A plenitude dos tempos
Ele foi um dos primeiros a seguir o fascínio do encontro com Dom Giussani no Liceu Berchet, nos anos em que o pensamento era o choque de opiniões, paraíso da confusão ideológica. Durante as férias nacionais de CL deu seu testemunhoNotas do Diálogo com padre Pigi Bernareggi durante as férias Nacionais de Comunhão e Libertação. Serra Negra/SP, 29/07/2016. O encontro foi conduzido por Marco Montrasi (Bracco), responsável nacional do Movimento.
Bracco: Convidamos o Pigi para um diálogo conosco sobre o caminho que estamos fazendo, em particular, o percurso dos Exercícios da Fraternidade, sobre o tema da misericórdia, para tentarmos entrar mais no mistério dessa palavra e entender o que significa na experiência também. Desde que conheci o Pigi, sempre que vou a Belo Horizonte, tento encontrá-lo porque ele me faz realizar uma viagem. Ele me faz conhecer lugares e experiências que eu nunca vivi. Não é só o passado que ele viveu que ele carrega. Na verdade, é o coração que eu vi, a experiência que eu vi em Dom Giussani, que eu vejo nele.
Padre Pigi: Foi falado que isso seria uma assembleia, portanto não esperem de mim aulas ou lições. O que eu posso fazer é dar uma ajuda, dar uma mão, diante das interrogações, que são sempre sinal de inteligência. Quem pergunta expressa o que seu espírito busca. O ponto de interrogação não significa o ponto final, ele é moldado pela busca que estamos fazendo. Desse modo, estou às ordens para qualquer coisa que queiram comunicar, esclarecer ou perguntar. Eu fiz o trabalho de casa, procurei ser muito disciplinado. Estudei a introdução e a primeira palestra de Carrón. Diante disso tenho alguma ideia, alguma interrogação porque também não sou bobo não. Então, estamos aqui para partilhar esses momentos que gentilmente vocês me proporcionaram.
Colocação: Pigi, eu sou professora e como o senhor disse que a pergunta é a expressão da gente, então tem uma coisa que quero ouvir do senhor e entender. Como foi o desafio que Dom Giussani fez no início? Porque aquilo que vejo em mim é um medo. Aqui na página nove do livro dos Exercícios, Carrón diz assim: “Sem querer impor nada de fora, desde o primeiro dia de aula, Dom Giussani se submeteu ao tribunal dos seus alunos. Confia sua proposta ao juízo deles.” E ele dizia: “Não estou aqui para que vocês considerem como suas as ideias que lhes transmito, mas para lhes ensinar um método verdadeiro para julgar as coisas que lhes direi.” A experiência que eu faço é que carrego esse tesouro comigo, mas muitas vezes, diante dos alunos, é como se eu duvidasse disso, como se tivesse medo. Eu tenho certeza disso, mas diante dos alunos me sinto impotente. Então eu queria que você pudesse nos contar como você viveu esse desafio que Dom Gius lhe fez.
Padre Pigi: Nesse trecho, o próprio Carrón se coloca no banco junto com a gente, assistindo à forma como Dom Gius atacava, digamos, a sua “escolaresca”. Era um verdadeiro ataque porque não pensem que seja de hoje essa mudança epocal. Nós, na minha época lá na Itália, estávamos completamente imersos no resultado final dessa mudança epocal. Que não é uma mudança de dias ou de meses, é uma mudança de quinhentos anos, já vai fazer seiscentos anos, a mudança do rumo da cultura ocidental. Portanto, o peso da cultura completamente estranha, aliás, inimiga do cristianismo, era carregada em nossos ombros diariamente. Aliás, não era um peso muito grande porque ninguém de nós, pelo menos em minha sala, ninguém mais era cristão ou se dizia cristão. E quando Dom Giussani entrava na sala de aula, encontrava uma muralha inimiga, preconceituosamente inimiga. Não era um ou outro que discordava de alguma coisa, era toda a sala de aula que era sua inimiga. E com o temperamento dele, aceitava a guerra. Justamente no primeiro momento ele se apresentava com um desafio. Ele dizia: “Eu desafio vocês.” Essas palavras eram como um refrão que repetia todos os três anos do segundo grau. Não passava quase nenhuma aula sem lançar esse desafio. Em que consistia esse desafio? Eles nos desafiava que para que fôssemos leais com a nossa experiência. O que saía da boca de Dom Giussani era a palavra lealdade. “Sejam leais consigo mesmos.” O apelo à lealdade era o apelo às exigências e evidências fundamentais da nossa pessoa, diante do que ele nos propunha. Essa postura guerreira nos obrigava a entrar na briga. As objeções surgiam às toneladas, principalmente da parte dos alunos mais falantes, cujo rompante era mais evidente. E quando as objeções surgiam, ele nunca se demonstrava de alguma forma ofendido, mas mostrava gratidão àquele que tivesse a coragem guerreira de entrar na batalha com ele. Mas o maior batalhador não éramos nós da sala de aula, era o nosso professor de filosofia. Naquela época havia três anos de história da filosofia no segundo grau. Esse professor querido, inimigo querido, era Mário Miccinesi, que tinha estudado na mais prestigiosa academia de filosofia da Itália, a Universidade de Pisa. Possuía uma dialética, digamos assim, muito refinada. Os alunos dialogavam com esse professor de filosofia sobre as objeções e, juntos, montavam as objeções, que saíam da boca do nosso colega com toda a pressão da cultura filosófica mais requintada da época. Dom Giussani parecia mergulhar com gozo, com alegria nessa discussão que, muitas vezes, extrapolava a sala de aula. Quando a aula de religião católica de Dom Gius era após a de filosofia, ou o contrário, os dois se encontravam no corredor e o debate continuava ali. As duas salas saíam e faziam assembleia no corredor e nós assistíamos aos dois, o Miccinesi e Dom Giussani. Era como Atlético e Cruzeiro, em Belo Horizonte. Nós assistíamos apaixonadamente a esses debates, nos sentíamos envolvidos e víamos que não era uma coisa desleal e deseducada ou maldosa, mas era um debate limpo. Isso nos ajudou a sair fora daquela masmorra de neutralidade, de indiferença a que a cultura de relativismo absoluto e de individualismo da época levava a gente. Pelo contrário, nós éramos convidados a entrar dentro de uma luta de ideais, de ideias humanísticas, o ideal do cristianismo. Depois que acabava a aula, após intenso debate, Dom Giussani pegava no braço do colega Miccinesi e iam os dois para o bar. A gente lembra daqueles anos com prazer. Acho que todos nós, os que ainda estão vivos, devem estar com essas coisas ainda na cabeça. Foi isso que fizemos nos encontros durante três anos. Naturalmente, o convite depois veio para nos encontrarmos fora da sala de aula e começou o movimento estudantil nas escolas de Milão, com uma sede própria no centro da cidade, onde todos os grupos das escolas da cidade se encontravam para fazer o “Raio”. Os grupos eram considerados raios no meio da bagunça cultural da época. As reuniões eram consideradas “Raios” e nós éramos os “rainhos”. Então, voltando aqui ao que diz Carrón, o desafio sempre foi este: “Comparem o que eu falo ou o que o Miccinesi fala ou o que o colega diz com a sua humanidade, com as realidades autênticas que estão em você, com as suas exigências verdadeiras. Todos nós tivemos grande sorte naqueles três anos de liceu. O meu colega de carteira se tornou dominicano, é dominicano até hoje em Paris; um dos nossos maiores adversários na época, hoje é um dos redatores dos documentos do Movimento na Itália, e tantos outros. Quando nos encontramos, lembramos com prazer daquela época porque é uma grande alegria aprender a trabalhar, a jogar a nossa experiência dentro do que acontece, do que propõe o mundo, na sociedade. Nenhum de nós era cristão, mas nesses anos, juntos, quem quis ser cristão, tornou-se cristão autêntico e o é até hoje. Eu saí da minha masmorra neutra para uma aventura maravilhosa da qual faço parte até hoje. Considero a minha vida uma bela aventura. Não sei se te respondi direito, mas pelo menos tentei comunicar a experiência.
Colocação: Sou professor universitário, faço escola de comunidade e encontro pessoas e estudantes da faculdade que vêm de uma tradição muito distante da Igreja. Eu queria te fazer uma pergunta acerca do ponto dois da introdução onde ele diz, citando os papas, que a necessidade da misericórdia é um sinal dos tempos. Fazendo escola de comunidade sobre isso, a primeira reação é de não compreensão, pois as pessoas dizem que não veem em lugar nenhum essa necessidade de misericórdia. E eu fiquei pensando como a noção da exigência de ser perdoado não é óbvia, ou pelo menos, como você dizia, ser leal com a experiência. Eu percebo que a gente precisa ser ajudado a ajudar esses nossos amigos a serem tão leais com a própria experiência a ponto de perceber que todo homem, independentemente da história ou da crença, tem essa exigência da misericórdia. Então, eu queria te perguntar por que as pessoas têm essa dificuldade de perceber essa exigência em si. Não tanto uma curiosidade intelectual, embora eu também seja curioso para entender o porquê, mas como ajuda para mim e para esses amigos para percorrer o caminho e para se dar conta de que todos, independentemente de ter fé ou não, têm essa exigência de misericórdia.
Padre Pigi: A cidade precisa da misericórdia. Já surgiu, desde o mundo grego, na pólis, como uma forma de criar um meio de humanidade dentro de um mundo desumano. Os grandes impérios egípcios, babilônios e tantos outros impérios pré-cristãos tentaram isso. Era a tentativa imperialista da sociedade pré-cristã. Mas dentro desse mundo imperialista, onde o valor da pessoa não existia, e sim o domínio do imperador, criaram redutos para que cada pessoa fosse tratada como tal, sentindo-se livre do jugo do império, e assim surgiram as pólis, isto é, as cidades. E a vocação das cidades continua sendo essa, apesar de que, quando a cidade incha e vira uma metrópole pavorosa, esta origem, pela qual todo mundo fugiu do interior onde era escravo, onde era maltratado, onde o dono da terra expulsava, onde não tinha saúde, não tinha esperança, não tinha nada, esta origem pode se perder. Mas vieram para a cidade buscar esperança. Se a cidade tem a vocação de ser, digamos, o lugar da libertação das pessoas e, pelo contrário, surge a experiência da escravidão de novo, na cidade, torna-se muito mais essencial resgatar a beleza da pessoa, o valor da pessoa. Dentro do contexto atual das grandes cidades brasileiras, esse motor do resgate do valor das pessoas, por incrível que pareça é a favela. Eu me ocupei durante muitos anos, e ainda me ocupo, da pastoral de favela, em Belo Horizonte, e nós dizíamos sempre que favela não é problema, mas sim solução. Toda manhã, quando os favelados se espalham pela cidade, para realizar os trabalhos mais humildes e muitas vezes menos remunerados, eles carregam consigo uma carga de humanidade que se dilui na cidade. O fator de maior humanização das metrópoles brasileiras são as favelas. É um povo simples, mas é um povo que tem raízes cristãs, lá de onde vieram. E esse resquício de cristianismo já é o suficiente para fazer deles um elemento humanizador mais forte no contexto urbano, dos aglomerados humanos. Portanto, eu analiso essa necessidade da misericórdia dentro da minha experiência reduzida, digamos assim, de Belo Horizonte, de periferia e de favela. Considero essencial e estratégico o trabalho da Igreja Católica para encorajar, aglutinar, fortificar a presença dos mais humildes dentro da cidade grande. É verdade que de um certo meio para cima não interessa a misericórdia. Mas mais verdade que isso é que onde temos fontes que sejam humildes, de misericórdia, temos uma cidade melhor. É onde há quem tem compaixão dos outros que se abre um ambiente de esperança. Digo isso porque sou vigário de uma periferia humilde. Tenho uma parte da paróquia que é favela e outra parte é classe média remendada, mas eu sinto como a favela está nos encorajando, dando-nos apoio para o trabalho de resgate da humanidade fraterna. Estamos montando comunidades de ruas. Nos ambientes humildes a rua é uma espécie de sala de estar das casas todas. Então, estamos lutando para formar pequenas comunidades de rua, onde as famílias se encontram, se querem bem e se ajudam. Pode ser que intelectualmente, em análises sociológicas de mais alto nível, se dispense a caridade, mas me parece que dentro da nossa realidade mais comum, na simplicidade do nosso povo, o gosto pela fraternidade é muito grande. A alegria de sermos irmãos aparece imediatamente. Portanto, nós, na Igreja de Belo Horizonte, temos o lema Rede de Comunidades. A Igreja pretende criar no território todo uma rede múltipla de pequenas comunidades. Parece-nos essa a pastoral mais acertada para o futuro. O professor de faculdade lida com as pessoas que talvez sejam a nata e que portanto não têm muito essa sensibilidade. Mas eu lido com uma realidade bem mais humilde. Sinto a beleza e a alegria que as pessoas têm em resgatar a fraternidade e a misericórdia mútua.
Colocação: Na sua resposta à primeira pergunta, o senhor mencionou de forma bastante apaixonada as discussões entre Dom Giussani e o professor de filosofia e com todos os alunos, muitos dos quais se colocavam em uma posição de inimigos, digamos assim. Diante de todas essas discussões e ideias antagônicas, como era, daquilo que o senhor presenciou, daquilo que o senhor acompanhou, a evolução do pensamento de Dom Giussani, no sentido da aceitação dele, das posições antagônicas que lhe eram expostas e como isso era absorvido por ele?
Padre Pigi: Ele citava muito esta frase: “Nada do que é humano me é estranho” (“Homo sum: humani nihil a me alienum puto”. Terenzio, Heautontimoroúmenos, v. 77). Isso ele nos repetia constantemente. Mas isso não é uma evolução de Dom Giussani, é o seu ponto de partida. “Nada do que é humano me é estranho.” Tanto que foi se encontrar com os monges do Himalaia e fez a tese sobre um grande teólogo protestante. Se tem uma pessoa aberta 360o a tudo que possa existir no mundo, desde a origem, essa pessoa é Dom Giussani. Então, tudo que talvez se pudesse chamar de evolução do pensamento ou das organizações concretas que surgiram dentro da esfera de ação de Dom Giussani (CL, Fraternidade, Grupo Adulto...) na verdade não é evolução. Não precisamos considerar como passos a mais, porém expressões daquilo que, implicitamente, está dentro dessa abertura em 360o da humanidade dele. Dom Gius dizia sempre para nós que ele aprendeu isso no seminário, com um professor que dizia assim: “Nós somos abertos a tudo, tudo é nosso. Já pensou? Vai chegar um belo dia em que estaremos dando aula no terceiro ou quarto andar, pularemos dessa janela e não iremos nos espatifar porque o cristianismo é uma forma de dominar o mundo inteiro.” É uma espécie de percepção fantástica do cristianismo. Como o homem inventou o avião e navega por cima do ar, o submarino navega por baixo do mar, nós, um dia, vamos ser donos de tudo, iguais a essas crianças que pegam um brinquedo e têm o mundo inteiro na mão. É uma pequena e longínqua imaginação do abraço total ao mundo inteiro e do domínio sobre tudo. Isso é o início da raiz do cristianismo. Portanto, eu não pensaria em evolução, mas em explicitações daquilo que já está dentro da origem, da postura original da pessoa de Dom Giussani. Por isso CL está no mundo inteiro, pega em qualquer lugar, como a plantinha chamada tiririca, que se espalha.
Bracco: Marcou-me o que você falou da positividade desse momento. A verdade é que nós podemos, nessa mudança epocal, como falamos, carregar um medo dentro, como se o negativo estivesse quase prevalecendo. Só que eu li algo do Papa, outro dia, que fala da plenitude dos tempos. Quando Cristo nasceu não estavam claras as evidências. É como agora. De alguma forma, esse olhar que você falou é o mesmo que podemos ter de quando Cristo nasceu. Mas às vezes domina em nós uma resistência, como se o mal estivesse prevalecendo. Então, eu queria que você falasse dessa ideia do tempo. O que pode nos dar esperança? Como é para você, na sua vida?
Padre Pigi: A plenitude dos tempos: um menino em uma gruta de Belém, com dois bois jogando baforadas sobre ele; um pobre coitado de um pescador, de um carpinteiro; depois, na cruz, no instante da morte de Cristo na cruz, isso tudo não é brincadeira. O instante da morte de Cristo na cruz é a salvação do mundo inteiro. E São João entendeu perfeitamente isso quando escreveu a frase em que descreve a morte de Cristo: “Inclinando a cabeça, enviou o seu Espírito.” Pentecostes! Para São João, a morte de Cristo é o Pentecostes. Jesus disse as últimas palavras: “Tudo está consumado.” Quer dizer que está zerado, não tem mais nada? Não. Tudo está dentro dessa ação de Cristo. Nos primeiros batismos, dos primeiros cristãos, as pessoas eram mergulhadas na água, em uma piscina grande, e quando saíam podiam respirar. Isso era para sentir como o cristianismo te faz respirar. Por isso, essa questão da plenitude dos tempos é muito séria. Talvez, o problema epocal nosso não é tanto que o mundo esteja negativo, mas é que nós precisamos resgatar com urgência aquela alegria, aquele abraço infinito. E se vocês querem uma sugestão: o tempo pascal não termina no dia da ressurreição, termina no dia da Ascensão e do envio do Espírito Santo. O desencadear-se do Espírito surge da Ascensão de Cristo ao céu. Isso me lembra um dia em Gudo, uma periferia de Milão. Tem certas coisas que ficam como um flash na cabeça da gente, não desaparecem nunca. Nesse lugar havia um salão onde um dia Dom Giussani fez uma reunião com o Grupo Adulto, e ele falou: “Hoje é um dia especial porque nós vamos meditar a Ascensão de Cristo.” E nós todos dissemos: “Ascensão? Subiu ao céu? Negócio esquisito...”. E fez uma explicação assim: “Cristo subiu ao céu. Que céu é esse? Pai nosso que estais no céu... E onde está? É a nossa vida, é a fonte da vida que temos no profundo de nós mesmos. Cristo, com seu corpo ressuscitado está no profundo do ser de todos vocês e de todos aqueles que, no mundo inteiro, nunca pensaram em Cristo.” Sugiro que vocês meditem de novo sobre o dia da Ascensão. Deve ter algo escrito sobre isso. É essencial porque estamos muitas vezes acanhados, vendo tanto sofrimento, tanta miséria, tanta injustiça, Estado Islâmico e essas coisas. Mas, gente, o que é tudo isso diante da presença de Cristo e da sua Ascensão? Aquele que está matando o católico por ser católico, que está se explodindo, ele está jogando suas vítimas nos braços do Cristo ressuscitado. Na nossa vila, em Belo Horizonte, o tráfico é o centro. O bairro em que eu moro é como a mão da gente. Estamos no centro e de lá saem as artérias de comunicação com a cidade toda. Ali está a mão do tráfico. Quando matam um desses meninos de 18,17,15 anos, barbaramente, pensam que estão fazendo o mal para ele, mas estão explodindo ele para ao Eterno. Se soubessem disso, não matavam mais porque eles queriam fazer o mal, mas estão dando para ele o passaporte do céu. Eu falo isso com as mães na hora da missa do corpo presente, e elas compreendem. Vejo no semblante delas. Que surpresa! Não é “surpreendente” metaforicamente: é a realidade que nos surpreende, na qual estamos mergulhados dia e noite, essa surpresa. É uma explosão não de bomba, mas explosão do Cristo ressuscitado que subiu ao céu e está em todos nós. Se alguém disser que isso é ser visionário, não é. Essa não é uma forma imaginária, essa é a pura essência do cristianismo, é o núcleo central do cristianismo. “Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber. Toda vez que fizestes isso, a Mim o fizestes.” Isso é uma forma imaginária de Cristo falar uma parábola? Não é isso não! Essa é a pura e simples realidade verdadeira. Mulher, no teu filho está o corpo glorioso do Cristo ressuscitado! A consciência constante dessa nossa vida não pode nos deixar ficar com medo, com o espírito negativo. Eu tenho 78 anos, sinto o peso do meu corpo e posso ficar negativo. Mas é só eu fazer memória! Não é recordar, é “fazer memória”, isto é, tomar conhecimento daquilo que eu tinha esquecido, mas que é a substância real do instante que eu estou vivendo. Simone Weil falou assim: “O tempo é esta espera. O tempo é a espera de Deus que mendiga o nosso amor.” O que é o tempo? Eu não vivo no passado que já passou, não vivo no futuro que ainda não chegou, vivo neste instante que passa, e que já passou, é fluido. Esse fluir não é uma banalidade, é Deus me esperando, mendigando meu amor, oferecendo-me mais uma chance de sentir que o instante é o fluir do amor infinito de Deus, na hora que eu passo por ele. Não é o amor de Deus que passa por mim, sou eu que passo pelo amor de Deus. Iguais aos mergulhadores, nós mergulhamos no amor de Deus como peixe dentro d´água. O tempo que passa pode parecer a coisa mais chata, mais sem graça, contudo são instantes em que Ele me dá tudo porque neste instante que está passando, eu não faço nada para eu existir, é a gratuidade infinita de Deus que me faz ser o que sou. Uma misericórdia sem limite. Então, deixemo-nos levar pelo fluir infinito desse Deus que me doa infinitamente a sua vida, neste instante, e em outro instante, até o instante com “I” maiúsculo, que é a eternidade, onde o tempo se torna o instante pleno, que nem conseguimos imaginar o que possa ser, mas que é um negócio fantástico! Isso tudo a gente aprendeu com Dom Giussani, naquele dia no salão de Gudo.
Bracco: Muito obrigado. Esperamos ter outra ocasião para encontros como esse.
- sexta-feira.pdf 155KBSexta-feira, 29/07/2016