuances para cima ou para baixo, para melhor ou para pior, não importa, faz já toda uma história de fidelidade ao Mistério do Cristo, o primeiro fiel. Isso faz com que tenhamos esse cuidado com a celebração litúrgica, com o espaço sagrado. É o único lugar “limpo”, onde nos identificamos, porque o Cristo é o próprio mistério da encarnação. Deus se fez homem, e o homem necessita da imagem. O homem, imagem e semelhança de Deus. Então é nesse lugar que através das paredes, do piso, das cores, o homem faz a experiência concreta do sentido do seu corpo como templo de Deus. Ele entra em um templum, separado do universo corrompido, porque Ele é o principal templo. Entra nesse lugar para ver quem ele é. O cuidado com o espaço, o cuidado com a liturgia, com a postura, com a música, com a arte, são necessários para quem já fez uma caminhada sobretudo de 2 mil anos. É de uma beleza imensa. É minha vida. A beleza tem sentido. Isso é o mais importante.



Como foi mudando a percepção das pessoas no Santuário?
Há um interesse e um respeito maior pelas coisas. Mas é uma luta constante. Estou trabalhando na Basílica nos mesmos dez anos que eu sofro com a minha saúde. Está havendo uma mudança. O centro é Cristo e as pessoas vêm por causa disso, é uma coisa muito bonita. Para a chegada de Bento XVI, em 2006, colocamos finalmente o grande crucifixo que está no centro que é um Cristo de 8 metros de altura, de aço coté, que à medida que enferruja, se torna cada vez mais sólido. Antes tinha pensado em colocar uma escultura do Cristo, mas ele ficaria voltado apenas para um lado da igreja. Em um desses “insights”, espécie de “diarreia” de criatividade, me veio a ideia de fazer o Cristo vazado. Porque na celebração que tem lugar na Basílica, onde dois ou três estão reunidos em Seu nome estará presente no meio deles, significa que preciso dar um espaço para o Cristo, que significa deixar vazado para que Ele, o verdadeiro, esteja presente. Há um ano eu quis tirar essa cruz e colocar um Cristo diferente. Houve uma comoção geral dos padres. Eles disseram que a cruz já era a marca da Basílica, não se toca mais. Não tem nenhuma Basílica no mundo com um Cristo igual a este. Nossa Basílica tem grandes coisas como o fato das naves Norte e Sul serem femininas. Prioritariamente é um templo mariano, dedicado à Nossa Senhora, representando todas as mulheres do Antigo Testamento que buscam o Cristo, e as mulheres que seguem o Cristo depois da Virgem Maria até hoje. Por isso o painel tem exemplares de mulheres do primeiro século, entre as milhares de mulheres santas. Do primeiro milênio, do segundo milênio e uma mulher do terceiro milênio. Quando estava terminando o painel assassinaram a irmã Dorothy Stang, no Pará, e decidi incluí-la. Quando apresentei o projeto os padres disseram que já tinham pensado em colocá-la e haviam esquecido de pedir. Existe uma sintonia. É bonito, porque ela não é uma santa oficial, não é isso que interessa, é uma mártir, batizada como nós, a santidade já existe em nós. E ela passa a ser também um referencial para o Brasil e o terceiro milênio.

Quais serão as próximas obras na Basílica?
Concluímos no início de abril os últimos painéis em azulejo que dão a volta nas quatro naves. São 36 cenas do Evangelho que se destacam e que são os fundamentos da vida evangélica. A nave Leste tem os evangelhos da ressurreição. Na nave Sul os da infância de Jesus, na nave Norte os evangelhos da vida pública de Jesus, e na nave Oeste a Paixão e Morte de Jesus. Nos quatro pontos extremos das quatro naves estão as mulheres que prefiguraram a Virgem, as mulheres que seguiram e seguem o Cristo. Nas naves Leste e Oeste estão os homens que são os fundamentos da nossa fé, os patriarcas, profetas e apóstolos. No lado oposto os fundadores da evangelização do Brasil, de Anchieta a Dom Luciano Mendes de Almeida. Agora virá o mais difícil, mas que já está concebido e boa parte desenhado, que é a cúpula central. Em termos de área tem 1,5 quilômetro. Depois, terminando a cúpula, tem quatro paredes como se fossem quatro grandes arcos que sustentam essa cúpula. Sobre todo o altar principal até o chão são quase 4,5 quilômetros quadrados de área que será toda azulejada, exceto a cúpula em si (1,5 quilômetro) que será em mosaico. O tema principal é a árvore da vida. Novamente ligado à parábola do grão de mostarda que se torna a grande árvore, a árvore do reino, a imagem da Igreja. Como ali é um lugar de peregrinação, de romaria, os brasileiros se dirigem para lá uma vez por ano, à nova Jerusalém. O tema da árvore da vida, essa grande árvore, é o reino de muitos pássaros brasileiros, cada pássaro tem 2,5 metros. São pássaros que se dirigem, se abrigam nessa árvore, que simboliza o nosso povo que também vai lá para se abrigar. Terminando a cúpula nas quatro grandes paredes em torno dos arcos até o chão, estarão a flora e a fauna de cada região do Brasil. Queremos colocar que o Cristo, na sua redenção, seu Mistério Pascal, não só renovou e renova cada ser acolhido por Ele, que se torna cristão Nele, mas renovou de alguma maneira todo o cosmo. A graça atingiu todo o cosmo com Cristo. “Nele temos a vida”, como está no Evangelho de João.

A última obra inaugurada foi a Coluna Pascal?
Foi inaugurada no sábado da oitava de Páscoa. É uma coluna em mármore de carrara, de 6 metros de altura e 50 centímetros de diâmetro que se localiza entre o altar e a capela do Santíssimo, exatamente quando termina o Presbitério. Aí também fica o ambão da palavra, na parte de cima dos degraus. A coluna pascal existe nas antigas e grandes basílicas. Em Roma, está em São Paulo fora dos muros que é a mais conhecida e a mais bonita com 5 metros de altura. Tem também em Santa Maria Maggiori, na Basílica de São Clemente e São Cosmedim. A função dessas colunas é mostrar que o Mistério Pascal é o centro da nossa vida cristã. Fica entre o altar e o ambão, lugar de celebração do Mistério Pascal que é a missa, e permanece na Basílica da Vigília à Pentecostes. A coluna funciona como uma tocha, como se fosse um farol indicando a centralidade da fé que é o Cristo ressuscitado. No alto da coluna fica o Círio Pascal aceso na noite de Páscoa. Depois será apagado e conduzido ao Batistério, permanecendo lá durante o ano. Aceso nas cerimônias de batismo indica sempre o Mistério que aí é celebrado pelo ressuscitado e sinal da ressurreição. Fiz o design e as figuras foram esculpidas na Itália. São três cenas: embaixo de tudo estão Adão e Eva saindo do Paraíso rodeados por uma frase da celebração da noite pascal, indicando que a humanidade perdeu, pela desobediência, o Paraíso. No centro da coluna fica o ressuscitado que aparece na manhã da ressurreição, no meio de um jardim, à Madalena. No terceiro ponto mais alto está a serpente de bronze de Moisés e o Cordeiro Pascal. Aí temos sintetizado tudo o que se celebra nesta noite. A serpente de bronze vem ligada ao mistério da água. É o cajado de Moisés que bate na rocha e sai água e aqueles que olhavam a serpente de bronze e eram picados por cobras no deserto não morriam. Quer dizer que não morrem os que têm os olhos atentos ao sofrimento de Cristo. E acima de tudo o Cordeiro Pascal, que é Cristo, imolado por nós.

Em 2010 foi inaugurado o Batistério. Como foi sua história?
A grande joia da Basílica é o Batistério patrocinado pela família chinesa Sieh que está no Brasil desde 1950. Era um casal de embaixadores da China no Vaticano. Quando Mao Tse Tung tomou o poder, perderam sua função e procuraram um país católico para morar. Eles iam para a Argentina, por indicação de seu amigo, Cardeal Montini, antes de ser o Papa Paulo VI, e também do nosso Cardeal de Aparecida e São Paulo, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota. Quando estavam na costa brasileira Perón tomou o poder e eles resolveram ficar no Brasil. Aqui fizeram uma vida nova como uma família ultracatólica. Maria Sieh que conheci bem, exigiu do futuro marido, que era confucionista, que se convertesse ao cristianismo se quisesse se casar com ela. Ele se tornou um grande cristão. Ainda hoje a família reza o ofício diariamente, pelo menos Laudes e Vésperas. Pouco antes da chegada do Papa Bento XVI ao Brasil, dona Maria Sieh que naquela ocasião já tinha 90 anos, pediu ao filho para ir à Aparecida, que ela só tinha visitado uma vez, quando chegou ao país. Acompanhei-os na visita junto com alguns de seus filhos que moram na Austrália e Canadá. Mostrei todo o espaço e por último ela passou na frente da Nossa Senhora. Nesse momento saiu da cadeira de rodas e ficou quase meia hora na frente da Virgem em oração. Quando acabou ela pegou no meu braço e disse alguma coisa que não entendi, porque seu português não era bom. Pedi ao seu filho Joe que ajudasse e ele traduziu, dizendo: “Mamãe oferece um trabalho seu aqui na Basílica por US$ 500 mil”. Nos dias posteriores apresentei alguns projetos, mas ela não aceitou porque não completava o montante da doação. Na semana que eu ia apresentar o projeto do Batistério, ela faleceu. Pensei comigo, brasileiramente: bom, agora foi tudo por água abaixo, não vai dar nada certo. Em seu enterro disse ao Joe que tudo deveria ficar suspenso, porque pensei em todas as complicações de herança de família, pois são 13 irmãos. Ele me respondeu: “Não, pelo contrário, vamos aproveitar que todos vêm ao Brasil para o enterro para você apresentar o projeto”. O enterro foi às 11 da manhã e à noite os encontrei no hotel em São Paulo, junto com o engenheiro Minoro, onde pediram muitos detalhes, mas não deram resposta. Na missa de 7º dia que aconteceu três dias depois porque os filhos tinham que voltar para seus países de origem, pediram um orçamento mais detalhado. Eles queriam que tudo que fosse colocado no Batistério fosse da melhor qualidade, durável, etc. Foram muito minuciosos. Levou mais de um mês para vir a resposta e eles doaram mais do que haviam programado pelo projeto. Com a sobra deu até para fazer outros trabalhos na Basílica. Na porta do Batistério há uma placa de agradecimento à família em chinês, português e inglês.

O que representa espaço do Batistério?
Ele retrata o batizado cristão, a fonte que jorra, a fonte da vida que é o próprio Cristo, mas a fonte também é o túmulo do Cristo. “Se morrerdes com Cristo também ressuscitarei com Cristo para uma vida nova”. Morrer no sentido de negar-se a si mesmo para recomeçar uma vida com Cristo, está no centro de tudo. O Batistério conta com uma cúpula dourada muito bonita com os cordeiros que bebem da água do Cordeiro Pascal que é o Cristo. Eu me baseei em uma homilia de São Gregório de Nissa, do século XV que diz “Hoje reconheço o rebanho a qual pertenço”. Porque às vezes entendemos o batismo quase como um fetiche: está batizado, pronto, não acontece mais nada com a pessoa. Mas isso não é o batismo, a questão individual do batismo é a questão eclesial: você entra em um corpo, faz parte de um novo povo, o povo de Deus, o corpo de Cristo. Nós somos deste rebanho.

Como você define a arte?
A obra de arte é talvez a linguagem humana mais profunda porque ela toca o espírito. Perante uma obra de arte não tem quem não se deleite ou que não seja tocado de alguma maneira. Ela não pode ser nunca uma mentira. Ela é uma proposta que atinge a verdade do meu ser, o que sou, o que busco, para que vim ao mundo. Ou ela é uma simples decoração, ela é uma fantasia, uma miragem, alguma coisa criada pelo homem, uma máscara, com outras propostas que em geral são propostas mentirosas, para ludibriar as pessoas, para iludir. A obra de arte verdadeira, sobretudo quando se trata de arte sacra, tem que atingir o ser, não é uma arte qualquer que se faz ao bel prazer, ou que o artista faz porque quer ou porque algum mecenas pagou. A arte sacra não é um acessório à vida da Igreja, à liturgia, ao Mistério que está acontecendo como no caso do batismo. Ela é e faz parte da essência, é a casa de Deus, é bom, e por ser bom, também é Belo. Não dá para separar bom de Beleza. Nosso cristianismo dos últimos séculos ficou muito moralista, então Deus é simplesmente bom e o contrário de bom é mau. Mas se ele também é Belo atinge meu ser em plenitude, a Beleza fala do ser. Enquanto a questão moral é mais racional, a beleza revela a glória de Deus aqui e agora. Deus é uma verdade em nós. Acho muito bonito que os cristãos deixaram muitos testemunhos durante séculos. Muitas comunidades morreram, desapareceram, hoje nem são mais cristãs. Mas na arte ficou o testemunho do tempo que viveu a glória de Deus naquela pessoa, naquele povo.

Como é trabalhar no maior santuário do Brasil?
Eu me esvazio de mim 24 horas, é uma necessidade da arte sacra. O próprio evangelho de tanto você pintar, buscar o Cristo com a renúncia de si mesmo e obediência ao Pai, tem que ser coerente com a sua vida, porque aquilo me toca em primeiro lugar. Não posso propor aquilo que eu não sou, mas aquilo que é proposto me é muito caro e forte. Seria uma mentira se eu não abraçasse essa realidade. O primeiro convertido pela Beleza sou eu mesmo.

Você passou por diversos problemas de saúde e continua forte, pintando.
São vários os milagres da Virgem na minha vida. Quando minha mãe estava grávida, em 1947, ela foi um dia com minha avó ao Convento da Luz, em São Paulo, para pegar as pílulas de Frei Galvão. Minha mãe sempre conta que quando saiu de lá, andando na calçada uma senhora de idade, vendo minha mãe grávida, pôs a mão em sua barriga e disse: “Vai nascer um menino que ficará muito bem guardado debaixo do manto de Nossa Senhora Aparecida”. Minha mãe conta isso e eu jamais pensei que um dia fosse trabalhar lá. Acredito que o que está me mantendo vivo esse tempo todo é Nossa Senhora. Eu já era para ter virado pó há muito tempo e ainda estou aqui.