Michael Lonsdale em uma cena do filme "Homens e deuses"

De Hollywood a Deus

De rosto célebre na telona do cinema ao oculto de um homem apaixonado pelo Evangelho. Depois de ter vestido o hábito de monge de Tibhirine, Michael Lonsdale relata (pela primeira vez) a sua “doce” conversão (de Passos, junho 2015)
Carlo Dignola

Há muitas coisas belas nos Upanishads, budistas maravilhosos, hindus impressionantes pela sabedoria, mestres sufis... Senti grande felicidade ao ler Lao-Tse e Confúcio. O homem não cessa de buscar. Mas o que de mais verdadeiro eu li durante a minha vida é o Evangelho. A palavra de Jesus é a mais justa, a que suscita mais vida”.
Michael Lonsdale, 83 anos, é um ator francês com currículo impressionante: atuou em cerca de 150 filmes, incluindo grandes produções hollywoodianas como Munich (Munique), de Steven Spielberg, e Moonraker (007 contra o Foguete da Morte), da série de James Bond. Trabalhou com diretores como Orson Welles, Truffaut, Malle, Godard, De Oliveira, Ivory, Buñuel, Olmi.
Seu último sucesso é de 2010, Homens e deuses, um filme que conta a história dos monges de Tibhirine, assassinados, em 1996, por um grupo islâmico armado, na Argélia. Lonsdale está na TV desde a década de 1950, e é um grande ator de teatro: interpretou Sófocles e a Bíblia, Shakespeare e Proust, Samuel Beckett e Camus, Ionesco e Pavese...
Agora escreveu um pequeno livro sobre sua vida, Dar um rosto ao amor. A minha fé de Spielberg a Tibhirine (ainda não disponível em português), e não fala dos sucessos profissionais, mas da sua relação com Deus. É um homem que se aproximou do cristianismo por longas etapas; Jesus o prendeu “docemente”, como ele mesmo diz a Passos: “Meu pai era um inglês protestante, minha mãe, uma francesa católica, mas não ia à igreja. Meus pais – coisa rara naquele tempo – tinham decidido não me batizar. Minha mãe, porém, amava muito Jesus: foi a primeira pessoa que me falou d’Ele”.

A busca. Quando Michael tinha sete anos, a família transferiu-se para Rabat, no Marrocos. Parece que o primeiro livro religioso que o senhor leu foi o Alcorão, é verdade?
“Sim. Aos quinze anos me tornei amigo de um muçulmano, um antiquário de Fès”, conta. “Ele me falava de Deus, num café da cidade, à noite. Eu ficava encantado. Porém, jamais me tornei muçulmano”.
Não se converteu baseado em livros. Foram certos encontros que mudaram a sua vida. Essa autobiografia é, sobretudo, um elenco de nomes, de lugares, de momentos, de rostos que se tornaram decisivos para ele. “Para mim, Jesus é um homem concreto, de carne e osso”. E como se deu conta disso? “Eu estava procurando alguma coisa e a encontrei num dominicano maravilhoso, padre Raymond Régamery. Eu o conheci depois que retornei a Paris. Fui ouvi-lo porque ele explicava as relações entre a arte e a fé com grande paixão. Marquei um encontro com ele no convento de Saint-Jacques. ‘O que você busca?’, me perguntou. ‘Não sei. Procuro alguma coisa verdadeira, boa, grande...’. ‘Talvez o que você está procurando seja Deus, simplesmente’, me respondeu”.
A pessoa que realmente mudou a sua vida, porém, não foi um religioso, mas uma mulher, cega: Denise Robert. “Ela era uma pessoa linda: sempre sorridente, alegre, luminosa. Passamos tardes inteiras juntos, falando de tudo. Eu nem sempre compreendia o padre Régamery, que usava palavras que eu nem sabia o que significavam.. Denise, ao invés, muito me ajudou a me tornar cristão. Ela gostava de caminhar por Paris, conhecia bem a cidade. E me levava ao Santuário da Medalha Milagrosa, na Rue du Bac. Ria muito e enquanto me explicava o Evangelho, me disse tudo sobre Jesus”.

Um homem feliz. Aos 22 anos, Michael decide receber o batismo, justamente no convento de Saint-Jacques. A madrinha, naturalmente, foi Denise. “Naquele dia eu chorava, chorava!”, lembra. Aquele não era um lugar qualquer, nas décadas de 1950 e 1960; era uma sede intelectual importante na França. “Ali encontrei grandes teólogos, padres extraordinários como Marie-Dominique Chenu, Yves Congar”.
Outra virada aconteceu nos Anos 80, com a morte, em poucos meses, da sua mãe (“ela ficou doente por vários anos, mas perdê-la foi muito duro”), de Denise e de outras pessoas queridas. O que lhe aconteceu nesses dias? “Não tinha mais vontade de viver, não via mais ninguém, não sentia mais nada”. É, então, que Lonsdale encontra o movimento de Renovação Carismática e se aproxima da Comunidade Emanuel. Por quê? “Vou regularmente a Paray-le-Monial, gosto desse lugar e da sua bela igreja românica. Com alegria encontrei ali cristãos acolhedores, abertos, calorosos. E ali conheci também padre Dominique Rey, que hoje é Bispo de Toulon. Tornou-se um grande amigo, me ajudou muito”. Nos últimos anos, Lonsdale, como ator, quis se dedicar “só a obras de tipo espiritual. Esse já não é mais um trabalho, mas o meu modo de responder ao chamado de Cristo”. Nesse trabalho, já vestiu roupas de padres, de monges, de cardeais; foi o reitor da grande mesquita de Paris, o arcanjo Gabriel... “Mas também já interpretei papéis de vilões, por exemplo o diabo em Irmãos Karamazov”. Porém, me parece que o senhor encenou sobretudo cristãos “normais”, como o cura de aldeia, de Bernanos, Teresa de Lisieux, Madeleine Delbrêl... Por quê? “São pessoas que têm algo a dizer ao mundo de hoje, que busca uma esperança. Interpretei também os fioretti de São Francisco de Assis, meu santo preferido. E encontrei diversas vezes Guy Gilbert, que acolhe jovens nas ruas”. A impressão é que lhe agradam os cristãos simples e diretos, que têm uma ideia mais “afetiva” do que intelectual da fé, não é assim? “Sim”, responde sorrindo. “De fato, creio que é extraordinário esse novo Papa, Francisco. Está mudando as coisas em Roma. Essa sua atenção pelos pobres é maravilhosa”. O seu ponto de chegada, porém, foi vestir o hábito de frei Luc, em Homens e deuses: “Uma figura tão essencial, tão verdadeira, tão próxima da santidade. E, depois, para mim é a imagem de um homem feliz: o amor ao próximo torna as pessoas felizes”.

A profecia de Péguy. Agora Lonsdale encontrou uma nova figura de cristão que muito o fascina: Charles Péguy. “Com um outro ator, lemos as páginas dele no teatro. É um homem belíssimo, vejo que as pessoas se interessam muito por ele. E é extraordinário que o que Péguy disse cinquenta anos atrás esteja acontecendo justo agora; ele foi uma espécie de profeta. Também acho que é decisiva nele a questão da esperança... Quando saímos das missas, no domingo, a fé deveria ser vista em nosso rosto; ao invés, geralmente somos muito medrosos”.
O senhor escreve que dentro do homem de hoje “algo se rompeu”: o que pretende dizer? “Veja bem o que está acontecendo na França, ou na Líbia, com o terrorismo. Estou impressionado. Quando eu era jovem, vivi no meio dos muçulmanos no Marrocos; tive grandes amigos, mas eles não eram absolutamente fanáticos. Os verdadeiros muçulmanos estão chocados com os atentados de 7 de janeiro e com o Isis. Não está escrito no Alcorão que se deve sair por aí matando pessoas. Os terroristas são gente fanática. Este é um momento muito difícil”. Mas o mal sempre existiu... “Claro. Mas é chegado o momento em que, como cristãos, precisamos retomar nossa função”. E qual é? “Divulgar a humanidade”.