Na casa de Pedro

Pessoas comuns, que aparecem por poucos segundos no vídeo pelos 60 anos do Movimento: "A bela estrada". Fomos conhecer quem são eles (de Passos, dezembro 2014)
Davide Perillo

O coração da família Dias da Silva está ali, atrás das grades de um berço de hospital. Mal o vemos no vídeo. Poucos segundos, intercalados com cenas da vida normal: um pai no carro com duas crianças, a mesa a ser posta, a fotografia do casamento... E a voz da mãe que a certa altura fala de Pedro e da “possibilidade de experimentar uma dependência total de Deus” e de “deixar que seja Ele a construir a nossa família”. O pai Gonçalo, 36 anos, trabalha num banco; a mãe Inês, 33, é psicóloga. Têm mais dois filhos. Vivem em Lisboa e falam desta “preferência de Deus” que tem o rosto de um bebê de apenas dois anos, mas uma história bem mais longa.
Para Inês, o encontro com a fé foi na escola, mas a semente foi posta em casa. “Tive uma irmã, Leonor, que morreu aos 7 anos de uma doença estranha: não crescia, não conseguia comer. Quando eu tinha 10 anos, nasceu a Constança com os mesmos problemas”. Desta vez chegou um diagnóstico. Uma doença genética rara, menos de 200 casos no mundo: atrasa o desenvolvimento, enfraquece os músculos, debilita os pulmões. “Aos 15 anos se discutia muito sobre o aborto na escola. Muitos diziam que era melhor não deixar nascerem crianças com doenças graves. No fundo, eu concordava”. Mas depois voltava para casa. E via Constança. “Nos livros de Giussani, que eu tinha começado a ler, ele dizia que era preciso partir da experiência. Entendi que o que eu pensava eram coisas teóricas: a experiência me dizia outra coisa. Ela existia, e a felicidade é uma questão maior. Comecei a entender o sentido de certas coisas graças a minha irmã”.

Constança morreu em 2003 e tiveram a confirmação de que a doença era hereditária. E ela também era portadora. “Não foi fácil saber disso”. Neste tempo, conheceu Gonçalo na época da universidade. Também não foi simples falar para ele da doença. “Levei um ano”, diz Inês: “Ele me perguntou o que significava, mas me disse que não seria um problema”. Ele explica por que: “Pensei que acima de tudo gostava dela. E não podia haver nenhum obstáculo à nossa relação. Depois, claro, foi um golpe. Pensava em casar, ter filhos. E havia grande probabilidade de ter filhos doentes. Mas conhecia os pais dela, via como estavam com Constança: era uma vida dura, mas eram felizes. Como a Inês. E isso me dava uma certeza: até podia acontecer, mas seria algo para o nosso bem”.
Inês e Gonçalo se casaram em 2007 e ela logo fica grávida. “Você começa a se perguntar como será o seu filho. Gostaria de controlar tudo”. Mas mantêm uma abertura total e aquilo que mais os ajudava era ir à missa e fazer Escola de Comunidade. Gonçalo Junior nasce em maio de 2008, perfeitamente são. Francisco chega 18 meses mais tarde, também ele saudável. Pedro chegou no dia 23 de outubro, há dois anos. “Na mesma noite vi que não se mexia, que não comia. Era diferente das outras vezes”, conta Inês. “No início olhava para ele com estranheza. Parece impossível dizer isso agora, mas é a verdade. Depois, passado um tempo, fomos para casa. E lá recomeçamos a ser uma família”. Com os primeiros sinais de como a vida iria mudar, com idas e vindas do hospital.
“Para mim os primeiros dias foram estranhos”, conta Gonçalo: “Não sabia como gostar dele. Depois, quando ele foi para o hospital, o coração mudou. Percebi que, doente ou não, era meu filho. E o amava. Tive mais certeza de que dependemos de Outro. É uma descoberta através do Pedro, mas que abrange tudo”.

Ao perguntar como eles mudaram, as respostas se entrelaçam. Inês: “Diante dos filhos, me vejo a contemplá-los. Estou agradecida pelo que existe. Nunca pensei que estar em casa com as crianças ia ser tão atraente”. Gonçalo: “Estou mais aberto a tudo. Admiro o que me acontece no dia a dia graças ao Pedro, porque sem ele eu não seria assim”. Mas em que o Movimento os ajuda a viver? “Hoje não saberia viver sem a Igreja, e a Igreja para mim é o Movimento”, diz ele: “É muito concreto. Ajuda-nos a não estar desesperados nessa situação”. E ela acrescenta: “Aqui sempre encontro uma palavra que me corresponde e me ajuda a responder às circunstâncias. É como se a vida, um passo por vez, me confirmasse o que tinha intuído quando criança”.
O próximo passo é outra espera: Inês está grávida novamente. “Medo? Sempre há”, diz ela rindo: “Mas está cheio da memória do que está acontecendo. E de uma felicidade imprevista”.